Capítulo 22
2219palavras
2022-12-24 14:47
Eu saí dali e imediatamente Théo entrou. Eu só esperava que Mia não fizesse nada que pudesse se arrepender depois. Ela conhecia aquele homem a tão pouco tempo. Na verdade, nós não os conhecíamos. E éramos completamente inocentes do mundo deles... Vínhamos de uma realidade não condizente com o mundo de quase ninguém. Éramos de dentro do castelo, criadas quase enclausuradas. Mesmo que Mia fosse teoricamente uma garota livre, sabíamos que não era bem assim. Ela não tinha o poder de ir e vir passando dos muros do castelo. Ela e sua mãe não eram prisioneiras, mas também eu sabia que jamais meu pai deixaria Léia sair lá de dentro, muito menos Mia, que era usada muitas vezes para ocupar o meu lugar e confundir as pessoas. Léia sabia muito sobre a realeza... Por isso ela tinha certas regalias com meu pai. E também por este motivo ela jamais poderia deixar de ser sua criada.
Samuel continuava ali, escorado na parede, com as mãos nos bolsos.
- O que vamos fazer agora? – ele perguntou.
- Eu não sei o que você vai fazer agora, “Sam”. Mas eu vou até a rua... Tomar um ar fresco. Não suporto mais ficar neste lugar fechado. Estou me sentindo presa.
- Eu vou com você.
- Eu não quero.
- Ficou com ciúme de Isabella?
- Eu? Deveria?
- Não... Eu não tenho mais nada com ela.
- E isso me importa?
- Eu lhe pergunto... Isso importa para você, Satini?
- Não... – falei confusa. – Claro que não.
Eu saí e ele veio atrás de mim. Acabei me perdendo no lugar que não era grande... Mas eu estava nervosa e um pouco confusa com tudo.
Ele riu:
- Caminho errado.
- Me leve de volta, por favor.
Ele pegou minha mão e eu o segui de volta, saindo por trás do palco. Já tinha poucas pessoas e o som estava mais baixo, mas Isabella continuava no mesmo lugar. Se ela era ex-namorada dele, também pertencia a Coroa Quebrada. Ela não parecia uma garota de lá... Nem ele. Eu não fazia ideia do que era a Coroa Quebrada. E o que seria uma pessoa que pertencesse àquele lugar. Tanto Samuel, quanto Isabella... Eram pessoas como nós. Não pareciam passar necessidades, ou morar ao relento, como um dia eu imaginei.
- Théo mora na Coroa Quebrada? – perguntei.
Ele me olhou surpreso:
- Ainda esta conversa?
- É proibida?
- Eu não diria proibida... Ao menos não aqui.
- Então por que hesita em me responder?
- Que diferença faz de onde Théo é? De onde eu sou? De onde você é? No fim, somos todos iguais, não é mesmo? Este é o nosso objetivo, Satini. Que façamos parte de um mesmo mundo, de um mesmo reino, sem divisões.
- Eu sei disto, Samuel... E eu concordo plenamente com o que você está falando.
- Não... Você não sabe do que eu estou falando.
Eu voltei ao bar e pedi uma água. Estava com a garganta seca... Cansada, me sentindo desconfortável com aquela roupa. Bebi tudo de uma vez e Isabella riu e falou ironicamente:
- Alguém aqui está com sede.
- Me deixe em paz. – falei saindo de novo.
De um lado aquela garota insuportável, que só sairia dali junto de Samuel. Do outro Samuel, que eu não sabia exatamente se queria algo comigo ou somente se exibir. Então lembrei de Alexander no carro. Talvez fosse melhor ficar lá, ao lado dele, esperar que acordasse e implorar pelo seu perdão eternamente.
- Onde você pensa que vai? – perguntou Samuel atrás de mim.
- Eu não penso em ir... Eu vou, Samuel. E você não manda em mim.
- Eu já disse que não é seguro na rua, Satini.
- Também não me parece ser tão ruim, Samuel. Afinal, pessoas vivem aqui, não é mesmo?
- Tudo bem, vou deixá-la ver por si mesma.
Eu saí e ele realmente não veio atrás de mim. Pareceu disposto a pagar para ver o que aconteceria comigo. Eu fiquei um pouco brava que ele não me seguiu, mas depois procurei me tranquilizar. Fui até o carro e abri a porta, sentando-me ao lado de Alexander, que continuava a dormir. Olhei para ele e senti uma sensação horrível. Definitivamente, eu não devia ter feito aquilo. E no fim, eu nem sabia porque havia feito... Só para ficar sozinha com Samuel? Cada vez mais eu via que estava errada em meus pensamentos, na forma como eu via as coisas e o quanto eu precisava amadurecer para comandar Avalon com a garra e firmeza com a qual meu pai fazia. Como ele havia conseguido chegar àquela segurança que tinha?
Sentei e me estiquei um pouco, tentando relaxar.
- Satini?
Olhei para Alexander, que sussurrou meu nome, meio acordado, meio dormindo. Não sei se ele me reconheceu ou estava sonhando comigo. Eu mal sabia o efeito do que eu havia dado para ele. Havia feito uma breve pesquisa na internet e achei que seria meu passaporte para fazer o que eu quisesse. No fim, tudo que Alexander queria era me proteger.
Fiquei pensando em tudo que havia ocorrido... E no que iria acontecer no dia seguinte, quando Alexander acordasse... E se eu não chegasse a tempo para o almoço, que era minha maior obrigação de toda a semana.
E assim eu acabei adormecendo, cansada e na certeza de que Mia estava se divertindo, Samuel não era o que eu esperava, Alexander só queria me fazer o bem e Estevan era como um sonho.
Despertei quando o sol estava querendo nascer. Ainda não havia amanhecido, mas também não era noite. Era exatamente o fim da noite e o início do dia. Eu sempre tive vontade de ver o nascer ou o pôr do sol com alguém especial. Olhei para o lado e vi Alexander ainda apagado. Ele não era mais um menino... Acho que ele nunca foi um menino na verdade... Sempre pensou como um homem, mesmo quando ainda não era. Ele era bonito, eu não podia negar. Lembrei do nosso primeiro beijo e do quanto ele havia fugido daquilo... E também do nosso beijo dentro do castelo, no meu quarto, que havia sido muito bom. Acho que ele poderia ser considerado alguém especial para estar ao meu lado para ver o sol nascer... E a noite morrer. Desejo realizado.
Senti um pouco de dor nas costas e saí para me esticar. Eu deveria estar preocupada. Por sorte eu não precisava mais fazer o desjejum com meu pai. Ele havia me liberado daquilo... Porque Beatrice estava com ele agora. Então ele não tinha nenhum interesse na minha presença. Quanto tempo levaria para ele assumi-la de vez? E algum dia ele admitiria para mim que me queria morta? E se tudo aquilo fosse um plano dele? Não... Infelizmente não era. Tudo era culpa minha desta vez.
- Bom dia...
Virei-me assustada e deparei-me com Estevan. Ele estava bem diferente da noite anterior. Usava um moletom largo com capuz na cabeça. Ainda assim perfeitamente lindo, com parte dos cabelos loiros para fora.
- O que... Você... Está fazendo aqui? – perguntei gaguejando tanto que fiquei até envergonhada.
- Vim... Procurar você.
Eu percebia que ele era tão inseguro quanto eu no que falar, como agir...
- Por que me procurar? – perguntei curiosa.
Eu não estava disposta a deixá-lo partir agora. Ele veio atrás de mim e eu devia (e iria) aproveitar a minha sorte do dia.
- Eu... Pensei que você pudesse precisar de ajuda.
Eu ri:
- Ajuda de que tipo? Lembre-se que não sou uma mendiga... Embora esteja morrendo de fome e sem dinheiro. E também não sou uma prostituta... Mesmo com minha roupa apertada e chamativa e estando louca de vontade de tirá-la para poder respirar.
- Posso ajudá-la na questão da fome e do dinheiro. – ele sorriu timidamente. – Lhe pagando um café.
- Eu acho que aceito...
- Sinto não poder ajudar sobre o vestido... Não que eu não quisesse tirá-lo. – ele ficou embaraçado e vi a bochecha dele rosar.
Eu ri. Estevan era tímido... Talvez até demais para um homem. Era diferente dos poucos que eu conhecia. Na verdade, Alexander era meu parâmetro. E ele não era tímido e não media palavras. Pelo contrário, era arrogante e falava tudo que queria, independente do que eu pudesse sentir.
- Vamos? – ele convidou.
Olhei ao redor. Alexander continuava dormindo. Mia sem sinal de sair de dentro do Night Rock, que no fim era de Théo, então ela estava segura. O máximo que poderia lhe acontecer era perder a virgindade na espécie de camarim para onde ele a levou. E eu não sabia se isso poderia ser exatamente ruim para ela. Samuel desistiu de mim... Acho que no fim Isabella conseguiu a atenção que queria. E Estevan estava ali... Sozinho... E veio por minha causa.
Eu balancei minha cabeça e o segui. Ele colocou as mãos no bolso.
- Sozinho desta vez? – perguntei.
- Sim... Deixei-os dormindo. Não sei se acordarão tão cedo.
- Onde eles estão?
- No loft deles, onde estamos hospedados. Longe daqui. Perto do castelo de Avalon, na verdade.
- E você chegou aqui como?
- Táxi.
- Hum... Então realmente veio... Para me ver?
- Sim... Fiquei bastante pensativo depois do que você me disse ontem... Sobre eu ter julgado você.
- E se importou tanto assim com o que eu pensei sobre a sua pessoa?
- Se dissesse que não, estaria mentindo.
Sorri feliz. Ele era realmente gentil e se importava mesmo com as pessoas, mesmo não conhecendo-as, como quando me deu seu próprio brinco pensando que aquilo me ajudaria de alguma forma.
Seguimos um tempo em silêncio pela rua sem movimento algum, os primeiros raios de sol da manhã nascendo.
- Eu não conheço nada aqui... Mas será que encontraremos um lugar aberto para um café? – perguntei.
- Eu realmente não sei... – ele me olhou e sorriu. – Também não conheço absolutamente nada aqui.
Se não tomássemos o tal café no fim, pouco importava. Eu estava na companhia dele e aquilo era o que mais importava.
- Acho que eu devo devolver sua joia. – falei.
- Por que acha isso?
- Porque eu não sou uma mendiga. Nem deveria ter aceitado. Eu... Não precisava na verdade. Mas fui incapaz de explicar a verdade naquele dia... Fiquei tão chocada com tudo que aconteceu.
- Eu estava tão enganado com você... O tempo todo. Peço desculpas novamente.
- Eu já desculpei, Estevan. Está tudo bem. E sinto muito pela bofetada.
- Eu mereci. – ele riu.
- O que... Você faz exatamente?
- Não entendi sua pergunta...
- No que você trabalha?
- Eu não trabalho... Só estudo na verdade. Estou cursando a faculdade de Ciências Políticas... Em outro país.
- E por que está aqui neste momento? Veio visitar a família?
- Não sei se poderia definir como isso... Mas estou de férias. Em breve voltarei às minhas origens.
Senti uma sensação ruim ao saber que talvez nunca mais fosse vê-lo novamente.
- Ciências Políticas... Boa escolha. – observei.
- Talvez... – ele me fitou. – E você, o que faz?
- Eu... Estudo de tudo um pouco. Curso de línguas no momento...
- Interessante. Idade?
- 17... Quase 18. E você?
- 20.
A rua acabou e no final dela havia uma espécie de praça, se é que se podia dizer assim. Eram alguns poucos bancos cimentícios espalhados num gramado não muito aparado.
- Pelo visto... A rua acabou. – ele observou.
- E acho que não tomaremos o tal café.
- Sinto muito você estar com fome e eu não poder ajudá-la. Mas realmente não conheço nada neste lugar... E não há ninguém na rua para que eu possa pedir informações.
- Tudo bem... Eu acho que meu estômago aguenta. – falei sem ter muita certeza.
- Quem sabe sentamos um pouco? Ou prefere entrar em outra rua e tentarmos encontrar algum lugar?
- Eu prefiro sentar por aqui mesmo... Tenho medo de nos embrenharmos em ruas desconhecidas, visto que não sabemos muito bem sobre este lugar.
- Verdade...
Fomos até um dos bancos e sentamos lado a lado. Ele continuava com as mãos nos bolsos. O banco era gelado. Eu estava cansada... E me sentindo suja. Havia suado muito durante a noite, a roupa era desconfortável, meus cabelos estavam horríveis e eu não sei se minha maquiagem não estava borrada ou se desfazendo.
- Eu não quero que você me devolva o brinco. – ele disse me fitando. – Quero que fique com ele.
- Como uma lembrança? – sorri.
- Como uma lembrança. – ele confirmou.
- Obrigada.
Ficamos um tempo sem nos falarmos, cada um imerso em seus próprios pensamentos. O dia nascia... E eu estava com Estevan. Aquilo sim era algo inimaginável. Parecia que eu não precisava de nenhuma palavra dele... Só estar ao seu lado. De alguma forma ele conseguia me acalmar de uma forma que eu nunca senti antes na minha vida. Meu coração batia intensamente na presença dele, mas ao mesmo tempo ele tinha uma doçura, tranquilidade e gentileza que me davam paz, como se todos os meus problemas fossem tão pequenos e que eu pudesse resolver todos eles, simplesmente porque ele estava ali.