Capítulo 18
2081palavras
2022-12-11 07:01
Encontrar Samuel não era mais uma questão de diversão ou curiosidade... Era sobrevivência. Eu precisava entrar no mundo dele para descobrir a verdade sobre o meu. Só lá eu encontraria as respostas sobre meu pai e o passado de Avalon.
Novamente no closet, uma hora antes de sair sem saber o que vestir. E sinceramente, eu não tinha nada apropriado para um bar de rock. Eu era uma princesa, criada para ouvir, apreciar e bater palmas para música clássica e óperas. Sim, eu sabia tudo sobre óperas, embora nunca tivesse estado em uma. Meu pai viajava às vezes para fora do país. Mas eu nunca fui. Nem sei se sabiam da minha existência fora de Avalon. Até duvidava se Avalon sabia sobre mim.
Mia entrou no meu quarto, sem bater, como ela sempre fazia. Aquilo nunca me incomodou, pois sabíamos praticamente tudo uma da outra. Mas eu não fui capaz de contar a ela sobre o que houve na biblioteca. E eu não sei se foi por vergonha, medo ou para protegê-la.

- Você não vai encontrar nada aí, princesa. – ela disse com um cabide na mão e uma sacola na outra. – Eu trouxe o que você precisa. – ela ergueu-a sorrindo.
Saí do closet e fui até ela. Ela trazia no cabide um vestido preto que não tenho certeza, mas parecia ser algo parecido com couro. Ele era justo... Muito justo. Tinha uma meia calça preta, que nem sei porque colocar, porque era praticamente toda aberta em quadrados alinhados. Uma bota preta de cano longo... Eu não tinha uma bota de cano longo. E eu sempre achei elas maravilhosas.
Coloquei o que ela me trouxe e me olhei no espelho. Não sabia com certeza o que achei daquele visual.
- É só diferente, Satini. Eu pesquisei sobre o que vestir num bar de rock. E foi isso que eu encontrei.
- Se você diz... Eu acredito. E o que você vai vestir?
- Venha, vamos até o meu quarto. – ela me pegou pela mão, empolgada.

- Esta felicidade repentina é porque vai ver Théo, o seu príncipe encantado? – perguntei.
- Claro que sim. E nem quero saber como você convenceu Alexander a nos levar. – ela deu um sorrisinho irônico.
- Eu não fiz nada do que você está pensando...
- Hum... Vou fingir que acredito.

Ela colocou sobre a cama a calça do mesmo tecido que o meu vestido e uma blusa preta brilhosa. Ela também usaria botas pretas de cano longo. Eu arqueei as sobrancelhas:
- Por que você usa calça e eu vestido? – reclamei.
- Porque você precisa chamar a atenção do guitarrista para você, Satini. Suas pernas são lindas. Samuel vai ficar louco...
Eu suspirei:
- Quase não consigo respirar dentro deste vestido. E ele é quente. Acho que posso suar com ele.
Ela riu:
- Não vai nada. Desta vez vamos usar a roupa correta. – disse Mia feliz.
- Por que se usa uma meia calça destas se é mais aberta que a distância entre botões de uma camisa?
- Todo mundo usava nas imagens que eu vi.
- E onde você viu isso?
- Bem, eu pesquisei no Google. Quis fazer uma surpresa para você. Acho que vou fazer uma faculdade de Moda, para poder vesti-la também quando for a rainha. Pensei numa rainha fora do tradicional, talvez menos clássica e romântica e com uma imagem mais criativa... Podemos incentivar novos estilistas, talvez fazer um concurso para quem se interessar em vestir a rainha...
Eu ri:
- Você está ficando boa nisso, Mia. Tomara que não rastreiem sua pesquisa no computador.
- Ninguém vai saber para que pesquisei sobre isso. – ela deu de ombros. Usei o meu user e senha. Não se preocupe.
Eu sorri amargamente. Tínhamos acesso à internet, mas geralmente tudo que pesquisávamos ficava nos computadores para imediata consulta, a fim de saber o que exatamente fazíamos. Meu pai sempre disse que era para segurança... Agora eu já começava a achar que era mais para saber o que eu fazia e pelo que me interessava do que a real segurança pela minha vida.
Pensei na possibilidade de nada de ruim me acontecer nos cinco meses que eu tinha em Avalon. O que o rei Stepjan faria? Tentaria me matar com sua próprias mãos? Ou talvez mandasse alguém fazer o serviço.
- Tudo bem, Satini? – perguntou Mia.
- Sim... Tudo.
- Você pareceu ficar tão distante.
- Não... Deve ser o vestido que me deixa sem ar.
Ela riu:
- Pare de reclamar. As princesas antigas eram obrigadas a usar corselletes. Você tem um vestido justo de couro.
- Acho que eu preferia o corsellete. Se o vestido rasgar, eu mato você.
- Não vai rasgar, confie em mim.
Mia nos maquiou. Peguei minha bolsa pequena e a cruzei no corpo, saindo.
Claro que ao chegar no carro, Alexander teve que dar sua opinião, mesmo não sendo pedida:
- Vocês estão... Horríveis.
Eu ri:
- Obrigada, Alexander.
Ele abriu a porta e eu sentei no banco traseiro.
Mia estava absurdamente feliz. Até cantarolando ela estava quando ele deu a partida no carro.
- Quem está pior, Alexander? – eu perguntei rindo.
- Eu... Não saberia escolher.
- Acha que vamos destoar dos outros? – questionei.
- Não acho... Eu tenho certeza. Parece que vocês não são deste mundo...
- Seu idiota. Fui eu que pesquisei sobre o que usar num bar de rock. E só tinha mulheres vestidas assim. – defendeu-se Mia.
- Não sei onde você pesquisou, mas eu já vi mulheres como vocês na... – ele se calou.
- Onde? – perguntei curiosa.
- Nada... Deixa para lá.
- Fale, Alexander. – insistiu Mia.
- Vou deixar que vocês vivam tudo como tem que ser... – ele riu. – Intensamente.
Suspeitei que talvez Mia não tivesse acertado na escolha da roupa. E que era extremamente desconfortável, era.
- E você está fabulosa, Satini. Vi que várias moças usavam piercing... – ela continuou a falar sobre sua pesquisa de mulheres em bar de rock.
- Puxa vida... Que sorte a minha. – ironizei.
O tal bar indicado por Samuel era bem longe do castelo. Logo as ruas arborizadas e asfaltadas começaram a se tornar mais escuras e esburacadas e as casas lindas e cheias de vida passaram a ficar menores e pouco vistosas. Eu nunca havia visto aquele mundo em Avalon.
- Bem-vinda a Avalon, princesa. – ironizou Alexander.
- E que Avalon... – não pude deixar de falar, olhando para tudo atentamente.
- E não, não estamos perto da Coroa Quebrada. – ele disse. – Ou seja, pode ficar bem pior.
- Como alguém consegue morar aqui? – perguntou Mia. – Mal tem luz na rua.
- Bem, vocês queriam vir, não é mesmo?
- Sim... – falei firmemente. – Não estou arrependida... Pelo contrário. Meu maior objetivo é conhecer Avalon inteiramente.
- Não... Você não conhecerá a Coroa Quebrada, princesa.
Eu não respondi. Mal sabia ele que eu conheceria a Coroa Quebrada sim, ele querendo ou não.
Depois de um tempo os buracos começaram a sumir novamente da pista e o asfalto ficou um pouco melhor. Começaram a aparecer muitas pessoas nas ruas e vários bares, que embora pequenos, alguns pareciam bem convidativos.
- Eu desço com vocês. – disse Alexander. – E estou armado. Pesquisei sobre este lugar... É mais noturno que diurno, cercado por vários bares, de vários estilos. Frequentado tanto por pessoas da burguesia quanto pelos da Coroa Quebrada. Por isso se chama Travessia. É bem dizer novo em Avalon... Por isso que nunca vim até aqui antes. Creio que seja como uma ponte entre as duas metades da coroa. – ele ironizou.
- Se seu pai visse onde você está neste momento, ele morreria do coração, Satini. – falou Mia.
- Ele sabe. – respondeu Alexander.
- Como assim? – perguntei surpresa.
- Acha mesmo que eu a traria aqui sem a permissão do rei, Satini?
- Mas... Então ele sabe onde estou e autorizou?
- Por incrível que pareça, sim...
- E o que ele disse? Alguma recomendação?
- “A deixe matar sua curiosidade. Mas confio em você para trazê-la sã e salva para casa”. Ou seja, aconteça o que acontecer, você voltará comigo, Satini.
Mal sabia Alexander que eu estava mais segura ali do que no meu próprio castelo.
- É aqui. – ele disse estacionando o carro na frente do bar com letras em neon brilhantes.
- Então podemos encontrar pessoas de vários níveis sociais aqui? – perguntou Mia.
- Creio que sim. – ele disse. – Eu nunca vim aqui.
Descemos do carro e fomos para o Night Rock. Eu não me sentia a vontade com Alexander junto de nós. Mas pelo visto ele ficaria, independente do que acontecesse. Havia uma pequena fila para entrada e percebi que os olhares caíram sobre nós.
Pelo menos ali, do lado de fora, ninguém se vestia como eu e Mia. As mulheres usavam vestidos normais, longos ou curtos, e algumas jeans e camiseta.
- Bem, Alexander, feliz de você que usou seu velho jeans e camiseta. – falei baixo no ouvido dele, não conseguindo evitar o riso.
Ele riu alto:
- Eu avisei. Você confia na louca da minha irmã... Dá nisso.
Alexander estava mais divertido e de bom humor naquela noite. Eu esperava que ele continuasse assim.
- Será que você não consegue fazer com que não paremos na fila? – perguntei.
- Aqui não, princesa.
- Não me chame assim. – critiquei.
- Não se preocupe, ninguém vai pensar que você é a princesa... E eu tenho certeza disto. – ele riu novamente, passando os olhos sobre meu corpo.
- Gosto de ver seus dentes... – falei no ouvido dele.
Ele me encarou, sério, com os olhos azuis enigmáticos:
- E eu não gosto quando você brinca comigo desta forma...
- Foi só... Um elogio. – falei arrependida.
- Desculpe...
Eu balancei minha cabeça. Só tentei ser gentil. Mia não conseguia prestar atenção na nossa conversa. Eu tinha certeza de que ela estava nervosa. A fila andou rapidamente e eu estava ansiosa também. Assim que fomos entrar Alexander foi revistado pelo segurança da porta, que disse firmemente:
- Você não pode entrar armado.
Eu não acreditava que ele tinha uma arma na cintura, escondida. E agora?
- Então acho que vamos embora, garotas, pois minha arma entrará comigo onde eu for.
- Não... Será que não dá para liberar? Ele não via atirar, moço. – falei gentilmente.
Ele gargalhou:
- Está brincando comigo, garota? Sabe o que eu faço com gente como vocês?
- O que você faz? – perguntou Alexander valentemente.
Não... Uma briga não. Tudo que eu queria era entrar lá e encontrar Samuel e saber sobre a Coroa Quebrada. Mia se colocou entre os dois para não haver agressão física.
- O que está acontecendo aqui? – perguntou Théo e eu respirei aliviada.
- Ele tem uma arma... E quer entrar com ela. – explicou o segurança parado na porta, furioso.
Théo encarou Alexander e perguntou:
- Por que trazer uma arma aqui? Tem medo de nós, burguês?
- Para proteção das minhas garotas. – ele disse firmemente.
Théo riu:
- Acha mesmo que faríamos algum mal a elas? Você nem nos conhece e nos julga?
- Por isso mesmo preciso me prevenir... Como você mesmo disse, não os conheço.
Ele balançou a cabeça e disse:
- Tudo bem, deixe ele entrar com a arma, Thor.
O segurança gigantesco nos deu passagem e adentramos num pequeno corredor escuro.
- Saiba que se usar sua arma, sofrerá as consequências, burguês. – disse Théo.
- O que vai fazer? Usar a sua?
- Alexander, por favor... Chega. – pedi, vendo que Mia estava muito abalada com tudo.
Claro, ficar entre o irmão e o futuro namorado era bem difícil. Alexander podia fazer qualquer pessoa se afastar de nós. Ele era possessivo e intimidador.
- Venham, garotas. – disse Théo nos chamando. – Sejam bem-vindas ao Night Rock.
Passamos pelo curto corredor e logo chegamos a um local amplo e com iluminação ambiente e música tocando em som não muito alto. Tinha um bar bem grande e com muitas bebidas e mesas individuais que davam para um pequeno palco onde instrumentos musicais estavam expostos.
- Vou separar a melhor mesa para vocês. – ele disse.
- Você... É o dono daqui? – perguntei curiosa.
- Não... – ele riu. – Sou o filho do dono.