Capítulo 16
2446palavras
2022-12-11 06:59
Esperei até que Alexander chegasse com Mia. Theo não estava com ela.
- Vamos embora.
Eu poderia discutir e dizer que não. Mas ele já havia feito Samuel ir, então eu não tinha mais motivos para ficar ali. Segui ele entre a multidão até chegar à saída principal, onde eu havia encontrado Estevan no outro dia. Parei um pouco e olhei para os dois lados atentamente, para me certificar de que ele não estava ali perto.
- Satini, o que você está fazendo? – gritou Alexander quase dobrando a próxima quadra.
Corri para alcançar ele e Mia, que estava absolutamente calada.
- Está procurando alguém? – ele perguntou.
- E se estivesse, Alexander? O que você tem a ver com isso?
- Eu? Tudo. Estou sendo pago para cuidar de você.
- Mas não de mim. – falou Mia furiosa. – Quem você pensa que é?
- Seu irmão mais velho.
- Eu não sou mais criança, Alexander. Satini também não. Caso não tenha entendido, em menos de um ano ela vai casar.
- Por isso mesmo vou protegê-la até lá, conforme o rei me pediu. – ele continuou.
- Eu não preciso da sua proteção. – aleguei. – Meu futuro marido não deve se preocupar com isso tanto quanto você. Nem mesmo meu pai.
- Sou pago para isso.
- Você é pago para me proteger, não para se meter na minha vida. Se eu quiser beijar, eu beijo quem eu quiser, se eu quiser fazer sexo, faço com quem eu desejar. Você não é meu dono, Alexander. Entenda isso de uma vez por todas. E se continuar agindo assim, vou falar com meu pai.
- Por mim, pode falar. Quem sabe me livro deste trabalho de babá de uma vez por todas.
- Se é um trabalho de babá, porque não a deixa em paz? – perguntou Mia. – Por que não me deixa em paz também?
- Quer que eu deixe você se agarrar com um desconhecido?
- Você não se agarrou com uma desconhecida há dois dias? – perguntei. – Ah, esqueci, você pode... Por que mesmo? Você é homem... Seria isso?
- Eu tenho 18 anos. Você não tem direito de mandar em mim. Muito menos me fazer passar vexame no meio da multidão. – alegou Mia.
Ele seguiu até o carro, fingindo não estar nos ouvindo. Seguimos por um caminho que dava no subsolo da Avalon Club, onde ficava o estacionamento. Eu ficava cada vez mais indignada com Alexander. Talvez fosse hora de falar com meu pai.
Seguimos em silêncio no trajeto. Procurei pelo caminho por qualquer pessoa que lembrasse Estevan. Mas não encontrei. Por que eu procurava Estevan, se eu tinha acabado de conhecer Samuel? Fiquei confusa... Na verdade “muito” confusa. Acho que eu nunca mais veria Estevan na minha vida. Se o encontrasse novamente, seria pura obra do destino. Mas eu não conseguia deixar de pensar em Samuel. Gostei dele. Só estava tentando colocar minha cabeça no lugar e não me maravilhar com cada homem que cruzasse o meu caminho. Talvez o fato de ficar tanto tempo “guardada” ou “escondida” do mundo me fizesse supervalorizar tudo. Voltei a lembrar da tatuagem da Coroa Quebrada no peito dele.
- Alexander... Diga-me uma coisa.
- O quê?
- Lembra que falamos sobre a tatuagem das pessoas da Coroa Quebrada?
- Por que você está me perguntando isso agora, princesa?
- Não tem um motivo especial... É só uma pergunta. Caso não queira responder, tudo bem. Pergunto para outra pessoa.
- Para Samuel, por exemplo? – ele ironizou.
- Talvez... Por que não? Acho que ele me responderia.
- Então por que não perguntou para ele? Ou será que ele tem uma tatuagem da coroa partida ao meio no corpo dele?
- Deixa pra lá... – tentei disfarçar.
Eu já não conseguia falar com ele de forma pacífica. Estava ficando cada vez pior.
- Não que seja obrigatório ter a tatuagem da coroa partida ao meio... Mas os mais fanáticos a tem sim. E os mais poderosos podem tatuá-la perto do coração. – ele respondeu.
Senti um frio percorrer minha espinha. Samuel Leeter era um poderoso da Coroa Quebrada? Era tudo que eu queria, alguém de lá, que me fizesse saber tudo sobre aquele lugar. Mal nos conhecíamos, mas já éramos inimigos de uma vida. Ele jamais me veria como alguém que quisesse ajudá-los. E eu deveria temer a morte se continuasse ao lado dele, pois era isso que eles faziam... Tentavam acabar com o rei e tudo que fazia parte da vida dele.
Chegamos parece que mais rápido que o normal ao castelo. Os guardas durante a noite ficavam mais atentos, talvez com medo de um ataque surpresa. Alexander abriu a porta para mim. Mia abriu sua porta e a bateu com força, indo para dentro do castelo furiosa.
- Satini... – ele começou com voz mansa.
- Vai pedir desculpas, Alexander? – perguntei sarcasticamente.
- Deveria? – ele perguntou.
- Não sei, deveria?
- Acho que não.
- E eu não o perdoaria. Eu disse que de nada adianta você agir errado e depois se desculpar. Estou cheia disto.
Dizendo isso eu saí, o deixando sozinho. Entrei no castelo de Avalon acompanhada dos olhares intrigados dos guardas reais.
O castelo era feito de pedras antigas e por mais incrível que parecesse, a construção não usava cimento entre elas. Ainda assim a estrutura estava intacta. Todas as janelas e portas eram de madeira nobre e entalhadas. Mesmo quando estragavam, meu pai fazia questão de repor exatamente como eram. Alguns lustres e candelabros antigos foram substituídos por outros mais modernos, especialmente o do salão de festas, que havia sido caríssimo, assim como o da entrada principal. Os quartos ficavam no terceiro andar. Tínhamos mais de trinta quartos distribuídos naquele andar, divididos em vários corredores. Todos tinham banheiros e janelas amplas. Eu ficava longe do meu pai. Mia ficava num quarto menor, que antigamente era usado para hóspedes. Léia ficava com o quarto ao lado da filha, próximo do meu. Alexander tinha um quarto privativo, no térreo, junto dos demais funcionários que dormiam no castelo, que eram somente os de mais confiança do rei. Eu não conhecia todos os aposentos do castelo. Só os mais importantes. Eu gostava da biblioteca, embora nos últimos tempos não tivesse mais ido com frequência até lá, mais preocupada em explorar Avalon pessoalmente do que ler sobre ela. Eu gostava das salas de jantares, tanto a pequena quanto a que recebíamos visitas ilustres. No primeiro andar tinha um enorme salão ocupado pela corte, que eram os consultores de meu pai. A função deles era aprovar ou vetar as decisões do rei. O problema era que a corte era formada somente por pessoas aliadas de meu pai. Então não havia nenhum representante do povo ali. E isso era muito injusto, pois eles jamais seriam contemplados com qualquer benefício. Eu gostaria de mudar isso futuramente. Achava que deveria ter membros tanto da burguesia quanto da Coroa Quebrada, que diziam ser a parte mais pobre do reino. Assim todos teriam chances iguais de serem beneficiados com as decisões da realeza... Ou mesmo prejudicados. A corte era absolutamente a favor do rei. Eram todos amigos pessoais de Stepjan Beaumont.
Havia bailes algumas vezes no castelo, embora não com muita frequência, pela questão da segurança de meu pai. Eu geralmente podia participar pouco tempo e nunca fui vista como a princesa Satini Beaumont. Pelo contrário, tinha que parecer uma convidada normal. Se alguém se aproximava muito e aprofundava a conversa, Léia era orientada a me retirar do salão e eu me recolhia para o meu quarto. Meu pai geralmente conversava sempre com todos os convidados, mas seus olhos estavam sempre sobre mim e quem se aproximava.
Tínhamos belos jardins no castelo de Avalon, embora eu não pudesse estar neles tanto quanto gostaria. Eu realmente não tinha muito tempo até então. Somente quando chegou próximo do meu casamento que meu pai me deixou ser eu mesma: uma garota de dezessete anos que queria conhecer pelo menos um pouco da vida antes de se entregar ao seu marido, prometido desde que nasceu.
O castelo de Avalon também tinha uma sala gigantesca com instrumentos musicais. Antes de meu pai assumir o trono, era de vontade da princesa Emy fazer um coral... Uma ideia brilhante que nunca saiu do papel. Ela chegou a comprar tudo, mas morreu antes de ser rainha e concretizar seus sonhos. Eu não sabia o que a princesa Emy pensava sobre Avalon. Na verdade eu não sabia quase nada sobre os planos dela quando assumisse o trono. Mas uma coisa eu sabia: com a morte dela, o reino se dividiu em dois: favoráveis e contra o novo rei, Stepjan Beaumont. Então criou-se uma oposição gigantesca, quase metade do reino, que ficou contra. Estas pessoas foram contidas e até hoje recebiam como “castigo” serem privadas de tudo. Então não teve mais um terceiro tipo de classe em Avalon. Ela se dividiu entre ricos e pobres. Burguesia, a favor do rei, e Coroa Quebrada, contra. Coroa quebrada porque eles preferiam quebrar a coroa ao meio a aceitá-la na cabeça do meu pai. E também porque quando Emy morreu, foi como se ela e meu pai tivessem partido a coroa de Avalon ao meio. Eu só não entendia o porquê de um movimento tão forte em favor da falecida princesa Emy Beaumont, se o povo mal a conhecia. A morte dela trouxe uma característica da população que não existia antes. Eram coisas que eu precisava entender e que não me deixavam em paz. Era como se uma peça do quebra-cabeça estivesse perdida. E eu precisava encontrá-la para montar o jogo.
Mia entrou no meu quarto e se jogou na minha cama, suspirando:
- Satini, eu estou furiosa.
Eu deitei ao lado dela. Ambas estávamos olhando para o teto, como costumávamos fazer quando conversávamos seriamente.
- E então... O que vamos fazer? – perguntei.
- Se livrar do meu irmão? – ela riu, virando o rosto na minha direção.
- Vou mandar matá-lo. – brinquei.
- Você é má, princesa.
- Acho que posso ser mais má do que eu gostaria... Caso seja necessário.
- Isso seria uma virtude ou um defeito, Alteza?
- O que você acha?
- Sinceramente, eu não sei...
- O que achou de Samuel?
- O que você sabe realmente sobre Théo?
Ela continuou me olhando e depois de um tempo respondeu:
- Eu sei muito pouco... Mas quero saber mais, acredite.
- Está... Gostando dele?
- Acho que sim.
Eu ri:
- Não acredito... Minha amiga está gostando de alguém.
- E você sabe que é primeira vez que isso acontece.
Suspirei e disse:
- Ele a convidou para o bar de rock?
Ela riu:
- Por quê? Você também foi convidada?
- Fui. – confessei.
- Então... Conversou bastante com Samuel. Tanto que foi convidada para vê-lo tocar.
- Conversei pouco, mas foi bem proveitosa a conversa.
- Ele é muito bonito.
- Ousado... Diferente.
- Imagine se nós duas, melhores amigas, nos apaixonássemos pelos dois melhores amigos. Não seria incrível, Satini?
- Eu... Vou me casar em cinco meses, Mia. E nada mudará isso. – fiz questão de lembrar.
- Então por que você está fazendo tudo isso... Se arriscando tanto, Satini?
- Eu preciso conhecer o mundo lá fora, entende? E conhecer o amor. Vai que eu nunca me apaixone por meu futuro marido...
- Então viverá uma vida sem amor... Para sempre?
- Talvez... Quando se nasce uma princesa você precisa abrir mão de muitas coisas... E quando você é a única herdeira do trono e da coroa, acho que precisa abrir mão de quase tudo.
- Eu quero que você seja feliz, Satini. E consiga realizar todos os seus sonhos antes de conhecer seu príncipe.
- Às vezes eu chego a pensar que se tiver contato somente com ele, é possível que me apaixone... Não acha?
- Eu não sei... Não sei nada sobre isso. Mas posso lhe dizer que Théo me faz ter sentimentos que eu nunca tive antes.
- Eu preciso lhe dizer uma coisa, Mia.
- O quê? – ela perguntou curiosa.
- Eu vi a tatuagem em Samuel.
- Que tatuagem?
- Da coroa partida ao meio.
Ela me encarou, confusa:
- Mas... Como assim? Como você viu?
- No peito dele.
- Mas... Ele estava de camisa... Você a tirou?
- Claro que não. Ele estava com alguns botões abertos... Foi um acidente. Mas eu vi. E ele ficou bem estranho depois que descobri o segredo dele. E pediu que eu não contasse a ninguém, pela questão das perseguições que aconteciam com eles naquela região que estávamos.
- Então você acha que Théo também é de lá?
- Creio que sim. Mas se fosse, como ele estaria cursando medicina? Sabemos o quanto é caro uma faculdade em Avalon.
- Mas Théo não me falou sobre cursar medicina.
- E por que Samuel me falou sobre isso? – questionei-me em voz alta.
- Bem, não adianta ficarmos tentando descobrir sobre eles. Nunca mais iremos vê-los novamente mesmo.
- Como assim?
- Acha mesmo que Alexander vai nos levar até lá e nos deixar vê-los?
Eu ri e alisei o cabelo dela:
- Não se preocupe, Mia. Você vai ver Théo novamente. Eu já tenho uma ideia.
- Então me conte.
- Infelizmente não posso... Ou você me mataria.
- Eu... Já me sinto mais feliz por saber que você tem um plano.
- Eu sempre tenho um plano, amiga.
- Tem que ter, afinal, você é a princesa. – ela riu. – Mas será que o plano é para eu ver Théo ou você rever Samuel?
- Quero rever Samuel, quero saber tudo sobre a Coroa Quebrada, quero ver uma guitarra e ouvir rock num bar do subúrbio.
- Algo mais? – ela riu.
- Reencontrar Estevan.
- Depois de tudo que houve você ainda quer reencontrar o homem que confundiu você com uma mendiga?
- Sim... Eu quero. Só para ter certeza de que não é ele o homem ao qual devo entregar meu coração.
Ela riu alto e bateu levemente no meu braço:
- Se alguém houve nossa conversa vai achar que somos loucas. Uma princesa que não desiste do casamento arranjado e ainda assim deseja ardentemente conhecer o amor antes.
- Eu tenho este direito. E o amor envolve... Sexo. – pisquei o olho.
- Satini, acha mesmo que depois de se apaixonar você ainda vai querer casar com o príncipe que você sequer conhece? Não se iluda... O príncipe já era depois destes cinco meses. Mas não se preocupe: vou ajudar você na fuga. – ela garantiu.