Capítulo 15
1942palavras
2022-12-11 06:59
- Me dá seu celular para eu gravar meu número. – ele pediu.
- Eu... Não tenho.
Ele arqueou as sobrancelhas:
- Não tem ou não quer pegar meu número? Se não quiser, tudo bem, é só dizer.
Eu sorri:
- Realmente não tenho um celular. Então não tenho como ficar com seu número.
- Burguesia sem celular? Isso não me parece muito real.
- Não gosto... – menti.
- E desde quando celular é questão de gostar ou não? Para mim é questão de sobrevivência. Gostar eu também não gosto muito, mas é como eu me comunico com as pessoas.
- Bem, então vamos ficar incomunicáveis. – fingi lamentar.
- Não mesmo. – ele disse chamando o barman, que falou algo e logo saiu.
- Ele deve achar você um chato. – observei.
- Ele é meu amigo.
- Então quer dizer que você mentiu... Vem sempre aqui.
- Não... Quer dizer que ele vem do mesmo lugar que eu. – ele piscou. – Eu não menti.
O homem trouxe um pequeno pedaço de papel branco e uma caneta. Samuel anotou o nome de um lugar: Night Rock. E um endereço. Entregou-me.
- Vou estar tocando aqui no sábado. Você pode me encontrar lá. É um lugar legal... E seguro, apesar de ser na Travessia.
- Eu... Posso tentar ir.
- Eu vou esperar por você. Por isso não basta “tentar”. Você precisa “estar” lá.
- Você... Toca o quê? Piano, violoncelo...
Apesar da aparência rebelde sem causa, arrumadinho tentando aparentar bad boy, ele não tinha cara de tocar algum instrumento musical.
- Guitarra. – ele riu. – Conhece?
- Já ouvi falar.
Sim, já ouvi falar, mas nunca vi uma. O meu mundo não tinha guitarra, só pianos, violinos, violoncelos, harpas. Éramos extremante opostos.
Eu ri:
- Sim, já ouvi falar... Mas realmente nunca vi ao vivo. Muito menos alguém tocando.
- Então será sua primeira vez.
Se Samuel soubesse que quase tudo para mim fora do castelo se tratava de “primeiras vezes”...
- Já tem suas fãs? Toca por prazer ou por dinheiro? Você é famoso?
Ele arqueou as sobrancelhas divertidamente:
- Nossa, quantas perguntas juntas!
- Me desculpe... – falei um pouco sem jeito. Realmente eu queria saber tudo... Mas eu tinha tão pouco tempo.
- Não precisa se desculpar... – ele passou as costas da mão pelo meu rosto. A forma como ele sempre fixava os olhos nos meus era simplesmente incrível, como se ele quisesse entrar na minha alma e saber tudo que eu tinha escondido dentro de mim.
- Vamos embora... Agora.
Nem tive tempo de sentir as sensações do primeiro toque de Samuel em mim. Lá estava Alexander, autoritário, se achando o meu dono e o responsável por mim.
Ele encarou Samuel, que retribuiu o olhar à altura.
- Alexander... Este é Samuel. – falei. – Samuel... Este é Alexander... Meu irmão...
Não tinha certeza se deveria dizer aquilo, mas eu não queria de forma alguma que Samuel pensasse que eu tinha qualquer tipo de relacionamento com Alexander.
- Eu não sou seu irmão. – disse Alexander entredentes.
Samuel arqueou as sobrancelhas com um meio sorriso, observando nós dois curiosamente:
-Afinal, são ou não são irmãos?
- Não. – garantiu Alexander.
- Mas é como se fosse. – eu continuei. – Fomos criados juntos, desde crianças. A mãe dele cuidou de mim a vida toda...
- Parece que seu irmão não quer ser seu irmão... – ele disse sarcasticamente.
Adorei o comentário de Samuel. Enfim alguém para mostrar a Alexander que ele não era o rei do mundo e que o desafiava à altura.
- Não devo explicações a você, meu caro. Nossa vida não tem que ser exposta na mesa do bar, não é mesmo, Satini? – ele me criticou.
- Alexander... Chegamos há pouco... Eu não quero ir embora. – lamentei.
- Onde está Mia? – ele procurou com os olhos.
- Ela... Saiu daqui há pouco.
- Venha, vamos procurá-la.
- Eu não vou. Esperarei você aqui.
- Você vai comigo! – ele insistiu num tom de voz mais alto que o normal, quase gritando.
- Ela disse que vai esperar aqui. Se você não é o irmão superprotetor é o que mesmo? – desafiou Samuel.
- Eu já disse que você não tem nada a ver com isso... – falou Alexander furioso.
- Realmente não tenho nada a ver com a vida de vocês. Mas se estou com a garota no bar e ela diz que não quer ir com você, ela não irá, pode ter certeza. Quando uma garota diz não, é “não”. – ele disse enfatizando o não.
Alexander ficou confuso com a forma como Samuel o desafiava e acho que preferiu não arranjar uma briga naquele lugar.
- Me espere aqui que volto em minutos. – ele me mandou autoritariamente, saindo.
- Acho que Theo vai ter problemas com ele. – observou Samuel enquanto o olhava andando rapidamente, embrenhando-se na pista de dança como um animal feroz.
- Todo mundo tem problemas com Alexander.
- Acho que ele não considera você a irmã dele.
- Talvez... Mas eu o considero o meu irmão.
- Puxa, no primeiro dia eu já tenho um rival neste nível... Vai ser difícil. Mas eu gosto de desafios.
Eu ri timidamente. Poderia fingir que não entendi o que ele disse, mas eu entendi perfeitamente. Samuel era ousado e pouco se importava em revelar suas reais intenções, fossem elas inocentes ou não.
Eu realmente não queria embora. Não sei exatamente há quanto tempo eu estava ali, mas eu poderia ficar até o dia amanhecer, até todos irem embora. Mas no fim, eu tinha pouco tempo.
- Tenho algumas fãs... – ele disse me olhando seriamente.
- Hum, vai responder minhas perguntas agora?
- Se der tempo, sim. – ele riu. – Poucas fãs...
- Você toca sozinho ou tem uma banda?
- Uma banda.
- Théo toca?
- Não. Théo está se formando em Medicina.
- Interessante...
- Se eu toco por prazer? Sim... Muito prazer. Amo tocar, amo música e tudo que a envolva.
- Então você tem outro trabalho?
- Talvez...
- Talvez?
- Acho que posso deixar isso para nosso próximo encontro. Assim você fica curiosa e me encontra no sábado. Então pode saber a sua terceira pergunta: se eu sou famoso.
Eu ri. Boa resposta.
- Passei no teste do pergunta e resposta, princesa?
- Talvez... – revidei. – Vou deixar para lhe dar a certeza de sua pergunta no próximo encontro... Que não posso garantir que será no dia e local que você marcou neste papel.
Ele pegou minha mão e me encarou:
- Eu quero muito ver você novamente.
- É bem difícil para mim... Muito difícil na verdade. Alexander tenta tornar tudo pior ainda.
- Posso mandar matá-lo se você quiser.
Eu o olhei preocupada e com medo. Ele gargalhou:
- Pela sua expressão, acreditou em mim.
- Bem... Sim.
- Eu não trabalho como assassino e sou músico nas horas vagas. Não se preocupe.
Eu tirei a minha mão da dele, ainda um pouco amedrontada. Samuel Leeter era lindo, comunicativo, sensual e sabia como tratar uma mulher de forma envolvente. Mas eu não sabia nada sobre ele. E ele mesmo me lembrou disso ao dizer aquilo sobre matar Alexander. Eu era Satini Beaumont. Eu não podia correr nenhum tipo de risco.
- Relaxa, Satini... Era só uma brincadeira. Eu faço... Bem, como poderia explicar... Trabalho voluntário durante o dia. Ajudo pessoas que precisam, necessitadas, sem moradia, que vivem nas ruas...
Que tipo de homem você é, Samuel? Perguntei-me. Ninguém é tão perfeito assim. Qual seu defeito? Ser da Coroa Quebrada?
Eu ainda não havia olhado para nenhum lugar a não ser para Samuel a noite inteira. Percebi um pouco mais adiante, sentado no bar, observando tudo atentamente o moreno bonito da sexta-feira, que disse que podia “me dar o mundo”. Ah, nunca precisei tanto dele tanto quanto naquele momento. Jamais pensei que eu teria que procurar o vendedor de drogas da Avalon Club.
- Conhece ele? – perguntou Samuel.
- Não. – falei incerta do que dizer.
- Ele não é confiável.
- Eu... Vou precisar falar com ele.
Ele me olhou atentamente e disse:
- Não curto isso... Mas pode ir.
- Eu também não, acredite. Mas se eu não fizer isso neste momento, nunca mais o encontrarei.
Ele me olhou confuso.
- Prometo lhe explicar tudo no sábado.
- Tudo bem. Não faça besteiras. – ele alertou.
- Não vou.
- Então eu vou indo... Logo seu meio-irmão enciumado aparece e não quero criar confusão para você.
- Eu não tenho medo de Alexander.
Samuel se mexeu para vir me dar tchau e vi a tatuagem no seu peito. Pequena mas muito bem desenhada e visível. O afastei um pouco e sem nenhuma cerimônia abaixei parte da camisa dele e toquei no seu peito, sentindo seu coração batendo forte, encostando na tatuagem com a coroa partida ao meio.
Ele ficou sem jeito e retirou minha mão, fechando o botão que havia se aberto sem ser proposital pelo visto.
- A coroa... Quebrada. – eu falei lentamente sobre o que vi desenhado em seu peito.
- Sei que mal nos conhecemos... Mas gostaria que você mantivesse isso em segredo, por favor. Sabe como somos perseguidos quando estamos nesta região.
- Eu jamais falaria. Pode confiar em mim. – garanti.
- Esqueça o que viu.
- Por acaso você não faz parte disto?
- Adiantaria eu dizer que não?
- Não. – falei seriamente. – E não acho que deva ter vergonha disto.
- Bom saber que você não tem restrições a pessoas que vem de onde eu venho. Isso não é muito comum na sua classe social.
- Acredite, você não sabe nada sobre mim, Samuel.
- Mas quero conhecer... Espero ansiosamente pelo nosso próximo encontro.
- Eu também... – falei sem conseguir me conter.
Ele saiu rapidamente e eu fiquei o observando se misturar e desaparecer no meio da multidão.
Fui até o moreno, que me olhou confuso quando sentei ao lado dele, dizendo:
- Boa noite, homem que pode me dar o mundo.
Ele sorriu sem se preocupar muito, nem em retirar os cotovelos que recostava no balcão do bar enquanto observava as pessoas na pista de dança à sua frente.
- Que parte do mundo você vai querer princesa?
Olhei-o confusa:
- Princesa?
Ele me encarou:
- Vai ficar aqui conversando ou vai pedir logo?
- Eu quero algo que faça a pessoa relaxar, dormir... Por um longo tempo.
Ele riu:
- Vai dopar alguém, princesa?
- Eu não preciso responder, não é mesmo?
Ele olhou ao redor, depois tirou do bolso dois comprimidos e me entregou discretamente:
- Os dois são suficientes. Mistura com álcool para potencializar o efeito.
- Ok.
Abri minha bolsa, guardei os comprimidos e lhe entreguei um bolo de dinheiro que eu tinha. Não tinha ideia de quanto custava aquilo e também não estava com tempo para perguntar e ainda contar o dinheiro para pagar. Eu só queria sair dali de perto dele o mais rápido possível.
Ele olhou as notas e disse:
- Por esta quantia eu posso lhe dar tudo que eu tenho dentro do meu bolso. Quer uma cartela inteira? Pode fazer todo o castelo de Avalon dormir se botar na caixa de água.
- Você... Foi mandado por meu pai? – perguntei intrigada.
- Quem é você, garota? – ele me olhou confuso. – Quer a cartela toda ou não? Tem noção de quanto você me deu de dinheiro?
- Não quero mais que isso. É suficiente. Obrigada.
- À disposição, princesa.