Capítulo 11
2408palavras
2022-12-05 11:18
- Mia, isso é impossível.
- Por que você acha que é impossível, Satini?
- Porque quem gosta de alguém não trata como ele me trata.

- Exatamente por isso... Acho que ele a trata assim tentando fugir do que ele sente.
- Para mim isso é loucura. Eu jamais ficaria com alguém que me maltratasse como seu irmão.
- Ele vai se magoar... E isso acaba comigo.
- Só se isso for verdade. Talvez ele realmente me ache uma pessoa fútil, que não tem o que fazer, que não tem capacidade para governar uma nação porque sou mulher... E que ainda quer roubar a família dele.
- Não quero que nunca meu irmão fique entre nós. Eu jamais poderia escolher entre vocês dois.
Eu ri:

- Sim, deve ser muito difícil romper com o irmão em nome da melhor amiga.
Ela me jogou um travesseiro:
- Sua boba.
- Agora me conte sobre o homem que você conheceu na casa noturna.

Ela suspirou:
- Um fofo... Théo. – ela falou o nome dele lentamente. - Eu acho que ele não mora próximo do castelo.
- Acha que ele pode ser da Coroa Quebrada?
- Eu não disse isso.
- Acho tão estranho isso. Um reino bem dizer dividido em dois, como se de um lado ficassem os mais importantes, que no caso são os ricos, a aristocracia, a burguesia... E do outro... Quem não concorda com tudo que acontece. Não seria melhor se todos pudessem opinar? Afinal, embora de lados diferentes, moramos num mesmo lugar.
- Por isso eu acho que você será a melhor rainha que Avalon já teve.
- A única rainha, você quer dizer.
- A melhor. Você sempre soube o que queria, Alteza. E você quer a igualdade, mesmo sem nunca ter conhecido o outro lado de Avalon... Mesmo sem saber exatamente como eles são...
- Eu gostaria muito de conhecer a Coroa Quebrada, Mia. E preciso fazer isso antes de me casar. Quando eu for apresentada à mídia como princesa, todos me conhecerão. E jamais poderei novamente pisar em Avalon sem ser reconhecida.
- Eu entendo... Mas ao mesmo tempo irmos à Coroa Quebrada é um risco. Só de olhar para você, se sabe que não vem de lá.
- Ainda assim é um risco que eu gostaria de correr.
- Bem, não há como fazermos isso.
- Será que não?
- Do que você está falando?
- Do seu novo namorado.
- Ele não é meu namorado. – ela contestou.
- Mas pode ser.
Ela riu:
- Ele é lindo, beija bem e me agradou muito passar a noite junto dele na boate. Mas não acho que ele quereria algo sério comigo. E mesmo que quisesse... Nossa vida é no castelo.
- “Minha” vida é no castelo. Você é uma mulher livre, Mia.
- Alteza...
- Mia, eu amo você. Acho que é a pessoa que eu mais gosto no mundo todo. Se um dia você se apaixonar, ou mesmo por qualquer outro motivo quiser deixar o castelo, eu jamais vou impedi-la, mesmo na certeza de que nunca encontrarei uma dama de companhia como você novamente. Porque minha amiga você será para sempre.
- Eu vou ficar com você até o fim... Ou o começo, quando você se tornar a rainha de Avalon.
Eu a abracei:
- E vamos governar juntas, minha amiga.
- Com certeza.
Voltei para o meu quarto e deitei na minha enorme e macia cama, olhando para o teto amadeirado escuro. Meu quarto era bem grande, mas não muito moderno. Meu pai não gostava de nada que pudesse fazer com que nosso castelo não permanecesse estilo medieval, época onde a monarquia reinava absoluta. Então, no lugar onde hoje eu dormia e passava grande parte do meu tempo, alguma princesa já havia estado nos antepassados da nossa família. Minha cama tinha um dossel de madeira escuro, do mesmo tom do teto. As luzes eram fracas e tinha uma pequena lareira. Em cima dela também havia entalhes antigos na madeira. Algumas poltronas espalhadas pelo local e uma pequena mesa com duas cadeiras, onde eu costumava fazer meu desjejum. As janelas eram grandes e por sorte quando abertas arejavam bastante o quarto e traziam ar fresco e claridade do sol. As cortinas pesadas eram diariamente fechadas durante a noite e abertas quando amanhecia. Por sorte o banheiro era moderno e bem amplo. Tinha uma banheira de hidromassagem enorme e os tons, alternando entre branco e bege, deixavam o lugar mais contemporâneo.
O castelo de Avalon era um lugar bonito e clássico, embora já tivesse passado por muitas reformas. Só eu já tinha visto muitas delas, tanto externa como internamente. Mas ainda assim nunca houve intenção, por parte do meu pai, de mudar o estilo antigo. Ainda tinha uma enorme sacada no segundo piso, junto da maior sala do castelo, que era onde antigamente o rei coroado aparecia para o povo, bem como para apresentar os herdeiros quando nasciam.
Meu pai mudou aquilo quando optou por fechar o castelo da visão de toda Avalon. Muros gigantescos foram erguidos para que ninguém pudesse entrar com facilidade... Muito menos sair. E junto com o muro, foram erguidas barreiras sociais no reino. Só entrava no castelo de Avalon a burguesia, geralmente a corte e quem fosse do desejo deles. Nunca meu pai deixaria alguém que não fosse do mesmo nível social da realeza atravessar as barreiras que ele ergueu entre o povo. Porque era aquela classe social, a única beneficiada, que o apoiava incondicionalmente.
Eu sabia que ataques rebeldes, em forma de passeatas políticas ou pequenas manifestações violentas, que sempre vinham da parte da Coroa Quebrada, eram comuns. Mas geralmente eles nem chegavam perto dos muros, pois além dos guardas fortemente armados, alguns disfarçados também rondavam as ruas próximas. E jamais alguém teria tantas armas para enfrentar a guarda real, altamente treinada.
Eu não conseguia ver Alexander fazendo parte disto. Embora ele fosse arrogante e insensível, ele era um homem justo. Pelo menos foi quando eu ainda o conhecia. Pensei em Estevan e de onde ele poderia ser... Suas roupas caras o descartavam do lado pobre de Avalon. Então eu poderia facilmente talvez encontrá-lo em um baile no castelo... Onde eu não seria a princesa Satini e sim uma mera convidada vagando pelo salão.
Eu tinha tantas coisas para fazer. Minha cabeça não parava nunca. Eu tinha sonhos e eles não se limitavam a comandar Avalon. Eu queria me apaixonar, mesmo que não fosse casar com esta pessoa, pois eu já era comprometida desde que nasci. Eu queria poder andar na rua de mãos dadas com alguém, sem pressa, conversando sobre coisas sem importância. Eu queria comer um sorvete de casquinha numa praça num dia quente, enquanto ele derreteria e cairia na minha roupa. Eu queria ver o pôr do sol ou o nascer dele junto de alguém especial. Eu queria dirigir um carro, ou simplesmente poder colocar minha cabeça para fora dele enquanto andava e sentiria o vento bater no meu rosto com força. Eu queria subir numa moto e abraçar com força quem a conduzia, sentindo liberdade. Eu queria poder ajudar uma pessoa que eu nunca vi na minha vida, sem pedir nada em troca, como Estevan fez comigo. Eu queria perder a minha virgindade com um homem que eu gostasse e sentir todo prazer que eu imaginava que havia naquele momento. E queria me aventurar em tudo que o sexo poderia proporcionar: prazer, dor, êxtase... Perversão. Eu queria conhecer a Coroa Quebrada antes de me tornar rainha de Avalon. E por fim, depois que eu fizesse tudo isso, e se não fosse pedir demais, eu queria que meu futuro marido fosse realmente um príncipe: alguém com quem eu pudesse contar em todos os momentos, que se preocupasse comigo e me desse todo o amor que eu nunca tive na minha vida. Este último era a parte mais difícil. Como amar alguém que você nunca viu em toda a sua vida? Eu sabia que o tempo poderia se encarregar de fazer a convivência se transformar em amor. Mas e se demorasse tanto a ponto de eu já ter ficado velha?
Minha cabeça fervilhava. Mas eu só precisava agora descansar. O dia seguinte era de encontro com meu pai.
Acordei mais cedo, como eu sempre fazia aos domingos. Exatamente oito horas eu cheguei na sala onde faria o desjejum com meu pai. Sentei e ele adentrou, no horário, como sempre. Ficávamos tão longe um do outro que eu nem tinha certeza se ele conseguia ver meu piercing através da mesa que nos separava.
- Bom dia, Satini.
- Bom dia, papai.
Meu pai era um homem bonito. Era alto, tinha um corpo bem definido, embora nem sempre se vestisse de forma tradicional, usando com frequência uma espécie de manto em volta dos seus ombros, lembrando os antigos reis, o que eu achava totalmente fora de moda. Nunca vi ninguém pertencente à monarquia de outros países ou reino que nos visitavam usando aquele tipo de vestimenta. Claro que ele modernizou um pouco com relação aos trajes antigos, mas ainda não me pareciam atuais. Stepjan Beaumont tinha olhos azuis. E infelizmente isso eu não herdei dele. Ele tinha uma barba espessa e bem feita e na parte de baixo começava a ficar branca. Os cabelos dele eram ondulados e batiam um pouco acima dos ombros e eram bem escuros. Eu gostava do olhar dele... Forte, destemido, como se fosse o dono do mundo inteiro. Bastava um olhar e todos saíam do caminho dele. Mas isso não significava que eu gostava da forma como ele era autoritário na maioria das vezes.
- Você está liberada do desjejum nos domingos. – ele disse se servindo.
Olhei-o surpresa:
- Como assim?
- Ficaremos somente com o almoço.
Eu poderia dizer tantas coisas... Mas preferi me calar. Já nos víamos tão pouco... E agora ele aumentava ainda mais a distância do tempo entre nós.
- Como está sua visita por Avalon? – ele perguntou me olhando atentamente, pela primeira vez.
- Eu... Estou gostando muito.
- O que visitou nos últimos dias?
- Visitei lojas populares, fui numa casa noturna...
- E colocou um piercing. – ele observou.
Eu sorri um pouco sem jeito:
- Sim.
- Ficou... Diferente.
Isso seria um elogio? Vindo do meu pai, eu poderia apostar que sim.
- E como está o trabalho de Alexander?
Eu poderia dizer que eu estava odiando ter Alexander no meu pé o tempo todo, inclusive me destratando algumas vezes. Mas ele era o filho de Léia e o irmão de Mia. Então eu disse:
- Tudo certo.
- Não quero que vá próximo da Coroa Quebrada. Creio que eu nem precise lhe dizer isso, mas de qualquer forma, acho prudente lembrar.
- Eu sei...
Alguém entrou e falou algo no ouvido dele, sem que eu pudesse escutar. Ele largou tudo e levantou-se:
- Com licença, Satini. Recebi uma visita e preciso me retirar.
Como assim? É o nosso momento juntos. Nada pode ser maior que isso, lembra? Eu preciso deixar tudo para estar aqui sempre. E só para que? Olhar para você. Eu senti uma dor dentro de mim... A dor da rejeição, que era maior que qualquer coisa. Por este motivo nada que Alexander me dizia me faria chorar... Ele só era mais um a me achar uma pessoa insignificante e que só dava trabalho. Meu pai nem devia achar que eu dava trabalho... Ele ficava só com a parte de eu ser insignificante. E não, eu não fazia as coisas para chamar a atenção dele. Eu jamais teria isso. Mas se eu não fizesse nada por mim mesma, eu viveria a vida triste da minha mãe, morrendo jovem e não tendo feito nada a não ser sobreviver a um casamento arranjado e tentando ter um filho homem.
Levantei e fui para o meu quarto novamente. E lá eu esperaria até o almoço para depois meu pai livrar-se do compromisso do dia de ficar comigo.
Ouvi uma batida na porta.
- Entre. – gritei.
Espantei-me ao ver Alexander:
- Você aqui?
- Gostaria de saber se vai precisar de mim hoje à tarde ou à noite.
- Por quê? Tem algum compromisso? – sorri e pisquei ironicamente.
Certo que ele iria encontrar alguma mulher.
- Eu... Gostaria de ver alguém sim.
- E por acaso seria a garota de sexta-feira?
- Eu... Não preciso lhe dizer quem é. – ele falou já irritado.
- Ora, não precisa ficar tímido, Alexander. Ela era bem bonita. E eu percebi que você gostou dela.
- E se gostar? Isso a incomoda de alguma forma?
- Claro que não... – falei me virando e ele me pegou pelo braço.
Virei e vi seus olhos azuis olhando no fundo dos meus. O que Alexander queria de mim, afinal?
- Pensei no nosso beijo. – ele disse.
- Sério? Eu não. – arrisquei.
Eu sabia que ele ficaria furioso, mas eu realmente não tive tempo para pensar no beijo que ele me deu.
- Satini, você está querendo me enlouquecer? É isso?
- Eu? Claro que não. – soltei meu braço. – Você é um grosso, Alexander. E...
Ele se aproximou e quando eu vi, os lábios dele estavam nos meus. Eu poderia evitar... Deveria evitar. Mas o desgraçado beijava muito bem agora. Eu não queria lhe dar esperanças. Eu não poderia ficar com ele. Eu me casaria dentro de cinco meses. E eu tinha muitas coisas para viver antes do casamento e ficar presa a Alexander neste meio tempo estava fora de cogitação.
O empurrei de leve e ele ficou me encarando.
- Alexander, não podemos fazer isso.
- Me desculpe.
- Eu aceito suas desculpas. Afinal, é só isso que você me diz ultimamente. Primeiro age de forma errada e depois pede desculpas e acha que tudo ficará bem.
- Isso quer dizer que você não me desculpa... E não desculpou nenhuma das vezes? Por isso me evita?
- Eu não evito você, Alexander.
- Evita sim.
- Céus, eu não quero brigar com você.
- Mas gosta de me beijar.
- Se eu dissesse que não estaria mentindo. – confessei.
- No que você se transformou, Satini Beaumont?
- Numa mulher. – falei abrindo a porta e deixando claro que ele iria embora.
Ele ficou um pouco desconsertado, mas foi. Já do lado de fora, perguntou:
- Afinal, sairá ou não?
- Vamos sair à noite. Na mesma casa noturna.