Capítulo 10
1597palavras
2022-12-05 11:18
Ele freou bruscamente e falou entredentes:
- Droga! Você me assustou!
Eu ri.

- O que quer, Satini? Fazer uma tatuagem?
- Aguardem no carro, por favor. – pedi quando vi que Mia me acompanharia.
- Mas... – ela ia dizer algo, mas acabou desistindo.
- Não posso deixá-la sozinha. – ele disse.
Eu voltei e abaixei minha cabeça, olhando pela janela que estava com o vidro abaixado:
- Não pensou nisso quando me deixou sozinha na boate. – pisquei e saí.

Entrei no estúdio de tatuagens e piercings. Claro que atraí olhares, devido à minha forma de vestir-me e portar-me, incomum para aquele lugar.
- Pois não? – o atendente perguntou intrigado.
Eu lhe mostrei o pequeno brinco em formado de argola que ganhei de Estevan e disse:
- Quero colocá-lo no nariz.

Ele sorriu:
- Tem certeza?
- Absoluta.
Fui encaminhada para uma cadeira confortável, onde fiquei quase deitada. Ele trouxe uma pequena espécie de lanterna e observou minha narina internamente.
- Alguma preferência por lado?
- Não. – respondi.
Tanto fazia. Eu só queria ficar com a joia que ganhei do homem mais lindo e gentil que eu já conheci na minha vida.
- Colocarei no esquerdo então... Tem menos vasos sanguíneos.
- Ok.
- Talvez sinta um pouco de dor... Ou desconforto.
Quando vi a enorme agulha que ele trazia numa espécie de seringa fiquei com um pouco de insegurança, embora soubesse que eu não morreria com aquilo. Eu era uma mulher forte e já passei por dores maiores, embora não fossem físicas.
Enquanto eu pensava nas minhas dores ele já estava colocando e fechando a argola e eu não sentia absolutamente nada.
- Garota forte e corajosa. – ele disse sorrindo, mostrando os belos dentes claros.
Ele era gordinho e tinha uma barba enorme e nenhum cabelo na cabeça. Claro que ele tinha o corpo coberto de tatuagens e piercings nos mais variados locais do corpo.
Paguei e garanti:
- Na próxima volto para fazer uma tatuagem.
- Estarei aguardando. – ele piscou.
Quando retornei para o carro e sentei no banco de trás, Mia e Alexander me encararam.
- Eu... Não acredito. – disse Mia.
Eu sorri orgulhosa de mim mesma.
- Agora você vai virar uma adolescente rebelde? Justo quando está se tornando adulta? – criticou Alexander.
- Claro que eu não esperava aprovação sua, Alexander. Mas o corpo é meu e eu faço com ele o que quiser.
- E seu pai? Acha que ele vai aprovar?
- Alexander, meu pai nem sabe que eu existo. Só lembra de mim nos domingos, quando ele tem a obrigação de sentar à mesa comigo e de vez em quando me lançar um olhar. Ele vai se lixar para o piercing, acredite.
Ele girou a chave e ligou o carro:
- Então tudo isso é para chamar a atenção do papai?
- Alexander, você é patético.
- Eu gostei, Satini. Doeu?
- Não tanto quanto muitas outras dores que já passei.
- Alexander, pare, por favor. – pediu Mia. – Isso já está ficando insustentável. Não entendo por que você critica tudo que Satini faz. Ela é a princesa, futura rainha de Avalon... E praticamente é filha da nossa mãe.
- Ela não é filha da nossa mãe... Ela não é nossa irmã.
- Por que você me odeia tanto? – perguntei, encontrando os olhos dele no retrovisor.
- Eu... Não odeio você. – ele disse mais gentil
- Então a ama? – perguntou Mia ironicamente.
Eu ri. Foi engraçado e se eu bem conhecia Alexander, ele ficaria surtado em 3, 2...
- Você está louca? – ele quase gritou com Mia.
- Não sou uma pessoa para se gostar, Alexander? – provoquei.
- Eu jamais me apaixonaria por você.
- Nem eu por você. – garanti. – Embora você não me considere sua irmã, eu sempre vou considerá-lo o meu irmão. E só por isso eu não digo ao meu pai que não quero você como meu guarda-costas e aturo todas as suas ofensas. E também por consideração à sua mãe, pois sei que ela ficaria bem magoada se soubesse que eu tive que procurar o rei para reclamar de você.
- Não tenho medo, Alteza. Se quiser falar com seu pai, fale.
- Por que você age assim? – perguntou Mia num fio de voz, chateada.
- Alexander, são poucos meses... Logo eu estarei casada e tudo isso estará acabado. E você e Mia sentirão saudades das nossas aventuras.
Ele ficou calado por um tempo e disse:
- Para onde vamos?
- Agora esta princesa rebelde quer voltar para casa. – falei me recostando no banco. – Amanhã é domingo. Um longo dia para mim.
E assim ele fez. Levou-me de volta para o castelo. Eu nunca tive vontade de colocar um piercing. Jamais me passou pela cabeça fazer isso. Mas receber uma joia tão preciosa dada por um desconhecido, achando que eu era uma sem teto foi de uma grandiosidade que eu fiquei completamente apaixonada por aquela atitude. Especialmente também porque havia sido feito por um homem que me chamou a atenção quando vinha a metros de distância. Poderia parecer precipitado, mas eu não sei se algum dia esqueceria o olhar dele. Claro que encontrá-lo de novo era praticamente impossível. Mas se isso acontecesse novamente, eu não o deixaria desparecer. A vida já passava muito rápido... E ele não escaparia pelos meus dedos.
Alexander estacionou novamente na parte de trás do castelo. Quando eu fui descer ele já estava na porta e estendeu a mão para mim. Eu aceitei. Por um momento achei que Alexander poderia ter algum distúrbio de comportamento ou bipolaridade. Numa hora me odiava, depois parecia que nem tanto.
- Alteza, me desculpe.
- Eu tento entender você, Alexander... Mas é um pouco difícil para mim às vezes.
- Nem eu me entendo... Não tente fazer isso.
- Não me sinto bem quando você briga comigo... E me magoa.
- Como eu disse, desculpe, por favor.
- Tudo bem... Irmãos sempre brigam. – eu dei de ombros.
- Você não é minha irmã, Satini. – ele quase gritou.
Olhei nos olhos dele:
- Quantas vezes você vai me dizer isso?
- Quantas forem necessárias para que você entenda isso de uma vez por todas.
- Por que, Alexander? – perguntei magoada novamente com as palavras dele.
- Você nunca vai entender, princesa.
Ele saiu e eu me dirigi para dentro do castelo. Mia já havia ido na frente. Alexander me intrigava.
Subi ao até o terceiro andar, encontrando Léia no corredor, próximo do meu quarto.
- Satini, querida, o que você fez no seu nariz?
Eu ri da forma apavorada com que ela falou:
- É só um piercing, Léia.
- Satini, você é uma princesa. Passou anos estudando sobre como se portar, sabe falar fluentemente várias línguas, usa as roupas e calçados mais caros que podem existir. Isso fica um tanto quanto...
- Moderno? – eu completei.
- Seu pai...
- Ora, Léia, meu pai é capaz de nem olhar no meu rosto para ver que coloquei um piercing e você sabe muito bem disso.
- Ainda assim, “eu” não aprovo.
Eu a abracei:
- Ok, agora eu até entendo. Porque eu sei que você se importa mesmo comigo.
- Precisa de Mia? – ela perguntou.
- Não... Por quê? Tudo bem com ela?
- Ela disse que não se sente muito bem.
- Eu... Vou ver como ela está. Mas estávamos juntas há pouco tempo atrás e ela não reclamou de nada.
Fui até o quarto de Mia, que ficava próximo do meu. Embora menor, o quarto de Mia era muito confortável. Isso eu não podia reclamar de meu pai, ao deixar as duas no terceiro andar, sempre próximas de mim. Ela tinha um pequeno closet, banheiro privativo (como em todos os aposentos), uma cama enorme que ficava no centro do quarto, com janelas extensas que deixavam o ambiente bem iluminado e arejado. As cortinas do quarto dela não eram tão pesadas quanto as do meu. Só não tínhamos mais privacidade porque havia um guarda sempre em prontidão no corredor. Não entendia o motivo de além de toda guarda real, que a meu ver era exagerada, haver guardas dentro do castelo. Mas também nunca questionei. Havia muitas coisas que começavam a me intrigar, de uma hora para outra, e que eu não conseguia entender e não tinha oportunidade nem a quem questionar.
Mia estava deitada na cama. Sentei e vi que ela estava com os olhos vermelhos.
- O que houve? – perguntei apreensiva.
- Está tudo bem.
- Ah, Mia, você pode me mentir qualquer coisa, mas que está tudo bem, não. Eu acho que conheço você melhor do que a mim mesma.
- Eu... Fico chateada com a forma como Alexander a trata, Alteza.
Passei as mãos pelos cabelos dela:
- Mia, não precisa se preocupar com isso. Se eu disser que não sinto, eu estaria mentindo. Magoa-me algumas coisas que ele me diz. Mas isso jamais vai influenciar no que eu sinto por você... Ou por sua mãe. Talvez ele tenha ciúme de mim com vocês, afinal, vocês são a família dele. Nisso ele tem razão. Por mais que eu tente me convencer que faço parte da família de vocês, sei que isso não é verdade. Minha única família é Stepjan, o rei de Avalon. – sorri tristemente.
- Sabe o que realmente me preocupa, Satini?
- O quê?
- Acho que Alexander está gostando de você... E talvez este sentimento exista dentro dele a muito mais tempo do que imaginamos.