Capítulo 19
2826palavras
2022-05-03 05:22
Muito longe do castelo Inu Youkai, em um dos inúmeros vilarejos humanos, uma criatura que andava com a ajuda de um bastão, voltava seu rosto desfigurado para o lado de fora da porta, observando, amargurada, com o único olho que possuía, o dia radiante lá fora. Kiku ignorava o choro do filho no berço, com febre. Ela não aguentava mais aquela criança, não o amava, não o queria perto de si, era apenas um estorvo em sua vida amaldiçoada; se em algum momento houvesse imaginado que estava grávida de Darak, teria feito qualquer coisa para que aquela criatura não nascesse. Mas agora era tarde, seu desejo de vingança era quase palpável, mais palpável quase do que seu desejo de se livrar de sua própria vida miserável, queria acabar com a felicidade da princesa humana, queria destruir Kanji e toda a sua família, só assim poderia morrer em paz.
Estava perdida em seus pensamentos e em sua raiva, quando escutou:
– Deseja se vingar da Lady Dragão e do Clã dos Cachorros?

– Com toda a minha alma.
Responde ela, sem sequer olhar para o youkai que lhe falava, parado à sua frente, dentro da casa minúscula, ouviu a risada diabólica dele.
– Estaria disposta a renunciar à sua cria e à sua vida unindo-se a mim?
– Contanto que prometa que irá destruir Kanji e a sua maldita família.
O youkai gargalhou, transpassando o peito de Kiku com sua cauda, arrastando-a para dentro de seu corpo, absorvendo-a em segundos. Kyo era um poderoso dragão youkai, embora ainda muito jovem, quase um adolescente, possuía o poder de absorver a energia dos seres vivos ou mortos e se fortalecer com isso, absorveu imediatamente Kiku em seu corpo; aproximando-se do berço, onde o bebê chorava, o segurando em seus braços, observando-o:
– Você não, pequeno, você é especial.

Saiu de dentro da casinha destruindo tudo ao seu redor, levando o bebê embora junto com todas as informações necessárias para destruir o Clã Inu Youkai e sua princesa humana.
Distante dali, no castelo do Clã Inu Youkai, o rei procurava Kanji, queria falar com ele sobre sua situação com Katherine, o achou às margens do rio onde eles passaram sua primeira tarde conversando há muito tempo, sempre que voltava aquele local desejava voltar no tempo e fazer tudo diferente.
O jovem olhava para o rio, suspirando, sequer percebeu a presença de seu pai, que o assustou quando disse:
– Descuidado! Se eu se fosse um inimigo, agora estaria morto.

– Não tenho tanta sorte assim.
– O que faz aqui?
– Pensando.
– Lembrando-se de alguém?
– Sim, de quando minha esposa me beijava com paixão, de quando eu era feliz...
– Por que não volta a ser?
– Ela jamais me perdoou. Eu a perdi por minha loucura, nem sei o que me passou na cabeça para fazer aquilo com ela, juro que até hoje não sei o porquê fiz aquilo.
– Já tentou reconquistá-la?
– Muito... ela sequer permite que eu me aproxime, às vezes passa semanas que apenas fala comigo quando eu digo algo.
– Por que não pede que parta?
– Não posso pensar em deixá-la ir embora, não suportaria não ter a presença dela comigo.
– A infelicidade dela não te incomoda?
– Me parte o coração.
– Então tome sua esposa para você, meu filho. Ou, com o tempo, ela será apenas uma mulher seca e amarga.
– Não sei como ela reagiria se eu tentasse.
– Filho, você sabe que ela deseja ser mãe? Você sabe que a princesa do Clã dos Dragões precisa ter ao menos um descendente com as mesmas habilidades do que ela?
– Sim, eu sei.
– Você acha que poderá fazer isso?
– Acho que não mais... eu queria muito..., mas tenho certeza que ela não aceitaria.
– Seria capaz de suportar vê-la grávida de outro, só para acalmar seu coração egoísta?
Takeo pergunta com os olhos fechados, estava triste pelo filho, mas inconformado com seu egoísmo, Kanji a queria ao seu lado mesmo que ela fosse infeliz. A resposta que ouviu do filho em seguida o fez desejar que ele tivesse morrido quando tentou o suicídio:
– Contanto que ela fique ao meu lado, eu aceito qualquer coisa.
– Você é patético!
Rosnou Takeo, saindo de perto dele para não espancá-lo, não podia acreditar na falta de orgulho do filho, em sua fraqueza e na sua total incapacidade de perceber o amor que aquela mulher tinha por ele, qualquer um via que seria impossível que o recusasse, ficou em silêncio, precisava falar com Katherine, o mais gentilmente possível.
Ami, Shuji e sua filha haviam voltado para o ocidente, deixando uma Katherine desolada observando-os partir como há um ano. Pensava na felicidade da irmã e em como ela tinha sorte, quando chegou a sentir uma ponta de inveja dela, mas sorriu, pensando que a irmã merecia muito sua felicidade. As mãos de uma pessoa em seu ombro a despertaram de seus pensamentos, não parecia ser Kanji, mesmo que desejasse isso, Katherine se virou contrariada na direção da pessoa. Reconheceu Takeo sorrindo com o canto da boca, a garota não entendeu o que desejava, quando ouviu:
– Princesa Katherine, acompanhe-me.
– Sim, majestade.
Foram rapidamente ao escritório, onde o rei inu pediu que se sentasse.
- Princesa, quanto tempo pretende manter essa situação?
– Que situação, majestade.
– Me chame de Inu, papa Inu ou de Takeo, já lhe disse isso várias vezes.
– Quando me chamar pelo nome eu lhe retribuirei, majestade.
Ele fecha os olhos, sorrindo um pouco, gostava do temperamento da garota educada e ácida, sua esposa tinha toda a razão, Katherine era a filha que ele sempre desejara ter e era daquela forma que ele a tratava, continuando:
– Você é jovem, Katherine, até quando vai manter um casamento apenas para o bem de meu filho e o bom nome do Clã Inu? Não poderia, ao menos, tentar esquecer um pouco de sua mágoa? Você sabe que o filho daquela mestiça de Youkai não é de Kanji.
– Jamais perdoarei Kanji por ter levado sua amante para nossas núpcias, jamais o perdoarei por ter me humilhado daquela forma. Por mais que eu o ame, não consigo perdoá-lo.
– Vai viver sem um macho para sempre? Não terá sua família jamais?
Pergunta Takeo, já se impacientando, ficando ainda com mais raiva do próprio filho e dos sentimentos da garota.
Katherine perguntou:
– Takeo, se eu fosse embora agora, o que aconteceria com seu filho?
Um silêncio constrangedor se instaura na sala, o rei Inu Youkai andou até a janela de seu escritório, observando um dragão que estava cochilando, respondeu, pesaroso:
– Eu entendo o que diz, mas não é justo com você, nem com o seu Clã.
– Eu sei, mas não tenho outra escolha.
Ele respirou fundo, olhando para a garota por um segundo, e lhe disse, envergonhado de estar propondo tal situação, voltando-se para a janela:
– Escolha outro inu youkai.
– O quê?
– Escolha outro macho inu youkai como seu amante, tenha suas crias. Fecharei meus olhos em respeito ao que fez por meu filho e pelo nome do meu Clã.
– Seria errado, papa. O orgulho da família real do Clã estaria na lama se eu fizesse isso.
- Estou lhe dando minha total aprovação, ninguém saberá e se souberem não terão coragem de comentar. Escolha qualquer um.
Ela apertou os punhos, ficando de pé, não queria ter ouvido aquilo, sabia o quanto devia ser humilhante para Takeo ter de dizer o que havia dito. Estava abrindo mão da honra de sua linhagem, o rei Inu tinha boa intenção, mas ela não conseguiria fazer o que ele estava ordenando, amava demais Kanji, sabia também que como seu próprio pai, esse não aceitaria sua recusa à oferta dele. Teria de gerar um descendente, não havia mais desculpas ou empecilhos para tentar se livrar daquela situação e não ser mais incomodada com aquele assunto, até tentar conversar com Kanji e ver se havia ainda qualquer possibilidade, mesmo que distante, deles poderem tentar se aproximar. Disse o impensado, aquilo que imaginou que um youkai como aquele não aceitaria:
– Se é assim que prefere... escolho-o então, Takeo Sama.
Ela disse friamente, esperou a reação de desprezo dele, aguardou a revolta de sua parte, afinal era o rei e amava sua esposa, a chamaria de insolente, ela manteria sua posição e a questão seria encerrada pela fúria. Mas o desprezo e a revolta não vieram, apenas o silêncio da parte dele. Ao ouvir aquela frase, o rei, atônito, não sabia o que dizer, não esperava aquela resposta, pensou consigo mesmo:
“Ela sabe que direi não, porque amo a minha rainha. Ela deve amar muito aquele imbecil do meu filho. Ou realmente Katherine me deseja como macho? Mas nunca deu nenhum sinal, eu teria percebido, já viajamos juntos... Eu poderia fazer isso em segredo... os descendentes dela teriam sangue real, não seriam um bando de bastardos sem linhagem, seriam realmente parte da nobreza e teriam o sangue do marido, impossível de qualquer um desconfiar, até mesmo Takara não conseguiria perceber... afinal já tive tantas amantes antes de casar com ela... vejamos no que isso vai dar, se ela estivesse esperando uma recusa irá se assustar, mas não terá escapatória, de uma forma ou de outra, essa situação está resolvida por Kanji ou por mim.”
Takeo se aproximou com uma expressão indecifrável no rosto, ficando parado próximo a ela e respondeu, altivo:
– Eu aceito, serei o provedor de sua prole. Dessa forma manteremos a linhagem real.
Katherine arregalou os olhos, estava espantada, surpresa, escandalizada com a situação, sentiu raiva por dentro, uma vontade de brigar e o espancar até a morte, como podia ter aceitado daquela forma? Estava absorta em sua indignação, quando sentiu as mãos do rei de Inu Youkai apertando-a pela cintura junto ao seu corpo, aproximando-se de sua orelha esquerda, cheirando-a, Katherine se sentiu estremecer, assustada.
Ele sorriu, completando:
– Hoje à noite, nas termas.
Ela fez silêncio, estava constrangida, não sabia o que responder. Takeo agora estava encarando-a muito próximo ao seu rosto, com seus olhos cor-de-âmbar, ela queria correr, gritar, se jogar em cima de Kanji e ordenar: “Me dê um filho, agora!”
Manteve silêncio, não conseguia pensar no que fazer, suas pernas estavam moles, nunca havia sentido aquilo antes, nunca um homem havia ousado se aproximar daquela forma, sentiu o calor do corpo do youkai, o rei parecia-lhe tão quente, seus lábios pareciam tão macios e convidativos.
Ambos ouviram as portas de entrada do palácio estourarem e as pessoas gritando, ambos sacaram as espadas e saíram correndo. Encontraram uma trilha de servos mortos subindo pelas escadas, todos estavam destroçados, Katherine ficou desesperada quando sentiu que Kanji estava no quarto, deveria estar de ressaca ainda, ela correu o mais rápido que pôde, sendo seguida pelo rei, quando ouviu seu príncipe grunhir, sentiu as lágrimas rolarem de seus olhos.
“Por favor, esteja bem, Kanji! Vamos nos acertar, por favor, me dê mais uma chance. vamos ter muitos filhos e viveremos felizes juntos, por favor, não morra. Por favor.”
Desesperada, chutou a porta do quarto, onde achou um dragão youkai terminando de absorver Kanji, Katherine gritou desesperada, liberando uma parte de sua energia que feriu o dragão youkai, mesmo sendo tarde demais para Kanji, o youkai gritou:
– Maldita! Eu vou te matar lentamente.
– Devolva o Kanji.
– Tarde demais.
– Nunca será tarde demais, se devolvê-lo, te matarei de forma rápida e indolor, eu prometo.
O youkai gargalhou alto, sendo atacado por ela mais uma vez, fazendo-o sangrar muito, sendo atacado logo em seguida por Takeo, que o feriu bastante também, Kyo parecia querer fugir, mas estava cercado quando o viu vindo do lado de fora do quarto:
– Inu, o que está acontecendo?
Era Takara, que mesmo estando muito fraca, veio tentar ajudar ao ouvir aquela gritaria e as explosões, Takeo tentou afastá-la, enquanto segurava sua espada nas costelas do youkai talvez não conseguisse protegê-la e lutar, não em um local tão pequeno quanto um quarto. Katherine arrastou seu oponente para fora, sendo seguida por Takeo e por Takara, que desejava ajudá-los:
– Takara, fuja! Fuja agora, fique longe.
– Majestade, suba em Morning Star, ele a levará para Shuji.
Mas a rainha parecia nada ouvir, iria ajudá-los a lutar, era uma sacerdotisa poderosa, mataria aquele dragão youkai sem dó algum, salvaria a vida do filho que ela pensava ainda estar no corpo do youkai. Tentou atacá-lo, mas teve dificuldade quando deu um passo na direção do ser e foi atingida por um tipo de cauda saída das costas do grande ser, começando a absorvê-la imediatamente, Takeo sentiu uma dor em seu peito inexplicável, gritou:
– Takara, não! Solte-a, seu maldito! Solte a minha mulher, agora!
Disse o rei, com seus olhos vermelhos, já se transformando em um grande cão youkai, segurando o dragão pelo pescoço, também começando a ser absorvido pelo grande ser, Katherine o atacava bravamente, quando percebeu que não estava adiantando, a cada ataque deles, Kyo se refazia ainda mais forte, então permaneceu parada e fez o que só ela conseguia, nem mesmo Hideki em seus melhores dias podia pensar em fazer aquilo.
Convocou os dragões para dentro de si e, evocando o poder do grande Shooting Star, transformou-se em um dragão dourado. Lutando ferrenhamente contra Kyo, que embora conseguisse até mesmo atingi-la algumas vezes e até feri-la não foi páreo para seu poder de destruição inimaginável, quando, por fim, matou o dragão youkai, conseguiu tirar Takeo da carne dele com vida, ainda não havia sido completamente absorvido, estava atordoado, desesperado e ferido, mas vivo.
Ela tentou achar Takara, se o corpo desta estivesse intacto, Katherine poderia revivê-la, assim como Kanji, que a garota procurou por todo o corpo retalhado do dragão, sem conseguir dissociar a carne morta do youkai da de seus entes amados. Quando se deu conta disso, Katherine voltou à sua aparência normal, liberando os dragões à sua volta.
O sofrimento tomava conta de sua alma, o desespero, o vazio, caiu de joelhos ao procurar uma opção nos olhos de Morning Star, mas o poderoso ser parecia sentir-se impotente, nada podia ser feito, Takara e Kanji estavam mortos, Takeo estava de pé, olhando a carcaça do dragão na frente dele, as lágrimas escorriam de seus olhos sem que emitisse um único som. Katherine estava desesperada, sabia que não tinha tanta energia assim, mas tentou a última coisa que poderia para tentar salvar seu amado e a rainha, olhou para o dragão branco de olhos azuis e ordenou:
– Faça!
O animal parecia surpreso e se recusava a obedecer a tal comando, mas ela insistiu:
– Faça! Morning Star, eu te ordeno. Nunca te pedi nada, faça isso, por favor, me mate se for preciso, só me devolva ele mais uma vez.
Ela estava chorando em desespero, queria poder fazer algo, estava abrindo mão de tudo de sua vida, do futuro, só para devolver a vida daquele que era o dono de seu coração. O poderoso ser levantou-se sobre as patas traseiras e de seus olhos uma luz azul, banhou o castelo e o corpo inerte do dragão.
Katherine contorcia-se de dor, apoiando suas mãos no chão, sangue começou a pingar de sua boca e olhos, estava disposta a morrer, quando Takeo, ao perceber aquilo, resmungou baixo:
– Inaceitável.
Aproximou-se dela, segurando-a nos braços, dizendo:
– Já chega, Katherine, mande o Dragão parar. Não permitirei que morra para tentar trazer minha família de volta à vida.
– Agora é tarde...
Ela caiu desmaiada, o rei inu fez a única coisa que poderia, voou até a frente de Morning Star, com Katherine em seus braços, encarou o ser e disse, altivo:
– Dragão, pare imediatamente, ou matará sua senhora.
O ser o observou atentamente e, pela primeira vez em muito tempo, falou com um ser que não era Katherine:
– Vai renunciar a sua amada rainha e seu filho, pela vida dessa humana em seus braços, youkai?
– Sim, não desejo que a vida dela seja o pagamento pela minha felicidade.
O ser ficou em silêncio, voltando sobre suas quatro patas, parando de irradiar sua energia imediatamente, sentia a sinceridade nas palavras daquele youkai e a nobreza de seu coração o fez dizer o seguinte:
– Concedo a você uma nova alegria, em retribuição a sua nobreza.
Naquele momento, o rei não entendeu o que o ser quis lhe dizer com tais palavras, os servos, que antes estavam mortos, foram todos ressuscitados de imediato, indo na direção do rei que estava ferido, com Katherine desacordada em seus braços; nada foi dito por ele, apenas seu filho e sua esposa não haviam voltado a viver. Deixou-se cair pela perda de sangue e desejou não mais acordar, embora sua alma lhe dissesse, havia feito o certo em não permitir que Katherine morresse para trazer seus entes queridos à vida, embora essa decisão lhe custasse caro demais naquele momento.