Capítulo 18
2099palavras
2022-05-02 05:07
Havia se passado exatamente um ano após o casamento infeliz de Kanji e Katherine, o reino Inu Youkai nunca havia sido tão próspero como naquela época.
Katherine era uma general implacável, havia conquistado vários territórios próximos e até alguns bastante longínquos, quase nunca estava no castelo, evitava qualquer contato com o marido, mas sempre que estava no castelo aceitava sua companhia com alguma distância, nunca permitia que ele se aproximasse; no quarto, dormiam em camas separadas, pelo menos depois de Kiku ter deixado o castelo, as vezes que Kanji tentou se aproximar da esposa, ela respondeu de forma agressiva, certa vez até mesmo o expulsando do quarto sem muita conversa.
Com o passar dos meses, Kanji se embebedava quase todas as noites, satisfazia seus desejos com as servas, entrando no quarto apenas ao amanhecer, deixando-se adormecer, às vezes, ao lado da cama de Katherine ou aninhado sob os pés dela.

Seu remorso o consumia, não era sequer a sombra do que havia sido no passado. Quando tinha coragem falava com ela, e Katherine respondia de maneira educada, fria e direta, sem estender o assunto. Só dormiam no mesmo quarto a pedido de Takeo, que jamais contou da situação do casal para sua esposa por vergonha do filho e por não desejar que a rainha se intrometesse e piorasse mais a situação.
Takara, desde que descobriu a presença de Kiku escondida no castelo pelo próprio Kanji, começou a ficar doente e melancólica. A saúde da esposa mantinha Takeo o tempo inteiro ao seu lado, apenas se afastava algumas horas por dia para assinar e analisar documentos sobre seus domínios, quando solicitado, os demais assuntos, deixava a cargo de Katherine, que passou a administrar o território quase que sozinha, fazendo relatórios diários ao rei.
Katherine havia sufocado seus sentimentos e sua dor com as glórias conseguidas em batalha e muito trabalho, jamais permitiu que Kanji sequer a tocasse, por mais que desejasse isso desesperadamente, às vezes o observava à distância, quando estava bêbado demais para voltar para o castelo o buscava e o carregava para o quarto, várias vezes o banhou em água gelada para que não entrasse em coma alcoólico, muitas vezes o surpreendia com outras mulheres, sem jamais dizer nada, jamais se queixar.
Foi por imposição de Katherine que Kiku passou sua interminável gestação dormindo no quarto de Kanji. No princípio, ela achou que conseguiria seduzi-lo, mas o príncipe a tratava de forma fria e cruel, a fazia dormir no chão como um cachorro, não a deixava sair do quarto, ela apenas se alimentava quando ele permitia, o que era uma vez ao dia, normalmente; sempre que ela tentava se aproximar, Kanji a humilhava e, quando insistia, era agredida. Muitas vezes voltou à enfermaria do castelo por conta disso, o que permitiu que Cho se vingasse dela, cortando sua mão direita para que jamais esquecesse que sua aparência repugnante era consequência do mal que havia causado.
Quando o filho de Kiku nasceu, como o rei havia dito, ela foi levada embora junto com o recém-nascido, que como o próprio Takeo pôde constatar, não tinha o sangue de Kanji, havia nascido bastante fora do tempo para ser filho do príncipe inu youkai, com certeza era proveniente da época que Kiku era uma das concubinas de Darak, a mestiça de Youkai se odiou ainda mais por isso, odiava o próprio filho por não ser herdeiro do trono. Havia perdido sua beleza, agora era apenas uma aleijada com o rosto deformado, a qual nenhum homem seria capaz de desejar, como Cho e Kanji mesmos lhes disseram inúmeras vezes. Saiu do castelo de Inu Youkai jurando vingança, queria a morte de Kanji que tanto a humilhou e a fez sofrer, sem nada em troca. Na época, o rei achou que isso bastaria para que Katherine e Kanji se acertassem. Dando o assunto por encerrado, voltou sua preocupação apenas para a esposa.
Era mais uma primavera no reino Inu Youkai, Katherine havia chegado a pouco de uma batalha com um bando de Youkai, que impunham pavor a um vilarejo humano que ficava no território; estava exausta, só desejava um banho e dormir, era só o que fazia, uma batalha após a outra. Assim que entrou no castelo, sentiu uma presença familiar, achou que sua solidão estivesse pregando-lhe uma peça, quando escutou:

– Irmã!
Era a voz de Ami vindo em sua direção, feliz como sempre, a garota saltou em seus braços, abraçando-a forte. Então pergunta, sem deixá-la responder:
– Como você está, irmã? Onde estão meus sobrinhos? Você está grávida? Onde está Kanji Sama? Como estão as coisas? Quero saber tudo sobre vocês dois.
– Ami!

– Desculpe, irmã... eu estou tão feliz em poder te ver.
– Eu também.
– Venha, vamos conversar, só ficaremos hoje aqui.
– Onde está o seu bebê?
– Eu sabia que perguntaria isso.
Diz Ami, rindo, levando-a até um quarto no segundo andar, onde o bebê de aparência youkai brincava com as mãos para o alto, tentando pegar algo que apenas seus olhinhos pareciam ver, Katherine se aproximou devagar para que a criança não se assustasse.
Ami diz, pegando a filha no colo e levando à irmã:
– Olhe, Miki essa é sua tia, Katherine. Ela vai amar muito você, minha princesinha.
Katherine segurou a sobrinha nos braços, olhou-a sorrindo, passou sua testa sobre a da criança, não pôde conter suas lágrimas ao observar a sobrinha, uma pequena youkai, cópia perfeita de seu pai, porém sorridente como sua mãe. Katherine não pôde deixar de pensar que, se as coisas tivessem sido diferentes, agora teria talvez a sua filha em seus braços; sentiu um profundo ódio de si mesma, uma raiva do amor que sentia por Kanji, uma impotência. Ami, ao ver as lágrimas da irmã, que lhe devolvia a bebê, perguntou:
– O que está havendo, Katherine?
– Por que acha que algo está havendo?
– Você não é de chorar, Katherine há algo errado.
Katherine suspira, olhando para o chão, precisava desabafar, queria contar à irmã como estava sua vida, o que havia feito, só queria poder falar, mas antes a fez prometer:
– Ami, promete não dizer nada?
– Claro.
– Principalmente aos nossos pais e, por favor, não comente isso com seu marido.
– Por quê? Katherine, o que há?
Ami pergunta, preocupada, ao ver a irmã afoita. Katherine suspira e relata a ela tudo o que aconteceu na noite de seu casamento, a descoberta da amante grávida, seu suicídio em detalhes, quando a mulher terminou, sua irmã a abraçou apertado contra o peito:
– O que fará, Katherine?
– Cumprirei minha promessa.
– E os dragões? Irmã, você tem de ter ao menos um filho, para que possa passar seus poderes, você sabe.
– Pelo que vejo, você terá muitos filhos, me dê um deles com os olhos como os meus para que nosso Clã não morra... eu não poderei fazer isso, irmã.
Sorri Katherine, colocando a mão sobre o ventre da irmã, que estava grávida novamente. Ami sentiu seu coração se partir ao ouvir aquelas palavras, sabia que o sonho da irmã era ter muitos filhos e aquilo lhe havia sido negado por uma atitude vil de um homem que agiu impensadamente, Ami odiou Kanji em silêncio e, sem dizer nada, decidiu, contaria a Shuji, e ele conversaria com o irmão e o pai, era cruel e injusto demais para que ela pudesse aceitar.
Katherine sorriu para a irmã, dizendo:
– Vou deixá-la a sós, preciso de um banho, acabei de chegar.
Ami assentiu com a cabeça que sim, sorrindo forçadamente, olhando mais uma vez para a filha, depois de alguns minutos saiu pela porta devagar, pensava como aquilo podia ter acontecido, Kanji sempre lhe pareceu estranho, mas amava Katherine, Ami sempre sentiu isso nele. Ela desceu para o jardim, estava absorta em seus pensamentos, quando ouviu:
– Algum problema, minha princesa?
Ami sabia quem lhe falava. Apenas se virou, abraçando forte Shuji contra o peito, começando a chorar, deixando o youkai muito preocupado:
– O que está sentindo? O que foi, Ami?
– Meu amor, por favor, me escute...
Ami relata a Shuji tudo o que havia se passado com a irmã em detalhes, a tristeza dela, sua infelicidade, o que ela havia lhe dito sobre o futuro do Clã. O grande youkai voltou seus olhos para o castelo coberto de raiva, pela irresponsabilidade do irmão, por seu pai ter aceitado aquela situação, por sua esposa estar sofrendo daquela forma, pelo sombrio futuro de Katherine e por ela amar o irmão ao ponto de aceitar abrir mão de sua felicidade. Entrou abruptamente pelas portas do castelo, foi ao escritório onde seu pai estava, perguntou:
– Por quê?
– Do que está falando, Shuji?
– Por que permitiu que ela ficasse ao lado dele, logo dessa forma?
– Porque ele se mataria, então não discute a decisão. Mas tudo se resolveu entre eles, eu acredito.
– Resolvido? Você sabe o que está pedindo àquela humana? Que renuncie sua felicidade por causa de seu filho mimado. A princesa enterrou o futuro do próprio Clã, pelo bem da reputação do Clã Inu Youkai.
– O que deseja que eu faça?
– Pai, seja o que for, apenas faça algo. Isso não pode continuar assim.
– Como soube?
– Ami.
– Ela falou com Ami?
– Ela só fala com Ami. E minha esposa me contou tudo.
– O que fará?
– Pai, se não resolver essa situação, serei obrigado a reportá-la ao rei do Clã dos Dragões.
Takeo olha para o filho sabendo que ele estava certo, aquela situação não podia permanecer daquela forma, como ele pôde ter sido tão crédulo ao ponto de não perceber que nada havia sido resolvido? Tinha uma general forte, mas não uma princesa, Katherine jamais perdoou, apenas ficou por amor a Kanji e pela amizade que seu pai tinha por ele. Se Hideki soubesse, tomaria aquilo como uma afronta e mataria Kanji pessoalmente. Ele precisava fazer algo, só não sabia exatamente o que, teria de falar com Katherine e com Kanji, eles teriam de chegar a um entendimento ou se separarem.
Shuji deixou o pai sozinho, mas não sem antes lhe sugerir, enquanto saia:
– Se ela ama tanto aquele inútil, preza tanto a honra de nosso Clã, nosso dever não seria o de fecharmos nossos olhos para seus erros?
Takeo ficou com aquela pergunta em sua cabeça, havia outra possibilidade e, se fosse o caso, proporia isso a Katherine, deixaria isso aos critérios dela. Shuji se afastou do escritório, estava indo ver Ami e a pequena filha, quando passou por Katherine, que o olhou e sorriu, estava feliz em vê-lo, parecia bem com um olhar quase humano, o youkai foi em sua direção e a abraçou forte contra o peito, beijando sua testa, Katherine estava em choque, nunca imaginou o cunhado tão carinhoso daquela forma, disse:
– Está tudo bem, Shuji?
– Sim, tudo indo muito bem.
– Eu vi minha sobrinha... ela é linda. E já percebi que logo terei outro sobrinho.
Disse ela, sorrindo, fazendo o youkai rir um pouco, ficando com olhar sério:
– E você?
– E eu? Ocupada como sempre, já viu a dimensão do domínio de seu Clã?
– Sim, tem feito um ótimo trabalho, mas a que preço?
– Shuji, isso não importa...
– Sim, isso importa. Imagina o que o rei do Clã dos Dragões dirá, não imagina?
– É por isso que jamais saberá. Pedi a Ami que não lhe dissesse nada. Mas foi inútil.
– Sua irmã a ama.
– Eu também a amo, mas não desejo que se preocupem.
– Alguém tem de cuidar de seu futuro... do futuro de nossos Clãs.
– Entendo, Shuji, eu entendo. Antes de partir, por favor, vá com Ami e a pequena, ver a rainha, ela está acamada e gosta muito de você.
– O que ela tem?
Shuji pergunta com preocupação, Katherine responde com tristeza:
– Desde o incidente no dia do casamento, ela nunca mais conseguiu se recuperar... a culpa foi minha, se eu não tivesse...
O youkai a interrompe:
– A culpa não é sua... é dele.
Katherine o observa enquanto ele vai ao encontro de Ami. Pensativo, Shuji pensava que, se o destino fosse diferente, sua esposa estaria sofrendo no lugar da irmã. Sabia como Katherine era e isso o deixava ainda mais preocupado, chegou a pensar em se oferecer como provedor dos filhos dela, mas não conseguiria trair sua esposa, mesmo para a honra dos dois Clãs serem mantidas. Seu pai resolveria o assunto com sua sabedoria, talvez até conseguisse que os dois se acertassem.