Capítulo 131
2785palavras
2022-07-25 06:24
Tom estava no horário combinado, no ponto de encontro. Levamos em torno de uma hora para chegar ao presídio onde Simon estava. E depois quase uma hora para conseguirmos acessar a cela dele.
Simon estava sozinho numa cela pouco iluminada. Não havia pintura nas paredes, somente o cimento, cru, despedaçando, cheio de palavrões e nomes de pessoas escritos. A grade era grossa e trancada por chave e fechadura. Havia um beliche e dois colchões sem lençóis. Nada mais além daquilo.
Assim que nos viu andou até nós, surpreso:
- Se não é minha filha. – ele falou com voz mais fraca que o normal. – Veio ajudar o papai?
- Vim ver com meus próprios olhos sua destruição.
- E trouxe Panetiere para quê? Quer que eu lhe consiga algo para cheirar? – ele ironizou. – Talvez eu possa indicar um local, Panetiere. Mas não se preocupe que sem seu pó você não fica, amigo.
Tom riu sarcasticamente:
- Daqui você não consegue indicar nada nem ninguém, Dawson.
- Uma união pouco provável. – ele nos olhou. – E certamente para me destruir. Sinceramente, não tenho medo de vocês dois... A ingênua e o drogado.
Tom tentou pegá-lo pela grade, com toda sua fúria, mas Simon já estava há passos atrás, num lugar seguro para ele.
- Tom, está tudo bem. – tentei acalmá-lo. – A ingênua o colocou na cadeia. E o drogado acabará com a paz dele aqui dentro. – olhei para Simon. – Só vim aqui dizer que eu fui a responsável pela sua prisão. Eu, a ingênua e abandonada filha, mau criada por Olga, consegui tocá-lo naquela cidadezinha onde você achava que jamais seria pego. E adivinhe? Você está em todos os canais de televisão.
- Agradeça a fama à ela. – Tom debochou, curvando-se à minha frente.
- Você ameaçou... E mandou o aviso. Eu nunca fiz ameaças. Eu esperei por justiça quase 28 anos da minha vida. E agora ela chegou.
- Acha mesmo que vou ficar aqui?
- Eu não sei... Mas Joana não vai ter muito tempo para ajudar você. Ela está envolvida num jogo de prostituição pelo que eu soube.
- Isso... É mentira.
Eu ri:
- Claro que é... A mentira que eu inventei para todo mundo. Acha que ela é inteligente o suficiente para se livrar disso?
- Acho que não. – disse Tom. – E aposto que ele também sabe disso.
- Eu estou disposta a gastar cada vintém que tenho para acabar com você. Vamos começar de leve... – olhei para Tom.
- Tortura psicológica? – Tom indagou.
- É um bom início. Mas eu pensei em algo que ferisse a dignidade.
- Estupro?
- Gosto disso. Depois de adulta eu soube que minha mãe passou por isso. Ela nunca teve coragem de me contar. Ainda tentou me poupar, até o fim. Mas sabe, Tom, eu dei a este homem todo o dinheiro que eu tinha guardado para o meu futuro... Em nome da salvação do meu “irmão” doente. O que poderíamos fazer com relação a isso?
- Acho que a solitária por uns tempos seria bom. Sem comida, sem banho. Aliás, o banho aqui é gelado. A comida é péssima. E estou dando um jeito de você ter que talvez brigar por ela. E cuide-se com algum fio desencapado por onde andar.
- Nicolas levou um tiro... Como aviso. Acho que eu poderia ser a próxima vítima, Tom.
- Existem armas brancas por todos os lugares dentro deste presídio. E infelizmente nosso traficante preferido nunca esteve numa prisão antes, então pouco conhece sobre o que acontece aqui dentro. É muito fácil levar uma facada... E difícil se curar às vezes, devido aos poucos recursos... Principalmente aos pequenos vendedores de drogas que se acham Pablo Escobar porque compraram o delegado com uma graninha. Confia mesmo que sua família estará aqui com você, cuidando para que tudo ocorra de forma correta e não haja nenhum tipo de injustiça na sua estadia neste hotel de luxo?
Simon nos olhou sem dizer nada. Mas eu sentia medo nos olhos dele, pela primeira vez. No fundo, acho que ele sempre foi um covarde. Apanhou de Otto até sangrar inúmeras vezes, sem mover um dedo. E sempre que agiu, mandou alguém fazer e não ele com as próprias mãos.
- Eu perdi meu bebê, Tom... Uma vida que nascia dentro de mim.
- E eu encerrarei nosso momento da mesma forma: depois de tudo que mencionei, Simon Dawson morrerá misteriosamente. Acha que ele seria capaz de se suicidar por ter sido um homem tão horrível com a própria filha?
- Eu acho que sim... E eu já tenho até a carta que ele deixará por escrito, se desculpando com sua filha Juliet e os dois meninos que ele não vê. E adivinha? Na carta ele menciona que Joana faz parte de todo o esquema de compra e venda de drogas.
- Como você é má, gatinha. – Tom falou debochadamente.
- Sabe quem me ensinou, Tom? – olhei para Simon.
- Aposto que foi o papai.
- Exato.
- Eu não tenho medo de vocês. – ele disse com a voz trêmula.
Eu ri:
- Otto acabou com você por duas vezes. Ele adoraria bater em você até ver seu sangue todo escorrer do corpo e sua respiração parar. Mas ele é muito bondoso para saber o que irá acontecer com você de verdade.
- E você não aprendeu com ele sobre bondade? – Simon questionou.
- Acho que sobre isso o sangue seu que corre dentro de mim falou mais alto. Adeus, “papai”.
- Eu duvido que farão qualquer coisa contra mim.
Eu já estava andando e parei:
- A carta de suicídio está pronta. Eu já mencionei que adoro escrever cartas?
Dizendo isso eu saí, sem olhar para trás, sentindo meu corpo leve e minha missão cumprida. Eu poderia agora viver em paz e sem medo. Porque sabia que ele pagaria por cada pecado e crime que cometeu. E no fim, não estaria vivo para perturbar mais ninguém, especialmente eu e as pessoas que viviam comigo.
Se eu conseguiria conviver com o peso da morte dele? Eu acho que jamais teria certeza se realmente aquilo se concretizaria ou não. Porque eu não queria mais saber. No entanto, nunca duvidei de Tom e do poder que ele tinha. Sobre a carta de suicídio? Sim, estava escrita. E já fazia mais de um ano. Eu sabia que Simon Dawson jamais pediria perdão a ninguém. Mas eu o faria pedir, por escrito e assinado: a mim, a Nicolas, aos meninos e especialmente à minha mãe.
Passei mais um tempo com Tom, falando sobre o pequeno Ivan. A forma como ele falava do filho tinha tanto amor e carinho que não parecia o mesmo homem que eu conheci. Nos despedimos e voltei para casa no final do dia. Otto já havia chegado.
- Chegou a ver as notícias hoje? – ele me perguntou, com um jornal na mão.
- Não abri meu computador. – falei, jogando minha bolsa no sofá e deitando em cima dela. – Só você lê jornal impresso, pai.
- Ainda bem que leio... Veja que notícia interessante: “O dono do Paradise Resort – nome não autorizado para divulgação – se casará amanhã, com Vivian Nepocemo. A cerimônia será restrita somente a convidados mais íntimos, numa pequena área da praia particular do noivo. A noiva usará um vestido feito por um estilista italiano, exclusivo para ela. A imprensa não poderá participar do evento, tampouco os convidados poderão usar qualquer tipo de aparelho que possa fotografar ou filmar o casal. Detalhe: nenhum convidado entra se não estiver usando branco, por decisão da noiva.”
Senti meu coração bater tão forte que achei que iria morrer. Levantei e senti o sangue ferver dentro de mim.
- Pelo visto ele não vai esperar por você até os trinta anos. – Otto observou.
- E você parece achar isso certo, Otto.
- Sinceramente, eu acho.
- Quer mesmo discutir isso? Eu fiquei menos de um ano longe dele... Para protegê-lo, entende? E... Eu liguei várias vezes... Só para ouvir a respiração dele do outro lado. Porque ele não fala comigo... Mas também não desliga o telefone. – confessei. – Mas para mim, saber que ele estava ali... Era o suficiente. – senti meus olhos embaçarem com as lágrimas.
- Acha mesmo que Nicolas queria você longe? O engraçado é que ele encontrou logo outra substituta. Será que o amor dele era mesmo tão forte quanto o seu?
Peguei o jornal das mãos dele e reli a reportagem. Depois amassei tanto a folha que chegou a doer minhas mãos. Levantei e andei de um lado para o outro, nervosa, passando os dedos nos meus cabelos. Será que novamente eu o perderia? E desta vez, para sempre? Tudo que eu fiz foi pra protegê-lo.
- Não acha que levou a sua vingança pessoal contra Simon longe demais?
Senti as lágrimas escorrerem quentes pelo meu rosto ardente:
- Eu pedi para Nick me esperar. Juro que achei que levaria mais tempo para conseguir prender Simon. Nicolas e eu ficamos seis anos separados e ele não casou. Agora eu me afasto menos de um ano ele encontra uma esposa?
- Isso poderia acontecer. Você pagou para ver.
- Somos Nicolas e Juliet, Otto... O senhor perfeito e a rainha do drama. Nós não poderemos ser felizes separados... Nunca. Porque nós fomos feitos um para o outro, entende?
- Acho que ele encontrou alguém para substituir a rainha do drama.
Abri meu computador e fui verificar onde eu pudesse encontrar a hora do casamento. Mas não havia em lugar algum.
- Porra, eu odeio o fato de Nick ser um fantasma na internet.
Otto riu:
- Posso perguntar o horário para Lorraine.
- Não havia pensado nisso... Como sou idiota.
- Qual sua ideia? Acabar com o casamento do pobre rapaz?
- Ele ainda teve a coragem de casar com uma Vivian... Isso foi muito cruel da parte dele, pai.
- Por quê?
- Eu... Não posso contar. – corei.
- E eu não quero sequer imaginar. – ele falou.
Fui até meu quarto e comecei a jogar minhas roupas dentro das malas, com ódio.
- Ei, aonde vamos?
- Vamos para Paraíso, pai. Agora mesmo.
- Mas... Nem vimos se tem voo para lá.
- Eu tenho dinheiro... Vou de jatinho, se precisar. Está tudo guardado, para um caso de emergência. Nunca usei esta porra pra nada...
- Isso é mesmo uma emergência.
- Pai, arrume suas malas.
- Juliet, querida, por que arrumar as malas? Ele vai casar. O que você vai fazer com suas malas em Paraíso?
- Estamos voltando para casa, pai. Porque agora eu sei que não importa onde eu vá, Nicolas é o meu lar. E onde ele estiver, eu também estarei.
- Você não tem direito de estragar o casamento dele.
- Eu tenho exatamente dois anos e um mês de prazo... Então sim, eu vou acabar com o casamento dele. Nenhuma Vivian fajuta vai tirar Edward de mim.
- Acho que você não está bem, Juliet. Do que está falando?
- Ah, pai, melhor você não entender. E sim, eu estou bem... Como nunca estive antes.
Otto foi arrumar as malas. Depois de tudo pronto, fomos para o aeroporto.
- Lorraine falou que o casamento é às dez horas da manhã.
- Pai, eu não acredito que Lorraine deixou isso acontecer.
Ele riu:
- Acho que você a abandonou também. Então talvez ela esteja feliz com a nova mulher de Nicolas.
- Quem é a louca que decide casar às dez horas da manhã? – olhei no relógio. – Pai, acha que chegaremos a tempo?
- De participar da cerimônia?
- Não... De acabar com ela.
Conseguimos passagem somente para o primeiro voo do dia seguinte. Como o resort era muito requisitado, Paraíso era sempre um lugar difícil de conseguir passagem.
- Acho que podemos ficar num hotel aqui perto para descansar, filha. Depois viemos, mais perto do horário de partida.
- Nem pensar. – falei sentando numa cadeira plástica no terminal. – Vou ficar aqui até chamarem o voo. Não quero correr o risco de perder.
- Será que já não perdeu, filha?
- Enquanto ele estiver vivo, não estará perdido, pai. Eu sei tudo que eu fiz errado... E não me refiro somente a minha fuga do hospital. Eu errei desde que escolhi Simon, há nove anos atrás e o deixei partir da minha vida. Mas desta vez eu errei tentando acertar. Eu fiz tudo para proteger ele, Lorraine, Felipe e Vitória. Eu devolvi a parte dele do resort, impedindo que Simon ou Joana tomassem conta de tudo, que era o que aconteceria se tivessem posse das ações. Eles quereriam mais depois de ter as ações... Não se contentariam só com isso. Eu consegui prender Simon, acabar com Joana... E no fim eu perco Nicolas? Não... Isso não é justo, pai. E não vai acontecer.
Otto alisou meu rosto carinhosamente:
- Você fez muito mais do que eu imaginava. E embora possa ter errado, fez tudo por amor. Espero, do fundo do meu coração, que ele possa perdoá-la.
Só de pensar em não ser perdoada, senti meu coração doer e se quebrar em mil pedaços. Novamente não segurei as lágrimas. Deitei minha cabeça no ombro de Otto e fechei meus olhos. E como um flash voltei àquela noite de março, no Manhattan, aos meus dezoito anos, quando meus olhos se cruzaram com os dele pela primeira vez... Depois quando fomos apresentados por Val... O momento na escada, em que eu disse que seríamos melhores amigos por conta do contato dele com Cadu. A carta que pedi para ele entregar... A primeira vez que ele me abraçou, quando disse que Cadu estava com outra. A vez que briguei com ele porque Cadu não apareceu, o chamando de imperfeito. O celular que ele me presenteou e a forma como nos tocamos enquanto ele escondia a caixa... Acho que naquele momento, quando meus braços envolveram ele pela primeira vez, eu sabia que Nicolas Welling era o amor da minha vida. A vez que ele apareceu do nada na minha casa... O amor imediato que minha mãe sentiu por ele. Dormirmos no mesmo quarto, mas em camas separadas. O primeiro toque mais íntimo, através de uma massagem. A bebedeira... Em que fui parar na casa dele e vomitei nos seus pés depois de pedir um beijo. Ser trocada por Val quando eu já sabia que estava louca por ele... E fazer ciúme com o melhor amigo. Ser carregada no colo e levar tapas na bunda, fingindo estar bêbada para poder me abraçar a ele sem culpas ou julgamentos. A vez que ele me tocou sob o cobertor... E que eu deixei todo refrigerante virar sobre nós. Nosso inesquecível primeiro beijo, em que ele me levantou pela primeira vez na sua altura, para que eu pudesse alcançar sua boca. E os tantos outros beijos, sempre inesquecíveis. O surgimento oficial do senhor perfeito e da rainha do drama. A minha formatura e noite em que fizemos amor pela primeira vez. A compra da moto amarela, o show do TNT, o motel japonês. A primeira briga, por uma pessoa que não merecia minha consideração de forma alguma. O adeus... Minhas lágrimas que pareciam que nunca mais cessariam. O reencontro, depois de tantos anos. A dor de vê-lo com outra pessoa. Nossos beijos apaixonados quando ele dizia que não os queria... O encontro louco atrás do restaurante. A briga com Tom... A chegada de Dani e Lorraine. Fizemos amor na minha cama, na cama dele, no chão, na saída de emergência do Shopping, no banheiro do Manhattan, no banheiro da boate do resort, no banheiro da casa dele, no banheiro da minha casa nova... E da velha também. Teve também algumas vezes na minha sala. Sem contar o motel de beira de estrada, que não valeu... E os hotéis de luxo, que podem ter sido um dos locais onde fizemos nosso bebê. Eu fui Vivian, de uma Linda Mulher, por uma noite. Mas eu queria ser Juliet Welling para sempre, a rainha do drama do senhor perfeito. Eu lembrava tão claramente das palavras dele: “Só existe senhor perfeito para você”. “Te amo ontem, hoje e sempre”, “Saudades de nós”. “Você está aí? Sempre.” Eu duvidava que Nick poderia ter aquilo com outra mulher... Porque eu jamais senti ou vivi aquilo com outra pessoa. E poderiam passar anos e anos e ele ainda estaria vivo dentro de mim, como se eu o estivesse vendo pela primeira vez, numa noite de sábado, no Manhattan Bar.
Acordei com o som dentro do aeroporto chamando o nosso voo.