Capítulo 130
2461palavras
2022-07-25 06:23
Um mês depois e eu já não aguentava de saudade. Achei que seria fácil ficar sem Nicolas, mas era muito mais difícil do que eu imaginei. Este tempo me dediquei exclusivamente ao livro e aos meus pensamentos. Fiquei sozinha com minhas culpas e arrependimentos. Mas ouvir a voz dele me daria ânimo para seguir em frente e concretizar meu objetivo final.
Eu não precisava de número dele gravado na memória do celular... Porque ele era o único número que eu tinha decorado na mente.
- Alô? – ouvi a voz do outro lado da linha.
Já era tarde da noite. Eu já o imaginava deitado na cama, sem camisa, com seu meio sorriso, tentando parecer sério. A voz dele me acalentava e trazia ao meu coração a sensação de paz.
- Como você está? – perguntei um pouco sem jeito.
- Depois de trinta dias da sua partida? Bem, se eu morresse você já teria sabido, não é mesmo? Ou não? E afinal, se importaria?
- Fiz o que achava certo... Precisava proteger todos.
- Fugindo? Sequer me deixou ficar com você e sofrermos juntos a nossa perda.
- Eu tenho um plano... Eu juro.
- Sabe o que me dá mais medo ainda? Você ter um plano.
- Você não confia em mim, Nick?
- Deveria, Juliet?
- Eu confiei em você...
- Volte para mim.
- Não posso agora. Estou há um passo de conseguir o que vim fazer.
Ele não disse nada. Eu conseguia ouvir o som da respiração dele do outro lado da linha.
- Nick, você está aí?
Não houve resposta.
-Nick?
Porra, por que ele ao menos não desligava? Eu só queria uma resposta... E ele não me daria.
- Nick?
- Não posso, Juliet... Não posso dizer o que você quer ouvir.
- Não é só sobre justiça... Por você, por mim, por nosso bebê. É também sobre eu mesma, entende? Eu preciso saber o que eu quero. E não é o que eu sinto por você que está em jogo, porque isso nunca contestei. Eu preciso me encontrar... Aceitar-me e me perdoar por tudo.
- Nunca ninguém a culpou.
- Mas eu me culpei. Eu dei o dinheiro a ele, Nick. Eu deixei ele se aproximar, sem ouvir minha mãe... Eu deixei que ele a encontrasse e talvez isso tenha sido a causa da morte dela. Ela fez tudo por mim e o que eu dei em troca? Virei as costas para ela, fui rebelde, tola, fechei meus olhos e ouvidos a tudo a minha volta.
- Você só tinha dezenove anos.
- Por isso mesmo... Dezenove anos que eu só tive ela e nada mais. Então ele retorna e eu finjo que ele nunca se foi, que sempre esteve ao meu lado. Eu cheguei a pensar que gostava dele... E que ele gostava de mim e pudesse estar arrependido de ter me deixado.
- Juliet, isso passou... E você precisa esquecer e superar.
- Juro que estou aqui para tentar esquecer... Que ele me rejeitou quando eu nasci, que nunca quis saber se eu estava viva ou morta ou se tinha o que comer... Enquanto sustentava e amava uma filha que não tinha o sangue dele. Para ele sempre foi como se eu nunca tivesse sequer existido... Até ele precisar de mim. Então, quando eu vou para Paraíso, ele descobre que eu posso ser a solução de todos os problemas dele. E decide usar do amor... Que eu sinto por você... Para me destruir. Ele é meu pai, entende? Por mais que eu tente dizer que não, ele é... E ele me odeia. E eu desejo a morte dele mais do que qualquer coisa na minha vida.
- Me deixa ficar com você...
- Me deixa tentar voltar sem culpas... Livre de tudo que me amarra ao passado.
Ouvi o suspiro dele:
- Não posso lhe fazer esta promessa, Juliet.
- Ainda assim vou seguir com meu cordão no pescoço... Na certeza de que somos um só, Nick. E que a chave do seu coração pertence só a mim e mais ninguém.
- Eu só quero você... Sempre foi assim...
- Eu não quero ser uma mulher com o coração quebrado em mil pedaços, que todas as noites deita ao seu lado e não dorme por saber que o próprio pai foi responsável pela perda de seu filho... E a quase morte de seu namorado... E a provável morte de sua mãe.
- Eu posso ajudar você.
- Quando seu pai empurrou a sua mãe, você sabia que era hora de pegar suas coisas e ir embora, levando-a junto. E ninguém poderia fazer nada por você... Só você mesmo. Agora é a minha vez...
- Quanto tempo isso vai levar?
- Eu... Não sei.
Ficamos em silêncio, cada um absorto em seus próprios pensamentos.
- Nick? – perguntei.
Não houve resposta. Então eu disse:
- Amo você. – e desliguei.
Seis meses depois e Pecados no Paraíso foi lançado oficialmente. Tom Panetiere já dava entrevistas em vários locais e começava a arrastar uma legião de fãs. Eu nunca saberia se era pelo fato de ele ser lindo, gostoso ou um ex drogado que deu milhões a uma esposa que nunca lhe deu amor. Jamais mencionei o fato de ele ser ruim de cama, pois seria uma canalhice da minha parte. De todos os contratos assinados, em nenhum autorizei meu uso de imagem. Ninguém conhecia Juliet Franco por trás da história. Era somente a Rainha do Drama. Entrevistas somente por escrito. Nem sequer o som da minha voz foi usado em nenhum veículo de comunicação. Simon Dawson se transformou em Simão Donaway, o traficante intocável de uma cidade fictícia. Nela tinha um resort também com um nome fantasia. Tudo muito bem planejado e pensado com calma. E no início, assim como no final do livro, em letras garrafais: ESTE LIVRO É BASEADO NUMA HISTÓRIA REAL. SOMENTE TOM PANETIERE AUTORIZOU O USO DE SEU NOME. O RESTANTE DOS PERSONAGENS, EMBORA REAIS, POSSUEM NOMES FICTÍCIOS, PARA PRESERVAR SUA VERDADEIRA IDENTIDADE.
Dois meses depois do lançamento, comecei a ligar para repórteres conhecidos e que estivessem interessados em saber a verdade sobre a história do livro.
Mas somente um entrou em contato comigo, com interesse sobre o nome do homem por trás do atentado contra o senhor perfeito e consequentemente a perda do bebê. Ele queria saber se ele era mesmo real e intocável.
Minha resposta foi:
- O que você faria se eu lhe desse o nome real dele?
- Bem, eu faria uma reportagem investigativa... E colocaria na mídia, caso você autorizasse.
- Que tipo de mídia? Local?
- Acho que podemos falar da mídia nacional, Rainha do Drama. E talvez até mesmo internacional. Afinal, não temos um resort de luxo nesta história, onde somente os mais afortunados se hospedam? Estamos falando de drogas... Extorsão... Corrupção ativa e passiva da polícia... E acho que outras coisas que você bem sabe, pois relatou cada detalhe.
- Podemos nos encontrar? Quero falar com você pessoalmente. – falei sentindo meu coração acelerar dentro de mim.
Era exatamente isso que eu queria. Chamar a atenção de alguém para dentro da história, mas deixando de fora o romance... E se atendo aos crimes e injustiças que estavam acontecendo naquelas linhas.
E assim, em menos de dois dias, revelei a ele o nome de Simon Dawson.
Um mês depois, o nome do homem que engravidou minha mãe estava na mídia nacional. E foi preso. E não houve delegado corrupto que pudesse salvá-lo. O delegado de Paraíso foi substituído e passou a ser investigado. E eu assisti tudo pela televisão... E jornais locais, que Otto fazia questão de comprar.
Eu e Otto ficamos dez meses presos num pequeno apartamento na capital do país, onde eu conseguia fazer minhas divulgações sobre o livro e pequenas viagens, enquanto esperava por justiça contra Simon Dawson.
Estávamos isolados ainda com medo de Simon e sua possível influência fora de Paraíso. No fim, acho que o poder dele não ia muito além daquela pequena cidadezinha.
Com Simon preso, finalmente eu fiz minha primeira ligação para encerrar de vez meu plano. Claro que aproveitei uma saída de Otto.
- Alô? – ouvi a voz masculina do outro lado, sentindo um leve frio na minha barriga. Era bom ouvir som da voz dele depois de tanto tempo.
- Tom?
- Gatinha?
Eu ri:
- Eu mesma.
- O que houve? Está tudo bem com você?
- Comigo sim. E com você? Como vai a fama?
Ouvi a risada divertida dele do outro lado da linha:
- Se eu disser que gostei, você acreditaria?
- Claro que sim, Tom. O playboy mais requisitado do país. – eu ri.
- Eu soube do seu bebê... Sinto muito.
- Como está o seu filho? – troquei de assunto.
- Ser pai é legal.
- E Gabriela?
- Bem... Não deu muito certo nós dois.
- Aposto que você está aproveitando a fama e “pegando geral”.
- Mais ou menos isso. Mas caso queira volta, juro fidelidade.
Eu gargalhei.
- Mas você não entrou em contato comigo depois de tanto tempo para saber sobre a minha vida, não é mesmo, gatinha?
- Infelizmente não.
- Pode falar, gatinha. O que você quer de mim?
- Eu sei que você conhece muita gente por aí, Tom.
- Sim, muitas... Boas e más.
- Era tudo que eu queria ouvir: “más”.
- O que você quer com pessoas más, gatinha?
- Tom, é possível infernizar alguém na cadeia? Ou até mesmo matar?
- Gatinha, com grana tudo é possível. E com os meus contatos então... Garantido. Quer matar seu pai com suas próprias mãos? – eu não sabia se tinha ironia ou não na frase dele.
- Posso contar com você e seu sigilo, Tom?
- O que eu ganho em troca?
Fiquei em silêncio, chateada com a pergunta dele.
- Estou brincando, gatinha. – ele riu. – Quer acabar com Simon Dawson, o traficante procurado que apareceu em todos os canais de televisão?
- Sim.
- Sem problemas. Desde que você não faça um livro parte dois e conte sobre isso também, citando meu nome.
- Eu juro que nunca faria isso, Tom.
- Quanto tempo eu tenho, gatinha?
- O mínimo possível, “gatinho”.
Ele riu:
- Agora juro que posso fazer em menos de 24 horas.
- Faço questão de pagar cada centavo.
- Não é necessário.
- Tenho dinheiro, Tom. E fruto do meu trabalho, acredita? Eu escrevi um livro...
- Estou orgulhoso de você, gatinha.
- Até eu estou orgulhosa de mim mesma. E aposto que minha mãe também.
- Todos estão orgulhosos de você. E eu sempre soube que você chegaria muito longe.
- Obrigada por tudo, Tom.
- Você não precisa me agradecer. Acho que o tempo que ficamos juntos foi o que nos salvou, não é mesmo? Precisávamos um do outro.
- Hoje eu entendo desta forma. Você me salvou na época... Do seu jeito, mas me salvou.
- E você me salvou depois.
- Antes de começar a agir quero fazer uma visita ao detento.
- Isso não é muito legal, gatinha.
- Poderia ir comigo?
- Nicolas sabe disto?
- Eu... Não estou com Nicolas.
- Vocês terminaram?
- Não... É uma longa história, Tom. Mas estou com Otto. E não, ele não aprovaria, se é o que você está tentando saber. Por isso eu estou pedindo para você.
- Porque eu faço suas vontades?
- Não, porque você não tem escrúpulos.
- Isso doeu. Onde encontro você, gatinha? A escrupulosa que quer mandar dar uma lição no próprio pai antes de mandar matá-lo.
- Ele não é meu pai, Tom.
- Desculpe. Não vou mencionar isso novamente.
- Nos encontramos amanhã pela manhã... Na capital, pode ser?
- Você está morando aí?
- Sim.
- Ok, vou ver se Gabriela consegue ficar com Ivan.
- Você está com a guarda dele, Tom?
- Guarda compartilhada. Ela está morando no mesmo prédio que eu. Não consigo ficar longe do garoto. Ele é meu vício.
- Tom, fico tão feliz que você esteja viciado em Ivan.
- Sim, gatinha, sou completamente viciado no garoto.
Marcamos o encontro cedo na manhã do dia seguinte. Se poderia ser Nicolas a fazer aquilo? Não, não poderia. Nicolas era o senhor perfeito, correto demais para aquela missão. Se eu pedisse, ele faria, mas não porque queria e sim por mim. Nicolas era incapaz de fazer mal a alguém. Ele planejou uma vingança contra mim por anos que durou não mais de um mês. Nicolas achava que não existia drogas dentro do Paradise, assim como jamais conheceria alguém de dentro da cadeia.
Já Tom era o senhor imperfeito. Ainda assim eu podia contar com ele para coisas “imperfeitas” ou erradas que eu precisasse fazer. Eu nunca fui uma pessoa muito correta. Sempre agi por impulso. Mas desta vez não foi assim. Eu planejei por quase um ano o momento que eu estava prestes a vivenciar. E como eu disse, não era vingança e sim justiça. Porque no nosso país, em breve Simon e seu dinheiro comprariam a liberdade e ele viveria em sua bela mansão, de frente para o mar, no máximo com uma tornozeleira eletrônica, comendo bem, vivendo bem, com sua família completa, às custas de todas as vidas que ele destruiu, inclusive a da própria filha.
Ele não era um traficante forte a nível nacional. O único motivo que o fez ser preso foi realmente a questão do livro e a cobrança das pessoas em torno de justiça. Mas o que estava escrito naquelas linhas era só um pedaço do que acontecia no dia a dia, em todos os lugares, com várias pessoas. Ouvi dizer que ele poderia entregar traficantes maiores, o que poderia ser benéfico de um modo geral para a polícia.
Ninguém saberia sobre aquilo, a não ser Tom. Sequer Otto aprovaria minha atitude. Nem eu mesma sei se eu aprovava minha atitude. Mas encontrei alguém que não me julgaria e jamais tocaria no assunto: meu ex.
Coloquei o número de Joana em todos os sites de prostitutas e acompanhantes de luxo que encontrei, junto do endereço dela. E tinha fotos... Claro, todas tiradas do perfil dela das redes sociais. Em breve ela teria tantas ligações e pessoas procurando por ela que não daria conta de responder a todos. E inclusive passou pela minha cabeça que ela pudesse até gostar do empurrãozinho que eu estava dando na vida dela. Hora de cansar o corpinho plastificado e pagar por cada centavo que ela me devia em cirurgias. Era uma longa lista de dívidas que os Dawson’s tinham comigo: a morte da minha mãe, o dinheiro que me foi tirado, o tiro em Nicolas e a morte do meu bebê.