Capítulo 129
2207palavras
2022-07-25 06:23
Entrei em pânico ao ver o sangue escorrendo pelas minhas pernas:
- O bebê... – falei tentando entender o que estava acontecendo.
Nicolas apertou a campainha e em minutos apareceu uma enfermeira.
- Precisa ajudar minha esposa... Ela está sangrando. E está grávida.
A enfermeira veio até mim e disse:
- Aguarde um minuto...
Ela saiu e quando me dei em conta estava numa cadeira de rodas sendo levada. Comecei a sentir uma dor forte abdominal. De repente parece que tudo ficou claro demais... Eu ouvia vozes, mas não conseguia identificar de quem eram. Ou não queria... Eu não tinha mais lágrimas. E nem sei o que exatamente eu sentia. Já tinha sofrido demais e acho que não queria saber o que tinha acontecido com o meu bebê. Então preferi imaginar que aquele momento não estava acontecendo... Que era um pesadelo e que quando eu acordasse tudo estaria bem.
Mas infelizmente não era um pesadelo. Quando abri meus olhos, vi o quarto branco, assim como os móveis e tudo que estava ali. Novamente a claridade e luminosidade excessivas, ofuscando minha visão. Tinha uma enfermeira colocando algo no soro, conectado ao meu pulso. Minha boca estava seca e eu preferi ficar calada.
- Se sente bem? – ela perguntou.
Assenti com a cabeça, incapaz de falar, com medo do que ela poderia me dizer. Vi quando ela apertou a campainha e uma médica apareceu. Era mais jovem que os outros médicos que eu já havia visto.
- Como se sente, Juliet? – ela perguntou com voz suave.
- Não tenho certeza. – me limitei a dizer.
- Você teve um aborto espontâneo.
Olhei para ela com vontade de não ter ouvido aquilo. Gostaria de ter a opção de não saber o que tinha acontecido. Fechei meus olhos e respirei fundo, tentando não chorar.
- Vai ficar tudo bem. E você poderá ter outros filhos, sem problemas.
- Por que isso aconteceu?
- Pode parecer que não, mas é normal aborto espontâneo até 12 semanas de gravidez.
- Aborto não é normal. – retruquei secamente.
- Entendo que deve ser difícil para você receber esta notícia, Juliet. Mas você é jovem e se recuperará logo.
- Tive momentos de estresse nos últimos dias. Isso pode ter causado o aborto?
- Pode ter contribuído sim.
- O que eu faço agora? – perguntei mais para mim do que para ela.
- O ideal é esperar no mínimo três meses para engravidar novamente.
Ouvimos uma batida na porta e o médico de Nicolas entrou, acompanhado dele.
Nicolas estava numa cadeira de rodas, ainda recebendo soro.
Nossos olhos se encontraram e eu consegui sentir a minha dor nele.
- Carina, acho que podemos deixá-los um pouco a só. – falou o médico. – Meu paciente, Nicolas Welling, é o pai do bebê. Ele sofreu um atentado há poucas horas atrás
- Sem problemas. – ela olhou para mim. – Qualquer coisa é só me chamar, Juliet.
- Obrigada.
Os dois saíram e Nicolas levantou, vindo até mim. Eu vi lágrimas grossas rolando pela face dele.
- Está doendo mais do que o tiro. – ele disse.
- Nick, eu não tenho mais lágrimas...
Ele alisou meu rosto ternamente:
- Vamos superar isso... Juntos.
Juntos? Será? Eu já não acreditava mais nisso. Parece que enquanto estivéssemos juntos, Simon faria de tudo para acabar conosco.
- Eu fui culpada pelo seu tiro... E pela perda do nosso filho.
- Simon foi culpado. Pare de se culpar, Juliet... Por favor. Não suporto ver a sua dor e você carregar culpas que não são sua.
- Ele é “meu” pai...
- Não, ele não é o seu pai. É só o homem que engravidou a sua mãe. Ambos sabemos muito bem o significado da palavra “pai”. E ela não serve para Simon, muito menos para o homem que engravidou minha mãe e me criou.
- Eu já não sei mais o que fazer, Nick... – confessei.
- Nós vamos acabar com ele, Juliet. Eu juro.
- De que adianta, Nicolas? Isso nunca vai acabar. Parece-me que este homem é intocável. – eu peguei a mão dele e acariciei. – Eu deveria ter feito tudo diferente há oito anos atrás, quando ele me encontrou.
- O que você deveria ter feito diferente? Não estou entendendo.
- Se eu não tivesse aceitado ele, minha mãe não teria morrido. E você não teria partido, vindo para Paraíso. Não teria resort, não teria ambição, não teria ganância. Seríamos nós dois, Nicolas e Juliet, um casal normal, na nossa cidadezinha, vivendo uma vida pacata e sem tudo isso ao nosso redor.
- Se você quiser, eu largo tudo isso por você. Eu não me importo. Tudo que eu sempre quis foi você, rainha do drama... Só isso.
Eu sorri amargamente:
- Largar nas mãos dele para tentarmos voltar no tempo e sermos felizes, resgatando algo que ficou lá atrás?
- Nós já resgatamos o que ficou lá atrás, Juliet.
- Eu fiz tudo errado, Nick. Eu sempre faço tudo errado.
- Quando você vai parar de se culpar, Juliet? Isso não é justo.
- Você mesmo me culpou...
- E combinamos que não tocaríamos novamente neste assunto quando nos perdoamos.
- Nicolas, eu quero que saiba uma coisa: não importa o que aconteça, eu sempre vou amar você.
- Eu sei disto, rainha do drama. E não pense em me deixar. Porque eu jamais vou permitir isso.
- Você parece bem. – olhei para ele.
- Sim... Tive medo. Sabe o que pensei quando vi o sangue depois dos disparos?
- No que pensou, Nick?
- Pensei em você... E na possibilidade de nunca mais vê-la. Quando meus olhos se fecharam, sua imagem ficou comigo.
- Quer me fazer chorar de novo, seu insensível? – eu ri.
- Nós vamos ter outros filhos. Eu já decidi que no mínimo três.
Olhei-o tristemente:
- Eu cheguei a conhecer nosso bebê, Nick... A imagem que eu vi na tela nunca sairá da minha cabeça.
- E não deve sair, Juliet. Nós sempre lembraremos dele.
- Nem soubemos se era menino ou menina.
Ele alisou meu rosto:
- Isto não importa, Juliet. Importa que o amamos... Porque era o nosso filho, fruto do nosso amor.
O médico e a médica voltaram:
- Agora precisam se despedir. – ela sorriu. – Só mais hoje separados e amanhã pela manhã receberão alta hospitalar e irão para casa... Ou melhor, um resort.
Senti os olhos azuis dele sobre mim, temerosos por partir e me deixar sozinha.
- Pode usar seu celular para falar comigo. – ele disse.
- Nick... Antes de ir... Eu quero um beijo.
Ele sorriu:
- Você consegue sempre me surpreender, Juliet. Quando penso que já vi e ouvi tudo de você, percebo o quanto ainda tem para me oferecer.
Ele se abaixou com um pouco de dificuldade e seus lábios encontraram os meus, docemente. E eu queria poder tornar aquele toque eterno, mas não podia. A única coisa que consegui foi puxar levemente o lábio inferior dele com meus dentes, sem deixar marcas.
Ele sorriu:
- Amo você.
- Amo você, Nick... Para sempre.
Ele saiu e a médica continuou falando. Mas eu não conseguia prestar atenção em nada do que ela dizia. De repente, olhei para ela e pedi:
- Posso ver meu pai? Ele ainda está aí?
- Sim, está. Eu vou abrir uma exceção e deixá-lo entrar alguns minutos.
- Agradeço, doutora.
Minutos depois, Otto estava no quarto. Assim que me viu, ele veio até mim e me abraçou com cuidado.
- Filha... Eu não sei o que dizer. Viemos aqui pelo que houve com Nicolas e agora estamos com vocês dois hospitalizados.
- Pai, isso nunca terá fim.
- Como assim? Refere-se a Simon?
- Sim. Você sabe de tudo que aconteceu. Eu não escondi nada de você. Ele tentou matar Nicolas, ou me assustar. Ele me fez perdeu o meu filho.
- E qual será o próximo passo?
- Exatamente... Se eu não lhe der as ações, ele vai atentar contra você, pai. E depois vai partir para Lorraine, Felipe e até mesmo Vitória.
- E o que você pensa em fazer?
- Nós vamos embora.
- Embora? Como assim? De Paraíso? De volta para nossa cidade? De volta para casa?
- Será que ainda temos “nossa casa”, pai? Sinto que Paraíso não é nossa casa... Mas também nossa casa não é mais a nossa casa. Entende?
- Eu acho que sim. Às vezes também sinto isso... Como se tudo fosse provisório e nada realmente nosso.
- Eu recebi uma proposta de divulgação do livro. Vou aceitar.
- Não é muito cedo para você tomar esta decisão? Vai partir e deixar todos aqui, à mercê dele? Vai passar as ações para ele?
- Acha que eu deveria?
- Não seria a única solução?
- Eu não vou fazer o que ele quer, pai.
- E o que você vai fazer, Juliet?
- Uma vez eu queria vingança e achava que isso deixaria meu coração em paz. Hoje eu não busco isso. Eu só quero justiça. E a divina não vai acontecer pelo visto. Então vou em busca da justiça humana.
- Já vimos que denunciar este verme em nada adianta.
- Eu tenho um plano.
- Tenho medo quando você tem um plano... Mas estou disposto a ouvir.
Eu tinha pouco tempo, mas contei sem muitos detalhes o que eu já havia tramado caso tudo desse errado, como estava acontecendo naquele momento. Ao final, a única pergunta que ele fez, foi:
- E Nicolas?
- Ele vai esperar por mim.
- Eu sei que ele vai esperar... Por toda a vida dele. Mas como tem certeza de que ele vai perdoá-la?
- Porque ele sabe que não temos alternativas, pai.
- Acho que eu sempre vou apoiar você, Juliet. Independente das loucuras que você cometa.
- Obrigada.
- Como se sente com relação à sua perda?
- Destruída... Mas viva, infelizmente. A impressão q ue tenho é de que todos se vão... Mas eu fico.
- Não fale assim.
- Tento não lembrar dos planos que fazíamos ontem, como o casamento, o nascimento do bebê... Porque hoje eles não existem mais.
- Já sabe como vamos tirar você daqui sem que ninguém nos veja?
- Você disse que tem dinheiro guardado, não é mesmo?
- Sim.
- Então nós vamos subornar o mundo inteiro. Porque é assim que o mundo funciona: quem tem dinheiro manda. Quem não tem se submete.
E foi assim que fugi do hospital na madrugada do mesmo dia que perdi meu bebê. Eu e Otto fomos embora, sem deixar vestígios. Salvei o número de Isabelle e deixei uma mensagem para Lorraine:
“Cuide de tudo por ai, prima. Vou ficar bem, mas por hora preciso ficar sozinha. Pretendo retornar em breve para conhecer meu mais novo afilhado. Amo vocês.”
Para Nick, um mensagem de voz, pois seria talvez extensa demais para escrever. Mas havia algo muito maior esperando por ele.
“- Nick, lembra quando você me disse que eu nunca lhe escrevi uma carta de amor? Foi porque você foi diferente de todos os outros. Deixar de amar você é impossível, pois o que sinto por você corre nas minhas veias, junto do meu sangue. Mas eu preciso de um tempo. E não pense que é porque quero estar longe de você. Mas é porque preciso estar perto de mim mesma, como nunca estive. Eu preciso disso e sinto muito se isso vai lhe fazer sofrer ou magoá-lo. Estou vou ficar bem e me recuperar da nossa perda, assim como espero que você também consiga. Se o destino assim decidir, eu quero ter outros filhos seus. Mas por hora preciso me recuperar do bebê que perdemos, assim como de todas as perdas que tive ao longo dos últimos anos. Estarei providenciando a troca das ações em meu nome para o seu novamente, porque sempre deveriam ser suas e de mais ninguém. Jamais eu aceitaria Joana ou Simon donos do que nunca lhes pertenceu. E eu paguei para ver até onde ele iria. E o preço foi quase ter perdido você e no mesmo dia o abortado nosso bebê. Agora você estará seguro.Ele não pode chantageá-lo, pois não tem mais poder sobre mim, muito menos saberá onde estou. E quando ele souber, já não estarei mais lá. E enquanto eu estiver indo e vindo, ele estará se indo em definitivo. Espero que possa me perdoar um dia. E caso não possa, eu entenderei. Saiba que eu acho que sei quando me apaixonei por você. Foi quando “Eu o vi pela primeira vez numa noite como outra qualquer no Manhattan Bar. A banda tocava um pop rock enquanto eu dançava som contagiante da música, deixando que o efeito da bebida me deixasse mais zen... Quando abri os olhos novamente, você estava no mesmo lugar, conversando com alguém, sem desviar o olhar. Embora estivesse escuro e somente os flashes de luz nos iluminassem, era impossível não mergulhar nos seus olhos azuis estonteantes”.
E assim eu me despedi do único e verdadeiro amor da minha vida. Retirei o chip do meu celular e estava pronta para viver a nova vida que eu havia traçado com um único objetivo: justiça.