Capítulo 124
2666palavras
2022-07-25 06:19
Na manhã seguinte, antes de sair para o encontro com a possível organizadora do meu casamento, peguei o meu caderno de voltei a escrever mais uma vez. Começava a ficar ansiosa e feliz por poder contar a minha história com Nicolas.
Peguei meu notebook para ver algumas fotos do site que ela havia me indicado sobre casamentos na praia. Verifiquei minhas redes sociais, há quase um ano sem publicação alguma. Por mais incrível que pudesse parecer, Nicolas não tinha redes sociais. Só havia criado e bloqueado, talvez só para dizer que tinha e não ficar tão fora do mundo digital. Ele mal tinha tempo para a vida real, muito menos para postagens. Além do mais ele sempre foi bastante discreto e realmente aquilo em nada lhe agradava: exposição. Encontrei uma plataforma de publicação online e comecei a digitar a primeira parte da minha história. Não queria usar meu nome real, então optei pelo pseudônimo que muito me definia: “rainha do drama”. Ficaria ali, gravada, se alguém quisesse ler algum dia.
Depois do café, saí para o tal encontro na outra cidade. Havia salvo no meu celular algumas fotos que me interessavam. Eu não queria nada muito chamativo, mas ao mesmo tempo não poderia ser uma cerimônia tão simples... Afinal, era eu e Nicolas casando.
Saí na porta e Felipe não estava no horário combinado me esperando com o carro. Liguei para ele, que não atendeu na primeira chamada. Insisti e ele atendeu na terceira.
- Felipe, está tudo bem?
- Juliet, me desculpe. Estou com Lorraine no hospital.
- No hospital? O que aconteceu?
- Ela teve um leve sangramento. Mas pelo que o médico falou está tudo bem. No entanto ainda não liberaram ela.
- Vitória está com vocês?
- Não... Otto está com ela na nossa casa.
- Mas... Por que não me avisaram?
- Você ainda estava dormindo. Otto achou melhor ligarmos para você só depois de termos notícias concretas.
- Felipe, como ela está?
- Um pouco nervosa, mas vai ficar bem.
- Eu vou até aí.
- Nem pensar. Nicolas não quer que você saia sozinha em hipótese alguma.
- Onde vocês estão?
- No hospital de Paraíso. Mas não é para você vir... Como eu disse, está tudo bem. O médico garantiu que nem ela nem o bebê correm risco.
- Ok. Vou adiar o encontro com a organizadora então.
- Pode remarcar para amanhã. E me desculpe.
- Não há motivos para se desculpar, Felipe. Lorraine vem em primeiro lugar... Sempre.
- Eu vou dando notícias.
Claro que eu iria até o hospital ficar com minha prima. Só tínhamos uma a outra naquele lugar. Eu estaria ao lado dela. Fiquei preocupada demais para aguardar em casa. Ela devia estar apavorada... Agora eu entendia o que era o medo de perder um bebê.
Fui até a garagem e encontrei o carro de Nicolas. Comemorei em silêncio. Mas não achei na chave. Entrei na casa dele e encontrei Maria Emília deitada, lendo um livro. Enquanto eu subia, ela disse:
- Nicolas não está.
- Eu sei.
- O que você quer?
- A chave do carro dele.
- O que você quer com a chave do carro?
- Preciso... Lorraine está no hospital e quero ir até lá.
- O que houve com ela?
- Parece que teve um sangramento.
Maria Emília me entregou a chave e disse:
- Dirija devagar... Tente não ficar nervosa. Pode não fazer bem ao bebê.
- Ok. – assenti e sai.
Assim que girei a chave ouvi o motor e tive um pouco de medo. O carro de Nicolas era bem diferente do que eu estava acostumada a dirigir. Ainda assim eu iria ao encontro de Lorraine. Respirei fundo e dei a ré, devagar. Se eu ficasse calma e fizesse tudo tranquilamente, não tinha como nada dar errado.
Consegui sair da garagem mais fácil do que eu pensava e em alguns minutos me senti segura enquanto deixava o portão principal do resort. Eu havia dirigido pouquíssimas vezes na minha vida e guiar um carro importado nunca esteve na minha lista de desejos. No entanto, cá estava eu, dirigindo aquele veículo simplesmente perfeito e me sentindo poderosa.
Assim que avistei a ponte me senti ainda melhor, por saber que estava bem próximo do hospital. Assim que a atravessei, retornando para a estrada de chão batido e poeirenta, um carro cortou a minha frente e estacionou no meio da rua, quase fazendo-me bater nele. Parei nervosa quando vi descer um homem armado pela porta de trás, vindo diretamente para mim. Antes que eu conseguisse pensar, ele abriu a porta e sentou ao meu lado, encostando a arma na minha cabeça.
- Pode levar o carro... – falei num fio de voz. – E tudo que eu tenho...
- Dirija, benzinho.
- Mas... Eu... Não consigo. – falei completamente imóvel, certa de que não conseguiria dirgir, sentindo meu coração parecendo saltar pela boca.
Ele pegou o celular e ligou para alguém:
- É uma mulher. – o ouvi dizendo. – Não... Não é Nicolas Welling na direção.
Minhas mãos estavam trêmulas e eu conseguia ouvir as batidas do meu coração por fora do meu corpo.
- É você, Juliet? – o homem me perguntou.
Assenti com a cabeça, quase certa do que se tratava.
- Acho que você tem um encontro com o papai. – ele disse. – Venha para cá, eu dirijo.
Trocamos de lugar enquanto ele deu a partida e o outro carro desapareceu na nossa frente. Fiquei em silêncio vendo o carro passar direto pelo hospital e atravessando o centro da pequena cidade, entrando numa rua estreita que tinha saída para a praia. Ele estacionou e mandou-me descer do carro.
- Ele a espera na última casa.
Andei alguns passos e vi a casa pequena, com uma varanda na frente. Era alta do chão, de alvenaria e com uma pintura rosa antiga descascando. Os pilares da varanda eram de concreto antigo, que imitava grades grossas. As janelas, em madeira branca e sem ver pintura há um bom tempo, estavam gastas pela maresia. Subi os degraus altos e desparelhos feitos em cimento cru, entrando na porta entreaberta.
Encontrei Simon Dawson sentado numa poltrona confortavelmente, fumando um cigarro. A casa tinha poucos móveis e era escura. Além da porta entreaberta, não havia janelas abertas. O estilo antigo, atrelado à fumaça em demasia fazia parecer um filme de gângster, a contar pelo modo como ele estava sentado, com as pernas cruzadas e a roupa escura.
- Agora vem a parte que colocam um saco preto na minha cabeça e me torturam até a morte? – perguntei ironicamente, mesmo me sentindo amedrontada.
- Às vezes você me lembra sua mãe.
- Na parte de ser torturada por você?
- Não... Na de ser ingênua. E ao mesmo tempo falar demais.
Sentei sem ser convidada no sofá antigo de couro com cheiro forte, pois queria acabar com aquela conversa o mais rápido possível. E se ele fosse me matar, que acabasse logo com aquilo:
- O que você quer?
Ele ser recostou na poltrona, tranquilamente:
- Não era para você estar aqui, confesso. Era para ser Welling.
- Nicolas? – senti um frio na barriga.
- Por que você está com o carro dele?
- Eu... Não preciso lhe dar satisfações de porque estou usando o carro de Nicolas. – falei tentando evitar mencionar Lorraine. Quanto menos ele soubesse sobre a minha vida, melhor.
- Bem, não importa... No fim, acho que você é mais importante do que Welling, não é mesmo? Por que sequestrar Nicolas e pedir em troca uma pequena porcentagem de ações que você tirou de Joana sendo que posso pedir o resort inteiro para Nicolas em troca da sua vida, minha filha?
- Você seria capaz de sequestrar sua própria filha? – perguntei sentindo ânsia e repulsão como há tempos não sentia.
- Vamos ver... Eu acho que sim. – ele debochou.
- O que eu lhe fiz?
- Além de me denunciar como traficante?
- Como pode afirmar que fui eu?
- Juliet, Juliet... Você é ingênua, querida. Se acha esperta, mas não é.
- Você nunca vai me deixar em paz?
- Joana quer a sua parte do Paradise.
- Eu... Não estou entendendo.
- Confesso que tenho interesses no Resort por causa dos meus negócios. Mas herdar um resort de uma hora para outra levantaria suspeitas, não é mesmo?
- Então quer que eu dê a parte que Tom me deixou para Joana para que você possa manipulá-la e estar dentro do Resort da mesma forma?
- Joana não é manipulável, acredite. Sempre teve personalidade. Acho que por isso sempre fui apegado à ela. Desde criança Joana sempre soube o que queria: perspicaz, inteligente, focada... A pessoa ideal para me ajudar nos negócios. Confesso que ela me ajuda mais do que minha esposa, que teme as questões de segurança dos filhos. Por este motivo ela afastou os meninos de casa e se dispõe a ir quase diariamente vê-los. Mas Joana ela não conseguiu afastar... Porque a menina é apegada a mim... E aos nossos negócios.
- Ela usa o que você vende?
Ele riu:
- Pergunta engraçada.
- Não é para ter graça. Estou falando sério.
- Algumas vezes sim, outras não. Ela não é uma viciada... Mas se diverte com os amigos vez ou outra.
- E você? Ainda usa?
- Pouco... Bem menos do que antes. Preciso estar sempre atento.
- Pode ser mais claro no que você exatamente quer de mim?
Ele olhou no relógio:
- Temos exatamente uns cinco minutos. Então terei que ser rápido.
- Por que se preocupa com o tempo? Trouxe-me até aqui para termos uma conversa de menos de quinze minutos?
- Certamente o carro de Welling tem rastreador. Conseguimos inibir a localização por alguns minutos, não mais do que isto.
Fiquei olhando-o confusa. Não havia sequer pensado nesta possibilidade.
- Quero Joana com a parte de Panetiere. Por dois motivos: ela quer muito ficar lá dentro, pois planejou isso anos de sua vida. E porque preciso dela para continuar meus negócios, que você chama de ilícitos, dentro do Resort. Claro que você deve estar se perguntando por que faria isso, não é mesmo? A resposta é simples: porque se não fizer, eu vou acabar com Welling, Otto... Não sei qual dos dois primeiro. E não, eu não vou matá-los. Mas o que eu posso fazer com eles pode ser bem pior que a própria morte. Por vezes eu penso que você não me leva muito a sério. Então eu acho que talvez você queira pagar para ver. Mas a escolha é sua no fim.
Eu não falei nada. Sentia mil coisas diferentes dentro de mim, incapaz de descrever qualquer uma delas.
- Claro que você pode ir a polícia e contar tudo sobre esta nossa conversa. Mas ninguém vai acreditar em você, porque em pouco tempo haverá pessoas morando nesta casa e que nunca sequer me viram na frente. Pode me denunciar, mas eu sou intocável em Paraíso. E vou lhe contar um segredo: isso vai muito além desta cidadezinha fantasma. Mas é um assunto para uma outra hora. – ele levantou. – Foi um prazer ver você, Juliet Franco. E sinceramente, acho que seu nome ficou melhor assim. Se fosse hoje, eu não deixaria Olga colocar Dawson em você.
Ele me entregou a chave do carro e saiu, deixando a porta aberta.
Alguns minutos depois voltou e disse firmemente:
- Você pode contar a Otto sobre o que houve... Mas desta vez não vou aceitar que ele me bata. E não pense que eu vou mover um dedo para acabar com ele. Tenho pessoas que podem acabar com seu pai em segundos, com um tiro certeiro. Quanto a Nicolas... Bem, poderia ser um pouco mais demorado... Quem sabe uma tortura leve antes do tiro... Não tenho certeza. Penso que talvez Joana deva resolver o que fazer com ele caso você resolva contar o que houve aqui hoje.
Fiquei um tempo ali, imóvel e quando levantei não havia mais ninguém. Somente o carro estacionado.
Fui até lá e dirigi sem nem entender como cheguei ao hospital. Estacionei e não desci. Aquilo era surreal. Eu não queria que Simon soubesse sobre o bebê... Muito menos Joana. Ele não estava brincando. Eu acho que o subestimei. E sim, eu não temia por mim... Mas pelo meu filho, por Nicolas, Otto e as demais pessoas que eu amava.
Eu não contaria a Nicolas e Otto sobre o ocorrido. Isso poderia lhes trazer ainda mais problemas. E Simon querer mostrar mais uma vez que não estava brincando e machucá-los de alguma forma. Eu não conseguia me imaginar dando as ações que Tom me deixou para Joana. Mas ao mesmo tempo precisava arranjar uma forma de proteger todos nós... E acabar com aquele verme que engravidou a minha mãe.
Ouvi uma batida no vidro e dei um pulo, em pânico. Era Lorraine e Felipe.
- Não queríamos assustar você. – ele disse. – Desculpe.
Desci do carro e abracei Lorraine com força, deixando as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Enfim, ela estava bem... E eu acabada psicologicamente e com medo.
- Acalme-se, Ju... Está tudo bem. Eu e nosso menino ficaremos ótimos.
- É menino?
- Sim... – ela riu. – Está enorme... E bem. Você precisa ter uma menina. Quero que eles namorem.
Limpei as lágrimas:
- Sua boba... Eles serão primos.
- Mas podem se beijar... Tipo primeiro beijo, sabe?
- Querida, eles serão primos. Não podem fazer isso. – Felipe me deu razão.
- Quem disse que não? Onde tem escrito isso? Mostrem-me. São primos de segundo grau, porra. Podem dar uns “pegas” sem problemas.
- Só você para me fazer rir... – eu disse.
- O médico disse que o sangramento não é normal. Talvez eu tenha feito algum esforço... Mas não houve descolamento de placenta nem nada. Se fosse sangramento mais no início, tipo no seu estágio de gravidez, certamente seria aborto. Mas estou livre.
- Como vou saber se eu sangrar se é menstruação ou um aborto? – me preocupei. – Ainda menstruo normalmente. E o médico disse que pode acontecer.
- Acho que você deve perguntar para o seu médico, Ju. Todas as dúvidas devem ser tiradas.
- Eu marquei para a próxima semana. E já não uso mais a desculpa de não entender porque engravidei tomando anticoncepcionais.
- Por quê? – perguntou Felipe interessado. – O que houve?
- Descobri que não tomei tão regularmente quanto eu imaginava. Posso ter esquecido um dia... Dois... Ou até três. Quando eu dormia na casa de Nick, eu não tomava. Então às vezes tomava pela manhã, quando chegava na minha casa. E outras eu simplesmente esquecia.
Lorraine riu:
- Então... Eu sempre achei que alguma coisa não estava muito certa: além de menstruar normalmente você ainda afirmava tomar corretamente a pílula. Porra, por que você estaria na estatística dos 0.01%? Seria muito azar para uma só pessoa.
- Está me chamando de azarada?
- Foi mal... Mas seria mesmo.
- Ou sortuda... Afinal, eles estão bem felizes com o bebê que está a caminho. – lembrou Felipe.
- Verdade... Não vamos chamar a menina de azar... Ela é uma benção... Poderíamos chamá-la de Milagre.
- Sua boba...
- Quem sabe terminam esta conversa em casa e não na rua? – sugeriu Felipe. – Nicolas ficará furioso que você veio sozinha. E com o carro dele... Porra, como você dirigiu esta máquina? Eu sempre achei que você tivesse medo de dirigir.
- O que eu não faço pela minha prima querida... Que quer dar nome ao minha filha de “Milagre”.
Começamos a rir.
- Vamos então. – sugeri entrando no carro.
Girei a chave e os acompanhei no carro de Nicolas. Apesar de estar nervosa, eu havia me acalmado um pouco depois que encontrei Lorraine e Felipe. Eu não tinha certeza do que fazer para proteger todos. Mas o certo é que eu precisava agir.