Capítulo 116
1853palavras
2022-07-25 06:14
- Preciso ir ao toalete mais uma vez. – disse Lorraine apertando a barriga.
- Desta vez não vou acompanhá-la. Não quero passar a festa inteira no banheiro. – lamentei por ela.
- Quando você ficar grávida vai me entender, Ju. – ela disse saindo.
Servi-me de outro copo de espumante rosé doce enquanto observava Nicolas tentando encurtar as conversas com cada um que se aproximava dele. Frequentemente nossos olhares se cruzavam e então nos sentíamos seguros: estávamos juntos, mesmo separados. Aquele azul profundo fixo no meu olhar era tudo que precisava para me sentir tranquila e com meu coração aquecido.
- Espero que algum dia alguém olhe para mim como você olha para ele.
Ouvi Tom falando no meu ouvido, me assustando.
- Com certeza encontrará esta pessoa algum dia. – eu falei calmamente, sorvendo o restante da bebida do meu copo. – Onde está sua namorada?
- Ela não é minha namorada.
- Onde está a mulher que você “come”?
Ele gargalhou divertidamente:
- Fazia uns dias que eu não ria assim. Só você consegue fazer isso comigo.
- Não comece, Tom. – pedi procurando Nicolas com meu olhar.
Ele estava de costas para mim, conversando com dois homens. Felipe estava com ele e me lançou um olhar preocupado ao ver Tom.
- Joana deve estar procurando um homem mais rico... Ou que lhe ofereça um futuro.
- Você não oferece? – perguntei pegando outra taça de espumante.
Tom também serviu-se de uma, tomando tudo de uma vez.
- Ela sabe que entre eu e ela é só sexo... E que ela não tirará um centavo de mim.
- Fico feliz que esteja esperto quanto a isso.
- Pena que não fui com você.
Olhei seriamente para ele:
- Eu jamais quis o seu dinheiro.
- Mas se adaptou rapidamente a ele.
- Quem não se adaptaria, não é mesmo? Acabei recebendo presentes por causa das suas falhas enquanto companheiro. Enfim, não quero mais discutir isso. Nosso relacionamento está acabado. E não me importo mais com o que você pensa sobre mim. Aliás, nunca me importei. E também nunca fingi ser quem eu não era. Quando você insistiu para que morássemos juntos, sabia que eu não era rica... E trabalhava arduamente para pagar minhas próprias contas, pois não queria ajuda nem mesmo de Otto. Ainda assim a primeira coisa que você fez foi me convencer a sair do trabalho.
- Você odiava aquela porra.
- Mas continuaria lá, até encontrar algo melhor. É assim que a vida funciona para pessoas como eu. Não nasci em berço de ouro. Meus pais levaram uma vida se privando de coisas para guardar dinheiro para a minha faculdade. E eu dei tudo nas mãos daquele canalha. Eu decidi que pagaria o preço pela minha ingenuidade e decisão errada que tomei.
- Eu sei...
- Sabe o que, Tom? Que tinha vergonha do meu emprego? Por que nunca me disse isso? Por que levou seis anos para me dizer a verdade sobre o que pensava de mim? Acha mesmo que se eu tivesse qualquer tipo de interesse no seu dinheiro, teria saído sem nada, sabendo que eu teria direitos?
- Por que quereria meus míseros milhões se está com o que o homem que tem bilhões na conta?
- Quando conheci Nicolas, tínhamos o dinheiro da passagem contado, e por vezes o do táxi. Comíamos fast food no Shopping e estudávamos em escolas públicas. Ele economizou para me dar um CD e me levar num show... E comprou uma moto parcelada. – eu ri. – Você nem deve saber o que é isso, não é mesmo? Você nasceu sem precisar passar trabalho. Enfim, isso pouco importa. Nicolas sabe que o que meu sentimento é muito maior que dinheiro. Se ele quisesse, eu assinaria um documento abrindo mão de tudo que é dele... Assim como teria feito o mesmo se você pedisse. Se eu me importasse com dinheiro, não teria dado tudo que tinha ao sem-vergonha do Simon.
- Você não quis nada meu... Não faria diferença o documento.
Suspirei e olhei nos olhos dele:
- Eu só queria uma coisa de você.
- O quê? – ele perguntou curioso.
- Eu queria que você deixasse de usar cocaína... Eu queria poder ver o Tom que conheci há oito anos atrás... Que mandou um barman me levar pina colada. Que me observava atentamente, que sorria, que vivia a vida... Que eu gostava de encontrar casualmente. Aquele Tom era incrível... E por mais que eu não o conhecesse bem, eu cheguei a gostar dele. E foi por isso que dois anos depois lhe dei uma chance. Porque acreditava que poderia ser feliz com ele.
- De que adiantaria? Ainda assim você continuaria com Nicolas.
- Mas você ainda poderia ter a chance de conhecer a pessoa que o olhasse como eu olho para ele. A vida não acabou pra você porque terminamos nosso relacionamento.
- Eu só amo você.
- Não se deu a chance de conhecer outra pessoa. E não estou falando de Joana.
Lorraine veio na nossa direção e ele disse:
- Hora de ir. Não gosto de Lorraine.
Eu ri:
- Nunca conseguiu esconder que não gostava da minha família.
- Não é que eu não gostava da sua família. Eu não gosto de família... De nenhum tipo.
- Mas cogitou termos um filho. Então você tem esperanças que um dia mude seu conceito quanto a isso.
- Eu queria o filho com você... Para que não escapasse mais de mim.
- Tom, em que mundo você vive? Acha mesmo que um filho me faria ficar com você para sempre, mesmo não sendo feliz, mesmo com tudo que você faz hoje?
- Você me amou? – ele me olhou profundamente.
- Eu gostei de você... Ou não teria ficado ao seu lado por seis anos.
- No final, você não era mais a Juliet que eu conheci...
- Nem você o Tom que me encantava.
- Você é aquela Juliet com ele. – ele olhou para Nicolas, que coincidentemente virou para mim naquele momento.
Vi o olhar tenso dele e imaginei que logo ele viria até mim.
- Eu estou indo... – Tom disse, talvez entendendo que em breve Nicolas estaria ali.
- Se cuide, Tom. Apesar de tudo que aconteceu, eu ainda gosto de você. E acredito que sairá dessa. E se precisar de mim, vou estar aqui, sempre disposta a ajudá-lo a sair deste poço no qual você tenta se afogar.
- Não preciso da sua ajuda. – ele saiu.
- Ei, tudo bem? – perguntou Lorraine.
- Tudo certo... Só estávamos conversando.
- Depois de tudo que ele fez você ainda conversa com ele como se nada tivesse acontecido?
- Lorraine, ele me ajudou quando eu precisei.
- Ele tentou levar você para o mundo ridículo dele... E das drogas.
- Ele nunca me ofereceu.
- Seria o próximo passo.
- Não... Ele não faria isso.
Nicolas enfim conseguiu chegar até nós. Passou o braço sobre meus ombros e me deu um beijo leve nos lábios:
- Ele estava importunando você?
- Não... Não estava. – confessei.
Vimos Tom entrando na área dos banheiros e Joana indo logo em seguida.
- Acha que eles vão transar no banheiro? – Lorraine perguntou.
- Duvido... Acho que vão usar cocaína. – falei.
- Eles não teriam como entrar aqui com isso... Mandei vistoriarem tudo e todos na entrada.
- Nicolas, não seja ingênuo. – Lorraine riu.
- Nicolas Welling? – um homem veio cumprimentá-lo, começando uma conversa de negócios.
Eu fiquei ali uns minutos com Lorraine e depois fomos procurar uma mesa mais afastada das pessoas, com vista para a parte externa do resort, quase encostada no vidro que servia como parede. Felipe juntou-se a nós.
- Gostando da reunião de negócios, Felipe? – perguntou Lorraine.
- Diferente... Mas vou propor a Nicolas que me deixe na segurança particular dele... Ou mesmo do resort. Não gosto desta parte que ele quer me colocar.
- Mas Nicolas não tem segurança particular. – falei.
Lorraine riu:
- Assim como drogas não entram na festa.
- Eles são tão ingênuos. – disse Felipe.
Estreitei meus olhos e enruguei a testa, tentando entender o que eles tentavam dizer com meias palavras.
O garçom ofereceu bebida novamente, mas não aceitei. Já havia bebido além da conta e começava a ficar levemente tonta.
Logo Nicolas pegou o microfone e começou a fazer agradecimento aos donos da empresa. Alguns homens não saíam de perto dele, tentando uma chance de conversar com mais tempo.
A concorrência com os negócios era difícil naquela noite. E desleal. Fiquei mais tempo admirando-o de longe do que com ele.
Tom voltou do banheiro com Joana. Fiquei na dúvida se eles haviam ficado tanto tempo lá dentro ou se já haviam vindo e voltado e nem nos demos conta.
- Acho que foram mesmo transar. – disse Lorraine.
- Não entendo a tara das pessoas em transar nos banheiros públicos. – falou Felipe.
Eu ri:
- A mesma de se tocar no carro dos outros.
Enquanto eu acompanhava Tom e Joana andando, os olhos dele encontraram os meus. E o vi caindo lentamente no chão, parecendo desacordado.
Corri imediatamente até ele, que estava com os olhos fechados e suando. Parecia desmaiado. Logo várias pessoas se aglomeraram em volta dele. Nicolas apareceu e eu gritei:
- Chame uma ambulância... Ou ele vai morrer. – falei aos prontos enquanto segurava a mão gelada dele, que não se movia.
Nicolas pegou o telefone e ligou. Lorraine afastou todos da volta. Eu toquei o peito dele e o coração batia, mas muito rápido... Aquilo não era normal.
A ambulância do resort chegou em poucos minutos e o colocaram rapidamente numa maca enquanto faziam massagem no peito dele.
- Alguém o acompanha até o hospital? – a enfermeira perguntou.
- Eu vou. – falei sem pensar duas vezes.
Procurei por Joana, mas nem sinal dela no salão.
- Vá com seu carro, Nick. – pedi.
- Estarei atrás de você. – ele me tranquilizou.
- Vamos junto. – avisou Lorraine.
- Nem pensar. – eu disse. – Você está grávida.
- Felipe, leve-a para casa. – pediu Nicolas. – Chame Eliete e organize com ela o fim da festa.
- Pode deixar que cuidaremos de tudo. – garantiu Felipe.
- Dê notícias. – pediu Lorraine.
- Sim...
Segui com a mão na dele até entrarmos na ambulância. O som da sirene ligada lembrou-me quando estive no hospital, esperando notícias de minha mãe. Foi como um flashback na minha mente... Que não me fazia bem, por me trazer lembranças ruins e dolorosas. E Tom estava comigo. Lembro tão bem das palavras dele: “Já perdi minha mãe e sei o quanto é doloroso. A dor ameniza, mas nunca passa”. E aquela frase foi a mais verdadeira de todas. Jamais passou a dor da perda de minha mãe... Só me acostumei com aquele vazio e a falta que ela fazia na minha vida. Acho que Tom gostou da mãe... E tinha ligação com ela, diferente da relação que tinha com o pai e a irmã.