Capítulo 111
2411palavras
2022-07-25 06:12
Naquela manhã eu estava trabalhando na minha sala quando meu telefone vibrou. Era uma mensagem.
“Filha, gostaria de falar com você. Será que poderíamos almoçar juntos em Paraíso hoje? Há um restaurante na beira do mar, no centro da cidade, frequentado geralmente pelos moradores. Estarei esperando lá por você. Não tem cappuccino, mas os drinques são ótimos. Caso tenha dúvidas de quem mandou esta mensagem, sou seu pai verdadeiro, Simon.”
Confesso que a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi ignorar completamente a mensagem e fingir que nunca recebi. Mas a curiosidade era maior que qualquer coisa em mim. O que Simon, “meu verdadeiro pai”, que descobriu isso depois de 26 anos, quereria comigo depois do que houve na festa? Eu havia deixado bem claro que não cairia mais na conversa dele e achava que ele percebeu que a garota que ele enrolou anos atrás não existia mais.
Respondi a mensagem com um “confirmado”.
Saí alguns minutos antes do horário habitual do almoço para não ter que explicar a Nicolas onde eu iria almoçar.
Eu tinha a opção de ir com Eduardo, que era mais seguro, mas ele sabia muito bem quem era Simon e talvez fosse contar para Nicolas quando soubesse o que eu fui fazer. Ou pegar o carro e dirigir sozinha até lá e não precisar contar nem a Nick nem ao meu pai sobre o encontro, pois tenho certeza de que eles não aceitariam a minha curiosidade como desculpa para ir até o local. Escolhi a segunda opção.
- Mas, Juliet, você tem certeza de que vai dirigir sozinha? Quer ao menos que eu a acompanhe? – perguntou Eduardo quando eu solicitei o carro dele.
- Não. Quero ir sozinha... Pensei em conhecer Paraíso... Dar uma volta.
- Usando seu horário de almoço? – ele arqueou as sobrancelhas, com dúvida.
- Bem, se eu gostar, talvez demore a voltar. Então não quero atrapalhá-lo.
- Mas o senhor Welling jamais me condenaria por estar acompanhando você. Sabe muito bem que ele preza sua segurança acima de tudo. Eu fico aqui o dia todo a seu dispor, mesmo você não me usando.
- Edu, não crie caso. Só quero a chave e pronto. Não vou fazer nada errado... Eu garanto. É só um passeio inocente.
- Sinceramente, não vejo você fazendo um passeio inocente, Juliet.
Começamos a rir:
- Desta vez realmente é.
Ele me entregou a chave e disse:
- Vou falar ao senhor Welling que você me ameaçou com uma faca e fui obrigado a lhe entregar a chave.
- Nick não vai reclamar, eu garanto. Almoço e retorno, com o carro intacto.
Eu realmente não faria nada errado. Eu era adulta e sabia muito bem o que estava fazendo. O problema é que Nick e Otto jamais aceitariam este encontro de forma tranquila. Mas eu sabia que se não ouvisse o que ele tinha a me dizer, ficaria na dúvida para sempre. E não, eu não imaginava que fosse algo bom ou mesmo que ele estivesse arrependido de alguma coisa.
Encontrar o tal restaurante à beira mar, que ele mencionou, não foi difícil. O mais problemático foi estacionar o carro, sentindo minhas mãos trêmulas de insegurança e o suor da tensão começar a escorrer pelas minhas costas. E não era nervosismo pela conversa que eu teria em seguida... Era por simplesmente estacionar o carro. Dirigir definitivamente não era uma coisa que me agradava.
O restaurante era simples tanto externa quanto internamente. A parte de trás tinha um deck pequeno de frente para a praia. Simon estava sentado numa mesa próximo à janela, sozinho. Chegou a passar pela minha cabeça que Joana poderia estar com ele. Mas não estava.
- Sabendo que você tem dinheiro, me surpreende não querer um lugar com ar condicionado. Revivendo os momentos de pobreza... Ou tentando me fazer ter pena de você? – perguntei ironicamente.
Ele se levantou e tentou se aproximar de mim, mas sentei sem deixar que ele me encostasse.
- Você é cruel comigo, filha.
Olhei nos olhos dele:
- Se puder não me chamar de filha, eu agradeço. Não sou sua filha... Você é só o homem que engravidou a minha mãe. Eu sou filha de Otto.
- Acho que isso me ofende. – ele disse de forma tranquila, sem se alterar.
- Não foi para ofendê-lo. Só estou explicando minha posição com relação a isso. Aliás, estou tirando seu sobrenome. Vou me chamar Juliet Franco a partir de agora... Se Welling não vir antes. – sorri maldosamente.
- Chegamos ao ponto. – ele disse. – Welling... Sem rodeios, não é mesmo? Vi que você não está com vontade de uma conversa amigável.
- Pelo contrário... Eu vim porque confesso que estou curiosa.
- O que vamos pedir?
- No seu caso, não sei. Mas eu não vou pedir nada. Não gosto de comer em má companhia.
Ele levantou os olhos e ficou me encarando:
- Quando eu digo que sua mãe não lhe educou e não lhe deu limite algum, eu sempre estive certo.
- Não ouse tocar o nome da minha mãe... Ou eu acabo com você.
- Acaba como, exatamente? Quais seus planos?
Eu ri:
- Acha mesmo que eu contaria?
- Está novamente me ameaçando, filha?
- Estou.
Ele suspirou:
- Não esperava isso de você. Mas sou uma pessoa influente hoje em dia. Graças a sua ajuda, admito. Seu dinheiro foi muito importante para iniciar meus negócios.
- Como você tinha certeza de que eu conseguiria o dinheiro?
- Se você não conseguisse, eu sabia que Olga faria qualquer coisa para que eu não me aproximasse de você. Então de uma forma ou de outra, eu sairia com o dinheiro.
Senti como se ele tivesse cravado uma faca no meu coração. Mas não me dei por vencida. Chorar na frente dele era como admitir que eu era fraca e que as palavras dele me feriam de alguma forma.
- No fim, você precisou de mim ou dela para conseguir algo na sua vida. Irônico, não?
E sim, ele pediu comida. Parecia tranquilo para aquela conversa. E eu precisava ser forte e ir até o fim.
- Eu quero que você pare com a implicância com sua irmã.
- Eu não tenho irmã.
- Estou falando de Joana.
- Ela é sua filha legítima? – ironizei.
- Não... Mas é como se fosse.
- Ela continua não sendo minha irmã.
- Você sabe do que estou falando. Não tem sentido você maltratá-la da forma que vem fazendo.
Eu ri:
- Maltratá-la?
- Joana gosta de Nicolas... E sim, de tudo que ele pode lhe oferecer. Ela passou anos da vida dela ao lado dele. E agora você aparece e simplesmente a tira do jogo.
- Isso não é um jogo.
- Sempre foi... Um jogo de poder e dinheiro. É isso que ele significa. Ela teve chance de ter outros homens que passaram pela vida dela. Mas acabou focando nele. Você não pode simplesmente chegar agora e tirar isso dela.
- Eu não acredito que você me chamou para isso. Até parece uma brincadeira de mau gosto... Nicolas não é um objeto. Ele não está em questão... Não é um jogo, muito menos de poder e dinheiro. Eu e Nicolas nos amamos. E você não tem o que fazer com relação a isso. Não tem nenhum poder para impedir nosso relacionamento e deixar Joana ficar com ele. Entenda que ele jamais ficaria com ela, mesmo que eu partisse.
- Eu tenho sim poder para impedir que vocês fiquem juntos. Eu também sou muito influente em Paraíso... Mas não conheço as mesmas pessoas que Nicolas. Vivemos numa mesma cidade, mas nos relacionamos com lados opostos dela. Eu posso trazer muitos problemas ao Welling... E ao seu resort de luxo.
Eu sempre achei que Nicolas era intocável naquele lugar. E não tinha certeza até que ponto ele estava blefando ou não. Também não sabia exatamente o que ele queria.
Pensei e perguntei:
- Está ameaçando Nicolas e me deixando isso bem claro. Quer algo em troca, isso?
- Quero Joana com Nicolas.
Ele deixou suas intenções bem claras naquele momento, embora fossem até engraçadas.
- Isso é uma escolha dele, não minha, nem sua. Não é sobre “querer”. Aliás, falando em querer, eu quero o meu dinheiro de volta. Como você deixou claro, tem muito mais do que eu imagino, não é mesmo?
- Você não pode fazer nada com relação ao dinheiro que me deu. Eu não vou dar... Eu quero o resort.
Eu gargalhei:
- Você sonha alto...
- E você estragou nossos planos. Mas se quer seu dinheiro, ok. Eu lhe dou seu dinheiro, com juros. Em troca você vai embora e nunca mais volta para Paraíso.
Segurei as lágrimas e respirei profundamente. A comida dele chegou. Olhei para a mesa e senti meu estômago embrulhar. Tive vontade de vomitar... E não era pela comida... Era por aquele homem nojento que estava na minha frente.
Levantei e perguntei:
- Pode ser sincero uma vez na sua vida?
Ele levantou o rosto para mim, me encarando.
- Algum dia você gostou da minha mãe?
- Sua mãe foi um erro... Você foi um erro. Eu sugeri que ela abortasse, mas ela não teve coragem. Eu nunca quis que você nascesse. Por isso eu fui embora. Não estava preparado para ter um filho... Não tínhamos maturidade para você.
Senti uma lágrima escorrendo pelo meu rosto, que não consegui impedir. Limpei com força e perguntei, num fio de voz:
- Como conseguiu se afeiçoar à Joana?
- Eu amo a mãe dela. Ela me salvou. Joana é como eu. Temos mais que uma ligação sanguínea. Elas me apoiam em tudo que eu faço. Estão sempre ao meu lado. Não se preocupam se está certo ou errado... Porque somos família, entende? Eu as protegeria com minha própria vida se fosse necessário.
- E os meninos?
- Quando ficarem maiores voltarão para casa e farão parte da família também.
- Família... – eu sorri sarcasticamente, não contendo as lágrimas. – Uma vez eu achei que você era família... E abri mão de quem realmente pertencia a ela. E paguei o preço... E você saberá qual é o preço... Eu juro.
- Você é insolente, tanto quanto a sua mãe.
Passei a mão sobre a mesa e joguei tudo que havia sobre ela no chão, quebrando tudo com um barulho ensurdecedor, chamando a atenção de todos. Ele saiu da mesa e ergueu o braço na minha direção, quando vi Otto e Nicolas o levando para fora.
Fiquei imóvel enquanto eles passaram com Simon pela porta, se dirigindo ao deck e descendo pela escadaria até a praia.
Quando vi Otto novamente batendo nele, saí correndo. Eu não queria impedir, mas eu “precisava” fazer isso. Simon não toleraria levar outra surra de Otto sem fazer nada. E sim, eu começava a ter medo do que ele poderia fazer. Enquanto Nicolas o segurava, imobilizando-o, Otto o socava com tanta força na cara que o sangue jorrava, contrastando com a areia branca da praia. Fiquei olhando para as poças de sangue sem ser absorvidas pela areia, de tão espessas... E parece que minha mente se ateve naquilo... Sem que eu conseguisse sair. Porque eu queria impedir, mas ver o sangue dele fora de seu corpo me fazia bem... Meu Deus, eu estava me tornando uma pessoa ainda mais horrível?
- Jamais fale com a minha filha novamente, entendeu? – Otto dizia enquanto descontava toda sua raiva de anos na cara de Simon.
- Eu não sei brigar... – falou Simon cuspindo sangue e encarando Otto. – Mas eu sei agir.
Otto o jogou no chão.
- Não temos medo de você, Simon Dawson. – avisou Nicolas. – E se um dia você encostar um dedo em Juliet, eu mato você... Com minhas próprias mãos.
Antes que saíssemos, um carro da polícia se aproximou. E não tivemos sequer chance de explicar o que estava acontecendo. Fomos todos postos no carro enquanto chamaram uma ambulância para Simon.
Não tivemos tempo de conversar, pois chegamos na delegacia cinco minutos depois. Nicolas explicou quem ele era, mas ali ele não tinha vez nem voz. Mesmo nós dizendo que Simon tentou me agredir, o delegado pouco se importou. Ficamos lá, sentados, até chegar um o advogado que Nicolas chamou. Fomos liberados no fim da tarde, depois de vários trâmites legais resolvidos pelo advogado.
Antes de sairmos, abri a porta da sala do delegado, sem ser anunciada:
- Por que nós somos presos, se ele é o bandido?
O delegado levantou a cabeça e se jogou confortavelmente no encosto de sua cadeira, me encarando:
- Por que Simon Dawson é bandido?
- Ele vende drogas... E todo mundo nesta cidade deve saber.
Ele riu e me perguntou:
- Você tem provas do que está dizendo?
- Eu não tenho que ter provas... “Você” que tem que investigar e conseguir as provas.
- Quer registrar uma denúncia? – ele ofereceu.
- Não, ela não quer. – disse o advogado tentando me retirar dali.
- Cuide com o que fala, mocinha. Acusar sem provas é crime, você sabia?
- Não foi uma acusação, foi uma conversa informal de alguém que se sentiu injustiçada. – aleguei.
- Se sentiu injustiçada? – ele perguntou. – Não estou vendo nenhuma gota de sangue em você. Simon está no hospital esta hora. Então me responda, quem foi injustiçado aqui?
- Você conhece Simon Dawson, delegado? – perguntei curiosa.
- Não preciso lhe responder esta pergunta. – ele disse. – Tire ela daqui ou vou prendê-la. – avisou. – E desta vez ela vai para trás das grades.
O advogado me pegou pelo braço, me retirando da sala do delegado. Assim que saímos da delegacia, Eduardo estava nos esperando com o carro.
- Por que você voltou? – perguntou Nicolas confuso.
- Fui dizer umas verdades ao delegado.
- Com assim, Juliet? – perguntou Otto.
- Melhor ela ficar longe de confusões. – avisou o advogado. – Não gosto deste delegado e muito menos deste distrito. Eu poderia apostar que ele conhece Simon Dawson e tem uma boa relação com ele, podendo até mesmo já ter sido corrompido.
- O que nos sugere? – Nicolas perguntou.
- Além de ficarem fora de confusão? – ele riu. – Sugiro procurarem a delegacia de outra cidade. Também podem fazer uma denúncia anônima. Mas como disse, não aqui.
- Obrigada, doutor. – Nicolas agradeceu e entramos no carro.