Capítulo 105
1985palavras
2022-07-25 06:08
Tentei ficar tranquila e fingir que estava tudo bem durante o jantar. Expliquei que a mãe de Nicolas havia recém chegado de viagem e estava cansada e ele não quis deixá-la sozinha. Tudo mentira. Mas fingir para Dani e Lorraine era a pior coisa que existia... Simplesmente porque elas me conheciam.
- O que aconteceu de verdade? – perguntou Lorraine baixinho, para não envolver Otto e Felipe na conversa.
Olhei o sorriso bobo de Otto para Vitória e a forma como ele tratava a menina e disse, sem pensar muito:
- Eu nunca fui muito ligada a crianças... Mas a forma como Otto olha e age com Vitória me deixa com vontade de ter um filho.
As duas olharam na direção deles:
- Acho que Otto está preparado para ser vovô. – disse Dani sorrindo.
- Eu que não estou preparada para ser mãe. – confessei.
- Nunca estará. – disse Lorraine. – E mesmo que se prepare, será tudo diferente do que planejou. Porque crianças são como uma caixinha de surpresas: pode ser um anjo ou um diabinho... E isso independe de você, acredite. Mas ainda assim, quando você olha para aquela pequena criatura que quando chora desesperadamente faz com que você tenha vontade de fugir para sempre, o sorriso dela faz com que seu coração se aqueça de uma forma que jamais imaginou em toda sua vida. Quando você tiver um filho, perceberá que é o seu primeiro amor de verdade.
- Acha que se eu tivesse um bebê com Nick eu gostaria mais do bebê do que dele?
Ela riu e tocou minha mão sobre a mesa, olhando nos meus olhos:
- Sim... Porque ele é um pedaço seu e dele, juntos, num só ser.
E então, pela primeira vez em 26 anos, eu pensei na possibilidade de ser mãe... E ver os olhos de Otto brilharem daquela forma para sempre. Até mesmo Nicolas sem rendeu à pequena Vitória, pegando-a no colo como se fossem velhos conhecidos, mesmo nunca tendo visto ela na vida.
- Um bebê seu e de Nicolas seria muito fofo. – argumentou Dani.
- Nós brigamos de novo. – confessei.
- Eu sabia... – falou Lorraine em tom mais alto.
- Qual motivo desta vez?
- Passado... E a mãe dele não foi nada legal comigo.
- Enquanto vocês não deixarem o passado no passado, nunca serão felizes. – disse Dani.
- E que porra a mãe dele fez?
Expliquei o que havia acontecido. Mas elas ficaram caladas.
- Ei, não vão me dizer nada? – perguntei.
- É complicado. – disse Lorraine. – Prefiro não me meter.
- Ah, sim, pela primeira vez você não quer se meter.
- E de que adianta eu lhe aconselhar? Desde quando você me ouve, Juliet?
- Na minha opinião, a mãe dele não tem nada a ver com o relacionamento de vocês. Parece-me que você cria empecilhos... Vai começar a se sabotar de novo? Justo com ele? – Dani falou.
- Meninas, ele usou Joana... Para me ferir.
- Puta que pariu, pare de se lamentar. Você está num resort de luxo, acho que o mais renomado do país. O dono desta porra ama você... Desde que vocês se conheceram. Ele criou isso tudo pra te trazer para cá e você reclamando porque ele pensou em fazer uma coisa que não fez... Cara, eu odeio isso. Vai viver uma vida normal, casada com um policial, tendo que trabalhar real todos os dias, cuidando de filho, casa, marido e tentando fazer uma pós-graduação nas horas vagas... Daí você pode reclamar que a vida não é nada fácil pra você. Acho que Deus dá asas para quem não sabe voar, sinceramente. E eu estou cansada desta porra de papo. – disse Lorraine se levantando e indo ficar próxima da filha e do marido.
- O que deu nela? – perguntei.
- Eu não sei... Mas você sabe. – disse Dani levantando também.
Sim, sempre Nicolas tinha razão e eu estava errada. Era assim o tempo todo. Até minha mãe sempre dava razão para ele.
Lembrei do que ele havia dito sobre Joana estar na empresa. Eu não poderia deixar ela e Tom tomarem conta de tudo. E se Nicolas realmente desistisse de tudo, inclusive de nós, sem ao menos me dar um tempo para esquecer minha mágoa? Não, eu não poderia deixar. No dia seguinte eu voltaria para o escritório do Paradise. E cuidaria de perto do que era meu... Neste caso, só o dono do lugar. Selaria com ele meu trato de acabar com os Dawson. E tentaria, do fundo do meu coração, esquecer o que ele pensou em fazer comigo quando soube de meu pai e Joana.
Assim que cheguei na manhã seguinte ao escritório, Eliete estava como secretária de Nicolas, como eles me explicaram que sempre havia sido. Passei direto por ela e disse, abrindo a porta:
- Preciso falar com ele.
- Juliet, acho que não deve...
Parei imediatamente quando o vi sentado em sua cadeira e Joana à sua frente, fazendo anotações em uma agenda, compenetrada. A encarei e senti raiva dela, dele e de mim mesma por tentar dar uma chance a ele.
Esperei que ele dissesse qualquer coisa, mas ele não falou. Nem ela. Então como eu havia invadido a sala, tinha que pelo menos dizer algo:
- Eu... Preciso falar com você. – disse, olhando para ele, incerta se realmente queria.
- No momento não posso, Juliet, estou ocupado. – ele abaixou a cabeça e virou a folha na sua frente, voltando a ler. – E da próxima vez, passe pela secretária e se anuncie antes, como todo mundo. – ele completou sem olhar para mim.
Joana me olhou debochadamente e vi um meio sorriso nos seus lábios.
- Nicolas... – falei alterada.
Ele levantou os olhos novamente, sério.
- Eu... Posso voltar para minha sala?
- Sua sala é minha agora... “Maninha”. – ela disse. – Eu cuido dos negócios de Tom.
- Os problemas pessoais de vocês serão resolvidos lá fora, não aqui. – ele avisou. – Levei anos para fazer deste lugar uma empresa séria e nunca tive problemas... Até agora. Não haverá mais discussões por nada além de negócios.
- Nem socos? – perguntei sarcástica.
- Principalmente socos. Nunca mais. – ele me olhou. – Voltei meu foco ao que sempre me fez bem e esquecer de tudo: o trabalho. É só disso que eu preciso... Nada mais.
- Ok, então estou fora. – balancei minha cabeça, não sabendo exatamente como eu me sentia: com raiva ou com tristeza.
- Eu a convidei para trabalhar para mim, Juliet. Inúmeras vezes... E a resposta sempre foi a mesma: não. – ele alegou.
- Tente convencer Tom a trocar eu por você... Vai que dá certo. – disse Joana.
- Duvida disso? Quer pagar para ver você sair daqui em minutos? Se eu quiser, faço Tom me colocar de volta na minha sala e acabar com você. – ameacei.
Ela ficou calada e Nicolas se alterou:
- Eu disse que chega desta imaturidade de vocês. São adultas pra brincar e brigar como crianças.
Fechei a porta com força e saí. Eu tive vontade de chorar, mas me controlei.
Eliete veio atrás de mim:
- Espere... Ele não vai deixar você sair assim.
- Claro que vai. Ele sequer deu importância pra mim. Nicolas é um idiota. E o que ela faz ali, trancada com ele?
- Tom deixou tudo nas mãos dela.
- Onde Tom está?
- Na sala dele. Joana veio pedir ajuda para Nicolas em algumas questões. Eles estão aqui para tirar a paciência dele, acredite. Não está sendo muito fácil. Tom já mandou dois advogados ontem.
- Mas... O que ele quer?
- Todos os direitos dele. – disse Nicolas, atrás de mim.
Fiquei olhando-o, sem dizer nada.
- Surpresa? – ele riu. – Ele quer acabar comigo.
- Mas ele não tem o que fazer.
- Tentei desfazer o negócio e a sociedade. Não há cláusulas que me amparem. Então vou ter que engolir os dois... Talvez para o resto da minha vida.
- O bom é que é uma pequena parte... Então ele não tem poder de decisão.
- Não teria... Mas está tentando convencer os demais a venderem suas partes para ele... A valores quase impossíveis de se negar. Parece que seu ex-marido não se importa em gastar tudo que tem para acabar com o Paradise e Nicolas Welling.
- Ele quer acabar conosco, Nick.
- Não existe mais “nós”, esqueceu? – ele falou. – Lembra do tempo que você pediu? E dos perdões que não fomos capazes de dar?
- Eu... Vou saindo. Tenho coisas para fazer. – disse Eliete confusa.
- Não precisa sair, Eliete. – ele falou. – Providencie uma sala vaga para Juliet.
- Não há salas vagas neste andar, Nicolas.
- O que você quer aqui, afinal? – ele me perguntou.
- Lembra do que eu lhe pedi com relação aos Dawson? E você me prometeu que me ajudaria?
- E no que você estar aqui dentro a ajuda?
- Quero ficar perto de Joana.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo, pensativo.
- Nick, você me deve isso... Por tudo que tentou fazer ao envolver ela para me ferir e me destruir.
- Falou corretamente: “tentei” fazer... Não fiz. Ajudarei você por outros motivos.
- Quais?
- Me livrar de Tom. A presença dele aqui não me faz bem.
- Eu quero trabalhar pra você. Lembra que me ofereceu? Ainda está de pé a proposta?
- Por quanto tempo, Juliet?
- O tempo que for necessário. Para eu fazer Simon e Joana pagarem por tudo.
- Ela não fez metade do que ele... A vingança não pode ser igual.
- Vai defendê-la?
- Como você defendeu Tom.
- Ok... Ele vai para a cadeia. E ela... Quebra uma perna, perde um braço e fica roxa por um mês de tanto que eu vou dar na cara dela.
Ele e Eliete começaram a rir. Eu fiquei séria, pois não estava brincando. Era exatamente assim que eu queria que ela ficasse.
- Está empregada, Juliet Franco.
- Obrigada por retirar o Dawson, senhor Welling. Agradeço de coração.
- Vai deixar suas visitas em casa?
- Vou. Elas não precisam de mim para explorar o Paradise. Além do mais... Meio que briguei com Lorraine e Dani ontem.
- Pelo visto foi a noite de brigar com todo mundo. TPM?
- Falta de sexo. – falei no ouvido dele. – Talvez o senhor possa ajudar a melhorar o meu humor. – pisquei.
- Eliete, pode providenciar a sala para Juliet, por favor. E antes passe ela na sala da psicóloga, pois acho que ela tem sérios problemas, entre eles: perda de memória recente e quem sabe bipolaridade.
- Posso lhe dizer no seu ouvido o que mais? – desafiei.
- Não mesmo... Faça um teste de sanidade e só depois me procure novamente.
- Você sempre soube que eu era assim...
- Não sei se tenho vontade de continuar no olho da tempestade. Talvez eu só queira mesmo ser o cara com o guarda-chuva. É mais cômodo.
- E deixar de sentir tudo que sente quando está na chuva torrencial?
- Vou reforçar meu guarda-chuva... Ou comprar um mais resistente.
- E eu vou quebrá-lo, independente do que você fizer.
Ficamos nos encarando. Eu sorri, desafiadoramente.
- Arrumo a sala? – perguntou Eliete olhando para Nicolas e depois para mim. – Ou uma cama?
- Uma cama. – falei estreitando meus olhos, encarando-o.
- A sala...
Eliete saiu e ele avisou, sem retirar os olhos dos meus:
- Neste andar.
Ela parou e virou para nós.
- Não tem sala vaga.
- Retire alguém. – ele ordenou saindo. – Ela fica aqui.
- E coloque a cama junto. – observei debochadamente, para que ele pudesse ouvir.
Ela riu e saiu balançando a cabeça.