Capítulo 101
1904palavras
2022-07-25 06:06
- Mãe, você não é obrigada a gostar dela. Mas nunca aceitarei que a maltrate na minha presença ou a faça se sentir mal por qualquer motivo.
- Fala isso para sua mãe, Nicolas? Parece que esta menina é mais importante que eu na sua vida.
- Ela não é uma “menina”. E ela é tão importante quanto você. – falei saindo.
Minha mãe e sua eterna mania de querer atenção. Nunca conversei muito com ela sobre meus relacionamentos. No entanto, quando partimos da nossa casa, anos atrás, eu contei sobre mim e Juliet. E ela decidiu que a culparia por tudo... Inclusive por tirá-la da nossa casa, porque no fundo, minha mãe nunca quis ter saído. Queria ter continuado a ser agredida e viver aquela vida miserável que ela julgou que tinha que levar até o fim dos seus dias.
Se ela gostava do meu pai, com toda sua agressividade e falta de amor? Eu nunca saberia. Mas também não conseguia acreditar que alguém pudesse amar uma pessoa que só fazia mal a outra, que vivesse uma vida inteira de promessas não cumpridas e agredida quase semanalmente.
Enfim, eu jamais aceitaria que ela fizesse ou falasse qualquer coisa que pudesse ferir ou magoar Juliet.
Quando viajei naquela semana a negócios, voltaria no dia seguinte. Então minha mãe ligou e disse que não se sentia bem, que estava sozinha e que queria voltar. E que eu tive que buscá-la em outro país. Eu conhecia muito bem as crises de depressão e ansiedade dela, misturadas com saudade e pitadas de chamar a atenção. Então fui... Porque sim, eu me sentia responsável por tê-la tirado de dentro da nossa casa e a levado embora quando ela queria ter ficado, mesmo com o braço e a perna quebrados e toda situação caótica na qual vivíamos. Quando meu pai morreu, eu não senti nada. Nem tristeza, nem alegria... Simplesmente era como se um parente distante tivesse partido e nunca mais fosse voltar. Para mim não fazia diferença alguma na minha vida. Mas ela, embora não tenha dito com palavras, sofreu a perda dele... Calada, com medo de ser criticada. E embora eu não concordasse com o fato de ela talvez sentir algum tipo de afeto pelo meu pai, ao mesmo tempo me indagava sobre o direito que eu tinha de criticá-la... Quem podia julgar, não é mesmo? Éramos todos seres humanos, sempre tentando acertar... Exceto Simon Dawson.
Fiz uma ligação ao meu fiel empregado, que eu mais confiava e solicitei duas questões que lhe renderiam a noite de trabalho. Mas por Juliet, tudo valia a pena. Eu iria fazer qualquer coisa para que ela não partisse.
Tomei um banho e voltei para o meu carro. E dirigi até a casa de Joana novamente. Assim que estacionei, na madrugada que já começava a ficar fria, percebi que depois de tudo que houve, a festa continuava acontecendo normalmente. Típico de Joana Dawson: “que o mundo caia sobre a minha cabeça, desde que eu seja o centro das atenções”.
Achei que pudesse ser barrado na entrada pelos seguranças, mas não. Deixaram-me entrar. Ainda havia bastante convidados e era como se nada tivesse acontecido. Vi Simon conversando com algumas pessoas, sentado tranquilamente. Havia trocado de roupa, feito um curativo e vida que seguia. Era como se Juliet e Otto nunca tivessem pisado naquele lugar.
Encontrei Joana dançando agarrada... Com Tom. Eu cheguei a rir sozinho. Claro que eles formariam um casal... E se mereciam, isso era inegável. Fui até onde eles estavam e toquei o ombro dela, fazendo com que ela parasse de dançar e me encarasse, ainda abraçada a ele:
- Nicolas... – ela falou surpresa de me ver ali.
- Podemos conversar, Joana?
- Claro. – ela disse soltando Panetiere imediatamente.
- Vai ficar com as duas? – ele me perguntou ironicamente, tão drogado ou bêbado que mal conseguia segurar o próprio corpo.
- Não... Minha escolha sempre foi uma só. – respondi.
- Não me pareceu isso quando cheguei na sua casa... Há uns meses atrás.
- Eu só fui usada, Tom. – ela disse ironicamente.
- Assim como eu. – ele falou. – Mas você sabe que isso não vai ficar assim, não é mesmo, Nicolas?
- Creio que não. E estou esperando, Panetiere.
- Nicolas, você se arrependeu e por isso veio falar comigo? – ela perguntou com voz doce e melosa.
- Podemos conversar a sós?
Ela sorriu sedutoramente e olhou para Tom:
- Ninguém resiste aos meus encantos, Tom... – piscou. – Sei bem o que ele quer... O que ela não é capaz de lhe dar.
Peguei-a pelo pulso e fui andando para longe dele:
- Ela é capaz de me dar tudo que quero e preciso, Joana. Sempre foi ela. – deixei bem claro.
Ela puxou o braço com força e disse:
- O que você quer de mim?
- Quando você soube que Juliet era filha de Simon? Como sabia tudo e nunca me contou?
- Acha que meu pai nunca acompanhou a vida dela? Quando ela chegou em Paraíso, eu já sabia que ela era minha irmãzinha rejeitada.
- Então...
- Então eu já sabia que você estava me usando, Nicolas. Soube no momento que a vi na sua casa. Você me subestimou, querido.
- Nunca subestimei você, acredite.
- O que você viu nela? Mulherzinha sem graça do caralho.
- Eu poderia passar horas explicando para você tudo que vi nela... Mas sinceramente, não vale a pena. Você nunca entenderia... Não é capaz de entender.
- Acha eu me ofende? Não mesmo.
- Por que fazer tudo isso para feri-la?
- Porque ela me roubou você.
- Ninguém rouba uma pessoa da outra... Isso é ridículo. Eu nunca fui seu.
- Meu pai não gosta dela... Nunca gostou.
- E o que ela fez pra “não ser gostada” por ele? Ele a deixou quando ela era um bebê nos braços da mãe. Ela tem o sangue dele correndo nas veias dela... O sobrenome que ele lhe deu.
- Não tenho que lhe falar sobre minha vida pessoal, Welling. – disse Simon parado ao nosso lado, entrando sem ser convidado na conversa.
- Veio até aqui só para saber o motivo de eu ter feito isso? – ela perguntou.
- Sim... Eu queria entender.
- Escolheu a filha errada, Welling. Joana é uma joia rara e você não sabe o que está perdendo.
Eu balancei minha cabeça, aturdido com as palavras dele. Era tanta rejeição que eu não pude deixar de perguntar:
- Simon, por quê? Tem alguma dúvida de que Juliet possa não ser sua filha?
- Não... Tenho certeza de que é minha. Eu não a odeio, Welling. Mas também não criei vínculos. A garota é mimada, esqueceu de crescer. Olga criou ela muito mal... Não lhe deu limite algum.
- Você nem a conhece... – falei completamente transtornado com as palavras dele.
- Eu a conheço. Ela me entregou todo o dinheiro que tinha só para enfrentar Olga. Mimada... Egoísta...
- Você acabou com a vida dela...
Sim, eu fui embora pela atitude imatura dela. E sua mãe morreu no mesmo dia, por obra do destino. E eu ainda tentava entender de onde ela tirou forças para ainda estar ali, firme, forte e sorrindo para mim quando tudo que ela tinha foi tirado dela num único dia. E se não bastasse, quando voltou para o hotel, na esperança de ficar com o pai, de receber apoio e carinho no pior momento da sua vida, ele havia ido embora e a roubado, literalmente.
- Eu disse para Olga que estava decepcionado com a filha que ela criou.
- Olga foi a mulher mais forte que eu já conheci na vida... Um exemplo a ser seguido. Não entendo como você conseguiu deixá-la um dia...
- Sabe o que ela me disse? Que tinha orgulho da garota... – ele riu, balançando a cabeça.
Sinceramente, eu poderia ficar ali dias discutindo com eles... E nunca entenderia o que se passava na cabeça dos Dawson. Nem de Joana, muito menos de Simon. Joana eu até poderia tentar pensar que fez o que fez por ciúme de mim. Não que ela me amasse, mas amava a vida que eu poderia proporcionar à ela. Mas Simon... Viu a filha uma única vez, a convenceu a lhe dar todo o dinheiro que ela tinha, guardado para o seu futuro e ainda tinha a capacidade de julgá-la? Senti tanto nojo daquelas pessoas... E de mim mesmo por ter estado naquele lugar algumas vezes, por ter me envolvido uma dia com aquela gente.
Senti o cheiro de maconha impregnado no ar, tão forte como cheiro de maresia na beira da praia. Olhei para o lado e vi pessoas cheirando cocaína na frente de todos, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Alguns casais quase sem roupa se beijando e se tocando... Uma garota completamente nua na piscina...
Senti-me o pior ser humano do mundo por um dia ter pensado em usar eles para ferir a pessoa que eu mais amava no mundo e a única capaz de me trazer a felicidade.
Virei minhas costas e saí. Eu não tinha nada mais para fazer ali. Minha vida seria tentar fazer Juliet me desculpar algum dia... Porque eu mesmo não saberia se conseguiria me perdoar pelo que fiz.
Estava quase no portão de saída quando Tom parou na minha frente, cambaleando. O que ele queria agora? Brigar de novo? Eu tinha vontade de enfiar minha mão na cara dele com toda força e socá-lo tanto até quebrar seu nariz e todos os seus dentes. Mas ele estava tão fora de si que eu não me sentiria bem fazendo aquilo. Ele tinha nas mãos uma taça, que tremia enquanto ele segurava.
- Você vai ficar com ela? – ele perguntou.
- Se ela me quiser, sim. – respondi sinceramente, mesmo sem ter certeza se ele lembraria no outro dia daquela conversa.
- Ela gosta de ser fodida de quatro... – ele riu. – E de tapas na bunda... Com força. Não pode ter dó... Porque... Ela gosta das marcas. Acho que ela vê no outro dia, na frente do espelho. E ela é cara pra caralho! Pode gastar num dia o que uma vagabunda normal não gasta num mês. E olha que eu entendo de vagabundas...
Senti o sangue ferver dentro de mim e segurei minhas mãos com força, sentindo dor na minha pele do efeito das unhas.
- E tem que ter muitas camisinhas... Ela não fode sem. Tem medo de ter um bebê.
Eu ia socar a cara dele quando ele completou:
- A minha gatinha vive do passado... Enquanto você fode ela, é como se ela não tivesse ali... E sim pensando em outra pessoa. Ah, e o pai dela a trata como se ela fosse adolescente. E qualquer problema que ela tiver, ela vai correndo chorar para ele. Então, boa sorte para você, Welling.
Coloquei toda minha força na mão fechada e soquei o nariz dele, que se desequilibrou e caiu no chão. Ele levou à mão ao nariz, que começou a sangrar e me olhou, confuso, tão doido que nem sabia ao certo o que estava acontecendo.
- Eu sou a outra pessoa que ela lembrava enquanto estava com você. – eu disse saindo. Voltei e completei: - Ela não é sua gatinha.
Fui para o hospital imediatamente. Acho que quebrei a minha mão.