Capítulo 100
2657palavras
2022-07-25 06:05
Otto deu um beijo na minha testa e entrou no carro. Nicolas saiu atordoado e veio até mim:
- Não é seguro ficar ao lado dele, Juliet.
- Ela é minha filha, Welling. – Simon disse entredentes.
- Vai me dizer que é assunto de família, Simon Dawson? – ele falou amargamente, me olhando, lembrando de um assunto que só nós dois sabíamos.
Foi como se estivéssemos há exatos seis anos atrás e eu tendo que fazer uma escolha. No entanto era diferente agora. Talvez Nick fosse mais próximo do meu pai do que eu jamais fui na vida.
- Nicolas... Espere com Otto. Eu já vou...
Ele me olhou demoradamente antes de voltar para o carro.
- O que você quer? – perguntei me cobrindo com meus braços, sentindo tremores de frio.
- Você... Tentou se matar afogada? – ele perguntou.
- Por que eu faria isso? – perguntei ironicamente. – Não tenho motivos para acabar com a minha vida. Tenho um pai maravilhoso... O que me criou, é claro, que deixou tudo para vir ficar comigo. Um namorado dono de quase toda esta porra de cidade. Acha mesmo que eu me jogaria ao mar porque você criou a filha da sua namorada? Lembra que já fizeram isso por mim? É mais comum do que você imagina.
- Eu não sabia que você estava em Paraíso, Juliet. Muito menos que tinha algum tipo de relação com Welling.
- Nicolas era o meu namorado quando eu encontrei você... Há seis anos atrás. Ele me trouxe para Paraíso.
- Ele esteve envolvido com minha filha.
- Qual das duas? – falei sarcástica.
- Joana. Desculpe-me... Mas eu não consigo considerar você da mesma forma que ela. Não significa que eu não goste de você, entenda...
- Não preciso do seu afeto. Se Nick esteve envolvido com Joana ou não, pouco me importa. Eu sei que é de mim que ele gosta e Joana só ficará com ele caso eu abra mão, entendeu? Ainda assim, depois do papelão que ela fez hoje, duvido que Nicolas voltará a olhar na cara dela.
- Não quero que ela se magoe... Acho que você poderia falar com Welling... E pedir que ele perdoe-a. Ela sempre foi assim, impulsiva... Em troca, o que acha que almoçarmos juntos?
Senti uma dor dentro de mim inimaginável. Mas segurei o choro e disse, sorrindo ironicamente:
- O que acha de devolver o dinheiro que me roubou?
- Eu não roubei... Você me deu.
- E meu “irmão” sobreviveu? – perguntei ironicamente.
- Sim...
- Ele existe?
- Claro que sim.
- Onde está?
- Eles moram com a mãe da minha esposa.
Eu gargalhei:
- Por que isso não me surpreende? Pais sendo pais... Enfim, não quero conhecer os seus bastardinhos.
- Eles não são bastardinhos.
- Ops, desculpe. Joana que é...
- Não quero que fale assim dela. Magoa-me.
- Sinto muito magoá-lo, papai... – falei imitando voz infantil. – Agora vi que você mora numa bela casa... Talvez tenha parte da minha grana aí, não é mesmo? Quero meu dinheiro de volta, com juros.
- Eu não tenho...
- Ou me devolve o dinheiro ou eu acabo com você.
- Está me ameaçando, Juliet Dawson?
- Não me chame de Dawson. Providenciarei imediatamente a retirada do seu sobrenome. Já deveria ter feito isso há muito tempo, na verdade.
- Não parece a garota que ia largar tudo para vir comigo, há um tempo atrás.
- Eu cresci... Por sua culpa. E aquela garota não existe mais.
- Estava na hora. Sua mãe criou você muito mal... Não lhe deu limites.
- Quem é você para dizer isso?
- Eu disse pra ela como você era mimada... Quem passa o dia sem fazer nada, comprando sapatos, mais de uma hora dentro de uma loja?
- Como assim? – perguntei aturdida. – Como você falou com a minha mãe sobre isso? Quando?
- Ela me procurou... O seu namorado havia dito pra ela que eu estava na cidade.
- Você conversou com a minha mãe?
- Sim... Expliquei que eu só levaria você por um tempo. Mas ela quis até me bater, acredita?
- Então... Não foi à toa que minha mãe se sentiu mal... E teve um infarto.
- Você está louca? Vai querer me culpar pela morte da sua mãe agora? Não seja idiota, Juliet.
Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Vi a camisa dele rasgada e o J aparecendo tatuado no seu braço.
- O J sempre foi de Joana, não é?
- Sim... – ele confessou.
- Você foi o responsável pela morte da minha mãe... Eu sabia que algo não estava certo. Eu vou acabar com você, nem que seja a última coisa que faça na minha vida. Você vai pagar pela morte da minha mãe e por ter me roubado... E nunca ter nos ajudado em nada.
Eu avancei nele e comecei a lhe bater com força. Quando vi, Nicolas estava me segurando e Otto novamente batendo em Simon. Eu tentava me desvencilhar... Minhas pernas estavam no ar e ele não me soltava. Se não bastasse, Tom apareceu novamente. O que porra ele estava fazendo ali? Ele retirou Otto de cima de Simon enquanto Nicolas me trancava no carro.
Quando vi, Tom colocou Otto no carro e Nicolas dirigiu rapidamente para longe dali. Consegui ver pelo retrovisor Simon no chão, sendo levantado por Tom.
- Juliet, o que houve? – perguntou Nicolas passando a mão no rosto, confuso e nervoso.
- Ele... Ele foi o responsável pela morte da minha mãe.
- Como assim? – Otto perguntou.
- Pai, ele esteve com ela antes... Disse que eu iria embora com ele. Ela ficou nervosa e provavelmente por isso passou mal... E morreu.
- Eu vou matar ele... Eu juro. – Otto tentou sair do carro e Nicolas estacionou antes que ele pulasse.
Otto saiu correndo. Mas não adiantava... Já estávamos longe. E ele não chegaria lá para acabar de vez com Simon Dawson.
Sentei-me na areia, na beira da praia escura e me senti a pior pessoa do mundo. Mais uma vez eu me sentia culpada... E agora eu realmente tinha a culpa.
- Não... Você não é culpada. – Nicolas disse me abraçando, parecendo entender exatamente o que eu pensava e sentia naquele momento.
- Não encoste em mim, Nicolas. – tirei as mãos dele com força.
- Juliet... Perdoe-me.
- Por que você me trouxe, Nick? Por que me tirou de onde eu estava... Enfiada no meu mundinho de ilusões... Tudo estava indo tão bem...
- Não, não estava indo bem e você sabe disso. Eu precisava de você... E você de mim. Não entende que não conseguiremos ser felizes separados, Juliet?
- Por que você não me contou, Nick?
- Eu tentei... Juro que tentei... Mas você nunca vai acreditar em mim. Eu não sabia que ela era ligada a ele. Fiquei sabendo só depois.
- Eu quero ir embora, Nick. – falei me levantando.
Otto estava vindo, desolado. Eu imaginava a dor que ele sentia, porque era igual à minha. Eu corri até ele e o abracei. Deixei minhas lágrimas molharem a camisa dele enquanto sentia suas mãos me apertando forte. E ouvi ele chorando, baixinho, sofrendo à maneira dele. Ver Simon Dawson nos trouxe de volta aos piores momentos de nossas vidas.
- Eu quero trocar meu sobrenome, pai. Já estava para lhe dizer isso há um tempo. Eu nunca gostei de carregar Dawson. Quero ser Juliet Franco.
Ele levantou meu queixo e seu lábio tremeu emocionado:
- Você tem certeza?
- Tenho... A mais absoluta certeza.
- Levará meu nome, minha filha.
- Eu posso providenciar tudo o mais rápido possível. – disse Nicolas, a alguns passos de nós.
- Não precisa, Nicolas. Acho que você já providenciou algo para nós esta noite... – disse Otto. – E chega de surpresas da sua parte.
Por mais que eu tentasse explicar, eles não me ouviriam. Estavam completamente magoados e furiosos. E com razão. Joana havia sido persuasiva com Juliet e muito cruel. Eu sabia que Juliet era forte, mas o que Joana havia feito acabou também comigo. Eu sofri junto com Otto e a minha rainha do drama. Mas eu tentei... Ah, como tentei contar a verdade para ela. Sabia que mais cedo ou mais tarde ela descobriria, mas jamais da forma como foi. Simplesmente porque eu não tinha ideia que Joana sabia que Juliet era filha de Simon. Mas isso eu resolveria em seguida.
Os dois entraram no carro e fizemos o trajeto de volta até o resort em silêncio. Não adiantava mais eu tentar me defender. Otto estava destruído e Juliet já não tinha mais lágrimas. Como eu queria poder abraçá-la, colocá-la no meu colo e secar as lágrimas dela. Mas eu era o responsável por cada gota que ela derramou... Por meu egoísmo e orgulho.
Quando chegamos na minha casa, estacionei o carro e eles desceram. Otto entrou e ela seguiu mais lenta que ele. Tive uma ponta de esperança de que ela pudesse querer falar comigo. Então apressei o passo e cheguei antes dela na porta. A encarei, descalça, com os cabelos desarrumados e a maquiagem completamente borrada. Ainda assim, a mulher que eu amava e amaria para sempre. Toquei seu rosto e ela não me impediu. Estava tão frágil, tão desprotegida... Mas eu precisava contar o resto.
- Simon é pior do que você pensa.
Ela me encarou, com os olhos vermelhos e inchados e a boca entreaberta, confusa:
- Tem mais alguma coisa que você não me contou, Nick?
- Ele não só usa drogas...
- Ele vende também? – ela perguntou, parecendo entender o que eu tentava lhe dizer.
- Sim.
- Nicolas, e como você conseguiu ficar envolvido com esta gente? Tudo isso para me ferir?
- Eu não fazia ideia que Joana sabia quem você era.
Ela riu ironicamente:
- Pelo visto você também foi enganado, senhor perfeito.
Ouvir depois de tudo que aconteceu “senhor perfeito” saindo dos lábios dela chegava a doer dentro de mim.
- Eu queria magoá-la, mas jamais pensei que seria desta forma... Nunca planejei tudo isso que aconteceu hoje... Eu juro. E já lhe disse que assim que vi você, mudei todos os meus planos.
- E por que não me contou imediatamente?
- Ainda doía dentro de mim... E além de tudo, você estava com Tom.
- Tom... – ela disse balançando a cabeça. – Certamente ele estará feliz com a ligação que passou a ter com Joana. A cocaína fará parte da vida dele como nunca fez antes... E mais uma culpa para eu carregar.
- Você não é responsável por Tom. É provável que ele usava antes mesmo de conhecer você.
- Mas conheceu o fornecedor. Quem segura ele agora, não é mesmo?
- Juliet...
- Eu vou acabar com Simon Dawson, Nicolas. A última coisa que ele vai ver na vida é o sol nascer quadrado dentro de uma cela imunda.
- Me deixe ajudá-la... Por favor. Eu posso tornar isso mais fácil.
- Então por que não fez antes? – ela me encarou.
- Eu posso fazer agora... Porque você quer...
- Joana usa alguma destas coisas que ele vende? – ela perguntou.
- Eu... Não tenho ideia.
- Como não?
- Simplesmente não sei...
- Não vivia com ela? Não dormia com ela?
- Nunca vivi com ela. Éramos amigos... Que transavam de vez em quando. E não vou lhe dar detalhes do que acontecia nestes momentos, assim como nunca quis ouvir sobre você e Tom, porque doeria em mim como uma facada no meu coração.
Ela ficou em silêncio, com os olhos parados na minha direção.
- O que vai acontecer agora? – perguntei, temendo a resposta e sentindo meu coração bater intensamente dentro de mim.
- Eu vou embora, Nicolas. Para sempre.
- E a vingança contra Simon?
- Vou realizar da minha casa.
- Como vai fazer isso?
- Acha mesmo que lhe devo satisfações? O que me garante que você não vai correndo contar para Joana? Ou mesmo para Simon? Se quer saber, eu pediria ajuda a Tom se fosse preciso e não pediria à você. Por que eu quero tirar você da minha vida... Definitivamente.
- Vai mesmo partir? E me deixar para sempre?
- Vou... – ela afirmou. – Mas antes vou lhe dar um beijo de despedida... Para levar comigo uma última lembrança.
Depois de tudo que houve ela ainda queria um beijo? Beijá-la e saber que ela partiria era o mesmo que me dar veneno para morrer em horas, sofrendo cada minuto, agonizando sem ar até o último suspiro... Lembrando dos lábios dela juntos dos meus.
- Por tudo que mais ama, eu imploro... Não vá. – pedi, segurando o rosto dela entre as minhas mãos, fazendo-a me encarar.
- Eu vou... Você escolheu assim.
- Me deixe ir com você.
- Não, Nick. Já era... Não existe mais “nós dois”.
Levei meus lábios aos dela imediatamente, antes que ela desistisse do último beijo. E havia junto do beijo a saudade dos dias que passei sem tê-la junto de mim. Sentir o gosto dela junto do meu era o que eu precisava para não me fazer desistir. Não a deixaria partir. E eu sabia exatamente o que fazer para deixá-la em Paraíso.
- Eu te amo ontem, hoje e sempre. – repeti, do fundo do meu coração, a frase que ela me dizia sempre.
- Mais uma vez que estou destruída por sua culpa, Nick.
- Eu prometo que a ajudarei a se reerguer, rainha do drama. Nem que seja a última coisa que eu faça, vou acabar com Simon Dawson, conforme o seu desejo. E independente do que acontecer entre nós, só não estarei aos 30 anos na frente da sua casa se eu estiver morto.
- Nick, isso era uma brincadeira de adolescentes. – ela disse.
- Você acha isso? Nunca pensei que fosse... Nunca desacreditei no nosso pacto e no amor com o qual ele foi feito. Passei seis anos lutando contra o meu sentimento por você e lembrando que um dia, independente do que acontecesse e do quanto estivéssemos longe um do outro, tínhamos um ponto de reencontro, com dia e hora marcados.
- Eu sou a garota que quebra pactos.
- Quebrou por mim... Assim como estará lá também por mim.
Ela riu ironicamente:
- Já disse que odeio você, Nicolas Welling?
Eu ri e alisei seu rosto:
- Isso quer dizer que você me ama.
Dei um beijo no rosto dela e saí, sabendo que ela me observava.
Sinceramente, não achei que ela sequer fosse me dar uma chance de falar com ela depois do que aconteceu. Mas não éramos mais adolescentes e já houve muitos mal entendidos entre nós. Acho que então, era capaz de ela estar entendendo que as pessoas erram... E que isso pode acontecer com qualquer um. E eu, que sempre achei que não perdoava, hoje era o homem que corria a vida em busca do perdão.
Cheguei em casa aturdido. Tinha pouco tempo para tudo que eu precisava fazer. Juliet sempre me deu muito trabalho... Não seria diferente agora. E quando eu disse que se ela quisesse voltar para nossa cidade, eu poderia voltar junto, estava falando sério. Eu deixaria tudo por ela... Porque aquilo tudo foi feito por causa dela também.
- Nicolas... Está tudo bem?
- Sim, mãe.
- Você não parece bem... – ela disse arrumando a minha roupa que estava amassada e suja.
- Alguns percalços no caminho. – falei.
- Você saiu feito louco atrás da menina...
- Ela não é uma menina, mãe.
- Para mim é... Sempre foi. Uma mulher que nunca cresceu.
- Mãe, você não a conhece.
- E nunca gostei dela... E tenho certeza de que não vou gostar. Qual mãe gosta de uma mulher que maltrata seu filho e o faz sofrer desde sempre?