Capítulo 99
2371palavras
2022-07-24 08:05
Joana saiu sorrindo sarcasticamente.
- Que mulher debochada. – disse Otto.
- Ela me dá medo. – confessou Eliete.
- Sinceramente, não tenho medo dela... Mas do que Nicolas pode ter escondido de mim e que ela sabe.
- Você não deveria ter vindo. – disse Eduardo.
- Bem, não é sempre que podemos desfrutar de uma “festa estranha com gente esquisita”. – ironizei e eles começaram a rir.
- Parece um circo de horrores. – completou Eliete.
- Tenho medo de me virar e ver os garçons seminus servindo os drinques. – brincou Eduardo.
- É... Gente de dinheiro e gostos exóticos e duvidosos. – falei vendo tudo ao redor.
- Vamos procurar uma mesa? – disse Otto. – Se é que vamos conseguir.
- Vamos... – concordei enquanto tentava equilibrar meus saltos na grama. – Se eu soubesse que seria na grama, juro que não teria colocado um dos meus melhores sapatos. Quem dá uma festa na rua e não providencia uma proteção no chão, no mínimo? Senti até saudade das festas horríveis de Tom. – brinquei. – Pelo menos eu podia me vestir bem e beber e comer coisas de qualidade.
Encontramos uma mesa vazia, mas com algumas taças sujas depositadas em cima. Sentamos da mesma foram, pois era aquela opção ou ficarmos de pé. Logo alguém retirou as taças e começaram a nos ofertar bebidas luminosas e alguns salgados que eu não conhecia e nem queria gastar meu paladar provando.
Algumas pessoas bêbadas se jogaram na piscina cheia balões, tirando selfies do momento.
- Caralho, isso é bizarro. – disse Tom.
- Você havia dito que a festa dela era o evento do ano em Paraíso, Edu.
- E são. – disse Eliete. – E ainda bem que eu nunca fui convidada antes.
- Quantos anos esta garota está fazendo mesmo?
- Eu poderia apostar que ela é mais velha do que eu, pai.
- Será que ela não teve adolescência?
Antes que eu respondesse, um homem bebendo álcool e cuspindo fogo começou a fazer o seu show no meio do gramado, aplaudido por todos.
- Tem certeza de que quer ficar aqui? – perguntou Edu.
- Sim, tenho. Pelo menos mais um pouco. Estou curiosa do que mais vai surgir aqui.
Havia um palco grande montado mais ao fundo, onde o DJ tocava. Alguém subiu até lá e o som silenciou, chamando a atenção de todos para o que aconteceria. Voltei meu corpo com a cadeira para lá, a fim de não perder nenhum detalhe. Realmente estava curiosa com o que ainda estava por vir.
- Juliet, vamos embora.
Fiquei atordoada ao ver Nicolas ao meu lado, ofegante, usando tênis e calça de moletom.
- Nick... Como... Você chegou aqui?
- Você não pode ficar aqui... Venha comigo, por favor. Eu quero contar...
- O que você quer me contar, Nick... Que eu não posso saber aqui.
Ele me levantou da cadeira e pegou minha mão e fiquei incerta entre ir ou ficar.
Uma mulher subiu ao palco e pegou o microfone:
- Agora, nossas homenagens à nossa amada filha, Joana, como todos os anos. Porque não cansamos de dizer ao mundo o quanto ela é especial para nós.
Nisso Joana subiu, sorrindo satisfeita, com luzes e flashes voltados para ela, de mãos dadas com nada mais nada menos que Simon Dawson... O meu pai.
- O que está acontecendo aqui, Nicolas? – perguntei sentindo meu coração disparar dentro de mim e um tremor tomar conta do meu corpo.
Otto levantou preocupado:
- Querida, você está pálida... Se sente bem?
Simon pegou o microfone e começou a falar, voltado para Joana:
- Não é segredo para ninguém que Joana é a filha que eu não tive. E meu presente mais precioso... Como digo todo ano, ela é o verdadeiro Paraíso, assim como a mãe dela.
Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, quentes e tão doloridas que me davam vontade de gritar.
Ele entregou uma caixa de veludo, que provavelmente era uma joia para ela. Ela fingiu emoção, limpando as lágrimas que não caíam e abriu, mostrando a todos um lindo colar brilhante, provavelmente caro. Pensei imediatamente se aquilo não havia sido comprado com o meu dinheiro e tive a impressão de que eu iria desmaiar. Otto me segurou contra o corpo dele:
- Juliet, fale o que está acontecendo aqui, por Deus.
- Obrigada, pai. – disse Joana. – É um prazer ter você ao meu lado, sempre. Eu já disse para vocês que ele tatuou o J no braço em homenagem a mim? Junto com as iniciais dos meus outros irmãos. Porque somos uma família feliz... Sempre fomos. – ela olhou para mim. – Simon Dawson nunca gostou de nada ruim e de má qualidade... Sempre soube escolher coisas boas, do nível dele. Por isso ele deixou o seu passado horrível e toda bagagem indesejada para trás quando veio para Paraíso. E aqui, junto de mim, minha mãe e meus irmãos, montamos nosso lar, cheio de amor, felicidade e união.
Olhei para Nicolas e vi lágrimas nos olhos dele:
- Me diga, por favor, que você não sabia disto, Nicolas.
- Deixa eu explicar... Por favor.
- Não... Eu acho que não é preciso. Pelo visto você também tentou esquecer seu passado, como meu pai... Deixou sua “bagagem indesejada” para trás e tentou montar seu lar ao lado dela... E desta “família perfeita” e falsa. Por que não tatuou nada em homenagem a ela na sua pele? – senti meu lábio tremer quando pronunciei as últimas palavras.
Vi Otto indo rapidamente até o palco, empurrando todo mundo que estava à sua frente.
- Ei, aonde ele vai? – perguntou Eduardo.
- Precisamos contê-lo... – falei retirando meus sapatos e pegando na mão enquanto corria atrás dele.
Mas não adiantou. Otto estava cego pelo ódio e quando vi ele estava em cima do palco, olhando firmemente para Simon. Consegui ver o sorriso sarcástico no rosto de Joana. Simon o olhou sem entender nada e depois virou para o público, encontrando o meu olhar. Então, em uma fração de segundos, Otto socou a cara de Simon com força, gerando uma confusão no palco. Algumas pessoas tentaram contê-lo, mas Nicolas já estava lá em cima, não deixando ninguém tocar em Otto, que continuava a socar Simon Dawson, fazendo o sangue jorrar. Eduardo foi ajudá-los e eu fiquei ali, imóvel, vendo a destruição completa da festa ridícula de Joana, filha adotiva de meu pai, Simon. Se não bastasse o horror de viver aquele momento, e pensando que não poderia ficar pior, vi Tom subindo no palco e se jogando por cima de Nicolas. Fechei meus olhos e Eliete me pegou pelo braço, fazendo eu recobrar minha consciência:
- Venha, precisamos sair daqui, Juliet.
Eu olhei para ela e senti tanta tristeza, tanta raiva de mim mesma... Por que a vida insistia em jogar tudo na minha cara o tempo todo?
Sai correndo, procurando a porta por onde eu havia entrado, deixando tudo e todos para trás. Preocupei-me com Otto, mas sabia que ele se sairia bem...
Assim que encontrei o portão, atravessei a rua sem olhar para os lados, quase sendo atropelada e corri até a praia. Senti a areia ainda quente e solta sobre meus pés e segui em direção ao mar, que estava morno. Fui entrando mar adentro até sentir a água na altura do meu pescoço. Então mergulhei, tentando afastar a dor que existia no meu coração. E não, não era tanto pela traição de Nicolas... Era por Simon Dawson ser uma pessoa tão horrível. Minha mãe me avisou tantas vezes. Ela sempre me alertou. E eu nunca quis escutar. E o pior, eu tinha certeza de que ele era muito pior do que ela dizia.
Quem era capaz de deixar uma mulher perfeita como minha mãe, com um bebê recém nascido e dar amor e carinho para o filho de outra mulher, abandonando a própria filha à mercê da vida? Eu sonhei tanto em conhecê-lo... Eu passava noites imaginando o motivo pelo qual ele me deixou e nunca quis me conhecer. Tantas vezes me puni, achando que eu era culpada. E ele sempre esteve ali, dando tudo que eu queria para outra pessoa que não tinha nada do sangue dele. Eu poderia me lamentar a vida inteira... Mas então eu lembrei que eu deveria ser grata. Porque a vida tinha me dado Otto. E nele posto todo o amor e carinho que eu precisava. Como pude ser tão horrível e dispensar a atenção e o afeto que ele tinha por mim? Como consegui ser tão dura com a minha mãe e não aceitar quando ela me alertava sobre tudo?
Senti braços me envolverem e me puxarem para fora da água. Eu poderia resistir, mas não o fiz. Não era minha intenção causar minha própria morte. Eu só precisava de um tempo sozinha... E o que tive foi suficiente.
Nicolas me pegou no colo e me retirou da água. Não me desvencilhei dele... Pelo contrário, passei os braços sobre o pescoço dele e perguntei:
- Por quê?
- Não foi proposital, eu juro. Eu tentei lhe contar, mas por incrível que pareça fui impedido... Por Tom, por Otto, pela vida. Parece que tudo conspirou contra mim quando eu tentava dizer-lhe.
- Onde está Otto?
Ele me virou e vi Otto sentado na calçada, de frente para o mar, com Eliete e Eduardo.
- Me ponha no chão, Nick.
Ele me obedeceu e me encarou, depois me abraçando:
- Por Deus, me deixa explicar.
Afastei-o e disse:
- Me explique, Nick... Explique-me tudo... Da mesma forma como me deixou explicar há seis anos atrás, quando me viu entrando no carro de Tom.
Depois de um breve silêncio, ele disse:
- Me perdoa.
- Por ter me deixado sem me escutar quando entrei no carro de Tom? Eu já perdoei... E inclusive já lhe disse isso. Agora me fale qual sua explicação para tudo que aconteceu hoje, pois eu quero sim ouvir.
- Juliet, eu a conheci na faculdade, como lhe expliquei. E não sabia que ela era a filha adotiva de Simon.
- E o que você fez quando soube, Nick? Procurou se afastar dela?
- Eu... Fiquei desnorteado. Inicialmente queria acabar com ele... Mas eu ainda estava cego de raiva... E queria me vingar de você.
- Por eu ter tentado me explicar sobre Tom e você não ter deixado?
- Não... Por você ter dito que eu não significava nada e que Simon era tudo que você tinha... Por ter dado todo o seu dinheiro para ele sem contestar ou sequer pesquisar antes se o que ele dizia era verdade. Por ter dado ouvidos a ele, ignorando por completo o que sua mãe e Otto tentavam lhe alertar.
- Então você achou que a vingança perfeita seria se envolver com a filha adotiva de Simon Dawson. – balancei minha cabeça incrédula. - Só me explique mais uma coisa, Nick... Qual a intenção a não ser unicamente me causar uma dor horrível?
Ele alisou meu rosto:
- Só fazê-la sofrer... E me culpar pelo resto da vida pelo monstro que eu fui... E por ter perdido o que eu tive de mais importante a minha vida inteira.
- Plano bem sucedido, senhor Welling. – falei virando e seguindo meu caminho.
- Juliet?
- Acabou, Nicolas... Eu vou embora desta porra de lugar.
- Eu amo você... – ele disse aos prantos.
- Não duvido do seu amor... Assim como também não duvido da pessoa horrível que você pode ser com quem ama. – falei o encarando pela última vez.
Otto levantou quando me viu indo na sua direção. Assim que cheguei perto dele, deitei a cabeça no seu peito e comecei chorar sem receios, sem medo... Sentindo os braços dele me envolverem carinhosamente. Eu só precisava dele perto de mim, dizendo que tudo estava bem e que um dia eu esqueceria aquela noite horrível.
- Por que, Nicolas? – ele perguntou aturdido.
- Bem, nós vamos embora. – disse Edu puxando Eliete.
Ninguém falou nada. Os dois se foram. Nicolas sentou na calçada e baixou a cabeça:
- Eu só peço perdão... Eu fiz tudo errado.
- Nicolas, você poderia ter feito qualquer coisa para magoá-la, menos usar Simon. Você jogou sujo... E pesado.
- E vou me culpar para sempre, Otto. Eu fui um idiota. Quando a vi chegar em Paraíso eu desisti do plano na mesma hora... Eu juro.
- Não ia fazer diferença, Nicolas. Só de você ter pensado em usar meu pai para me ferir de nada adiantaria suas desculpas. – falei.
Olhei para Otto e ele estava corado e quente, mas não tinha nenhuma marca da briga:
- Pai... Você acabou com ele? – um sorriso surgiu no meio das lágrimas que insistiam em cair.
- Acabei com ele... Como sonhei por tantos anos. Não tenho certeza se quebrei os dentes, como você pediu. – começamos a rir e ele me puxou para perto dele novamente. – Vamos embora, minha filha. Paraíso e as pessoas que moram aqui não merece você...
Paramos na rua e nos olhamos. Sim, havíamos ficado sem nossa carona.
- Eu levo vocês. – disse Nicolas.
- Não. – falou Otto.
- Tudo bem, pai. – eu disse. – Eu só quero ir embora. Não faz diferença como vamos chegar. E quando eu digo ir embora não me refiro ao lugar que estamos... Refiro-me à nossa casa... Longe daqui.
Nicolas levantou e foi buscar o carro. Otto estava com o braço sobre meus ombros. Eu estava toda molhada. Esperávamos Nicolas quando vi Simon vindo na nossa direção, com a camisa rasgada e o rosto machucado e com sangue. Ultimamente todos à minha volta tinham sangue... E por minha culpa. Definitivamente era hora de eu partir daquele lugar.
- Eu preciso falar com você. – ele disse me olhando.
- Sai de perto da minha filha ou acabo de vez com você. – Otto falou enfurecido e eu o segurei firme, para que ele percebesse que estava tudo bem e eu estava ali... E nunca sairia do lado dele.
- Pai... Eu acho que preciso falar com ele. – encarei Otto. – De uma vez por todas.