Capítulo 90
2214palavras
2022-07-24 08:01
- Ok, temos um problema. – disse Otto.
- Eu nunca pensei que seria fácil deixá-lo. Mas também não me passou pela cabeça que pudesse ser tão difícil.
- Tenho um pouco de medo.
- Eu também. – confessei.
- Enfim, estou aqui agora. Acho que deve descansar um pouco.
- Eu vou sair à noite com Nicolas.
- Como assim? Você está com a perna quebrada e engessada. Onde vai?
- Num luau.
- Luau? Você e Nicolas estão loucos?
- Um pouquinho. Eu nunca fui a um luau. Quero muito.
Ele riu:
- Sabe o que pensei?
- O quê?
- Quando você ficava de castigo.
- E eu não lembro? Tinha tanta raiva. Quando você ficar bem velhinho eu vou botar você de castigo, Otto.
- Vai se vingar?
- Vou sim.
- Eu não acho prudente você sair com a perna deste jeito. Mas você já é adulta agora. Então não há o que fazer.
- Pode me ajudar a levantar, por favor?
- Posso. – ele riu, me ajudando.
Peguei os papéis que Eduardo me trouxe e levei comigo até o quarto. Passei a tarde lendo e analisando.
Perto do horário combinado com Nicolas, Lu me ajudou no banho. Coloquei um vestido longo para tapar minha perna e uma sandália sem salto... Porque usar salto com a perna daquele jeito era praticamente impossível. Não queria levar bolsa e também não queria deixar o celular. Então o levei na mão. Nicolas chegou no horário combinado. Usava uma calça leve, solta e uma camiseta branca com tênis discreto.
- Você está linda. – ele disse. – Eu traria flores, mas como sei seu gosto, preferi não trazer nada.
- Você também não está nada mal...
- Eu poderia usar bermuda, como todos estarão usando, mas acho que isso deixaria você furiosa.
- Com certeza. – eu ri. – Pode levar meu celular no seu bolso?
- Posso. – ele pegou.
- E vai ter que pagar tudo para mim. Não estou levando dinheiro e não tenho mais cartões ilimitados.
- Pago para você, sem problemas. E comigo não terá cartões ilimitados.
- E quem disse que eu queria?
Ele me ajudou a andar até o carro, ajeitando o banco mais para trás para que eu ficasse confortável.
- Ok, vamos ao luau. – ele disse em direção ao portão de saída do resort.
- Tudo aqui é perto? – perguntei.
- Sim, relativamente perto. É uma cidade pequena. O resort quase toma conta de tudo.
- Percebi.
- Você não pensou em encontrar seu pai aqui?
- Se refere a Simon?
- Sim.
- Não... Eu não gostaria de encontrá-lo.
- Nem tem curiosidade de saber o que ele fez com seu dinheiro? Por que você não partiu com ele, afinal?
- Mesmo minha mãe tendo morrido eu havia decidido vir com ele, temporariamente. Queria conhecer minha família, no caso os filhos dele, que eram meus irmãos. Ainda acreditava na história do menino doente que precisava do dinheiro. Quando cheguei no hotel ele não estava mais. Havia partido no mesmo dia que lhe entreguei todo meu dinheiro.
- Eu sempre imaginei que fosse tudo mentira.
- Eu não quero saber o que ele fez com o dinheiro. Porque nunca mais quero encontrá-lo, entende? É como se ele nunca tivesse existido na minha vida. Vê-lo seria reviver uma tristeza e um passado desnecessários.
- E se você o encontrasse e soubesse que ele é pior do que você imaginava?
Olhei para ele confusa:
- Você encontrou Simon aqui, Nick?
- Não... Não encontrei. Foi só... Uma hipótese.
- Encontrá-lo aqui e saber que minha mãe sempre teve razão e que fui mais idiota do que imagino que fui acabaria comigo. Simon é uma pessoa que eu não desejo que cruze meu caminho nunca mais.
- Entendo...
Ele estacionou o carro na beira da praia. Havia lindas fogueiras acesas perto do mar, música e uma linda decoração. Nicolas me ajudou a descer. Olhei para ele e disse:
- Nick, me perdoe por não ter ouvido você quando me disse que eu estava agindo errado. E por ter me alertado que a família que eu tinha era perfeita... E que eu não precisava de outra.
- Me perdoe por ter ido embora sem deixar você se explicar. Por ter sido egoísta e deixar meu ódio e raiva falar mais alto.
- Me perdoe por tirar você do que eu chamava de família... Porque você sempre foi tudo que eu tinha de mais importante. – falei não evitando as lágrimas.
Ele limpou as lágrimas do meu rosto com os dedos e me disse, olhando nos meus olhos:
- Me desculpe por não estar ao seu lado quando mais precisou de mim.
- Eu te perdoo, Nick... Do fundo do meu coração.
- Eu também te perdoo. Reencontrar você depois de seis anos foi a segunda melhor coisa que aconteceu na minha vida. – ele sorriu, acariciando meu rosto.
- E posso saber qual foi a primeira?
- Te encontrar, no Manhattan Bar, há oito anos atrás.
Passei minhas mãos pelo pescoço dele, deixando as muletas caírem e me apoiando nele. Seus lábios alcançaram os meus, docemente. Coloquei minha língua dentro da boca dele e logo estávamos num mesmo ritmo, já mais intenso e provocante.
- Não me morde... Por favor. – ele pediu entredentes, sem deixar meus lábios. – Espere eu me recuperar desta.
- Não posso garantir. – chupei levemente seu lábio machucado.
- Você me deixa louco, rainha do drama.
- É este o objetivo, Nick, enlouquecer você... – falei passando minhas mãos por dentro da camisa dele, alisando suas costas.
- Quer mesmo ficar no luau? – ele perguntou no meu ouvido.
- Não tenho certeza. – sorri, mordendo o lóbulo da orelha dele.
Ouvimos alguém pigarrear. Nos soltamos imediatamente. Senti meu coração bater descompassadamente, imaginando que pudesse ser Tom. Mas não... Era Eduardo.
- Boa noite! – ele cumprimentou.
- Boa noite, Edu. – falei.
Nicolas cumprimentou-o com um aceno de cabeça:
- Onde está Eliete?
- Já está na praia. – ele indicou onde ela estava.
- Bem, então vamos. – disse Nicolas juntando minhas muletas.
Logo a areia fina invadia meus pés. Havia uma linda mesa com frutas da estação e drinques. Na chegada, recebemos um colar de flores.
- Desculpe as flores. – Edu riu, falando no meu ouvido.
- Tudo bem.
Eliete veio até nós. Ela estava linda usando um vestido branco que realçava sua pele e uma maquiagem mais leve. Eduardo usava bermuda branca e camiseta vermelha e estava descalço.
- Isso é muito legal. – eu falei excitada, olhando as pessoas dançando ao som do reggae ao vivo tocado pela banda e sentindo a brisa quente do mar.
- Aproveite. Só acontece uma vez no ano. – disse Edu.
- Você sempre veio, Nick?
- Algumas vezes. Não todas.
- Conhece muitas pessoas em Paraíso? – perguntei.
- Ele conhece quase toda a cidade. Afinal, ele emprega todo mundo. – Eliete riu.
- E você tem certeza que não conhece Simon Dawson? – perguntei baixinho no ouvido dele.
- Eu... Não conheço.
- Temos outra festa para ir. – disse Eduardo. – Joana nos convidou para o aniversário dela.
- Nos convidou? – perguntou Nicolas. – Você e quem?
- Juliet. Ela convidou Juliet também.
Nicolas me disse preocupado:
- Você não pode ir na festa dela.
- Por qual motivo, Nick? Ela me convidou.
- Porque ela não gosta de você.
- Eu também não gosto dela. Então estamos quites, não acha?
Eliete me trouxe uma bebida que eu nunca havia provado. Um drinque com coco e calda de cereja. Além de bonito, era gostoso.
- Você pode beber? Está tomando remédios. – Disse Edu.
- Posso sim. – dei de ombros. – Quem vai a um luau e não bebe?
- Venha, vamos sentar. Você não pode ficar aqui de pé por tanto tempo. – disse Nicolas me levando até uma espécie de balanço confortável, de tramas de linha grossa e uma gostosa almofada.
- Vai ficar de pé? – perguntei.
- Um balanço... Uma mulher e ainda com a perna quebrada. Eu sou perfeito, esqueceu? Ainda vou pagar a conta.
- Acha mesmo que vou ficar sentada aqui e deixar você sozinho? – levantei com dificuldade, pulando até ele.
Passei as mãos pela sua cintura, sentindo seu corpo quente junto do meu. Ele colocou o rosto no meu pescoço e aspirou, dizendo:
- Eu adoro o seu cheiro...
- E eu o seu corpo... Inteiro. – olhei para cima.
Ele me beijou delicadamente, sugando meus lábios com doçura.
Olhei para os lados e havia muitas pessoas observando:
- Nick... Eu não quero que todos saibam... Ou melhor, não quero que Tom saiba.
- Mas vocês já terminaram. Você é livre agora, Juliet.
- Não quero problemas. Eu conheço Tom e sei que ele não ficará aqui muito tempo. Logo ele desiste e vai embora. Então nós... Nós o quê? – perguntei confusa.
- Namoramos? Noivamos? Casamos? – ele riu.
- Seu bobo... Acho que nós vemos o que fazemos.
- Não quero perder você de novo, rainha do drama.
- Não vamos nos perder, Nick. Nunca mais.
Ele olhou ao redor:
- Tom não está aqui. Ninguém daria um convite a ele. E ninguém aqui vai contar para ele. Eu não concordo com isso, confesso. Mas também entendo e aceito sua decisão. Mas não vou ficar aqui, à luz da lua, na beira do mar, sem beijar ou tocar em você.
- Não sei se eu conseguiria também... – confessei. – Não aqui... Lembra da nossa noite na praia?
- Como se fosse hoje... – ele me virou de costas para ele, me enlaçando abaixo dos seios com seus braços, descansando a cabeça no meu ombro.
- As lembranças nunca me deixaram... – confessei. – Nenhum dia.
- Não houve um dia que não pensei em você... E eu tinha tanta raiva... E queria tanto me vingar. E achei que não poderia perdoá-la por ter acabado com o que a gente tinha, que era tão forte, tão intenso... No fim, quando eu vi você de novo, eu percebi que nunca deixei de gostar... E que magoar você seria ferir a mim mesmo.
- Eu estava preparada para sua vingança. – confessei.
- Eu não estava para concretizá-la.
A noite não demorou a passar. E ficamos o tempo todo relembrando nosso lindo e perfeito passado. Vimos Eduardo e Eliete conversando animadamente. Passaram boa parte da noite assim.
- Acho que finalmente me livrei do seu segurança. – ele riu.
- Eliete tem sorte. – falei. – E ele também.
- Acho que sim. São um casal legal.
- Nick, podemos ir? – perguntei.
- Já? – ele olhou no relógio. – Podemos sim.
Nos despedimos de Eliete e Eduardo e fomos pela calçada.
- Quer dar uma volta? – ele perguntou. – Conhecer a cidade?
- De carro? Porque eu não posso andar. – lembrei.
- Só um pouco. Você vai gostar...
Olhei e não parecia tão longe. Peguei as muletas e fui andando ao lado dele.
- Moraria em Paraíso para sempre?
- Eu... Não sei. – confessei. – Tenho saudade de minha vó, minhas tias, Lorraine...
- Tenho saudades de nossa cidade também. E de Lorraine e sua tia... E até da vó. – ele riu.
- O que houve com a sua mãe? Onde ela está?
- Faz um tempo que está viajando. Conhecendo o mundo. Ela nunca aproveitou a vida.
- Que bom. Mas ela vai voltar?
- Claro, só não sei quando.
- Eu queria conhecê-la.
- Ela não é como dona Olga.
- Em que sentido?
- Não tão receptiva, nem carinhosa.
- Entendo...
Andamos um pouco e ele disse:
- Não quer mesmo que Tom fique sabendo sobre nós?
- Por enquanto, não. – reafirmei.
- Então não vou levar você embora.
- Não? – perguntei confusa.
- Você vai ter que dar um jeito de ir sozinha.
- Sozinha? Você só pode estar brincando.
- Acreditou mesmo que eu ia deixar você brincar comigo e não fazer nada?
Olhei-o confusa:
- Eu não estou entendendo nada, Nicolas.
- Enfim, vou embora.
- E me deixar aqui, sozinha?
- Você tem seu amigo motorista. Procure por ele.
- Nicolas! Eu vou matar você, seu imbecil.
Ele não me deu atenção. Virou as costas e partiu sem olhar para trás.
Fiquei ali, sentindo meu coração bater violentamente. Se eu não tivesse um infarto naquele momento, nunca mais teria. Se eu não estivesse com aquele gesso, juro que correria atrás dele e o encheria de tapas. No entanto respirei fundo e pensei em onde encontrar um matador profissional que cobrasse barato em Paraíso, afinal, eu não tinha mais nem cartões.
Meu celular ficou no bolso dele. Olhei para as pessoas ao longe no luau se divertindo e tive raiva de mim mesma. Voltar e dizer para Eliete e Edu que Nicolas havia me deixado sozinha e mandado eu voltar caminhando de muletas para casa seria humilhante. Eu ficaria ali, esperando. Otto daria minha falta e me buscaria. Eu tinha certeza disso. Mas eu não iria chorar. Vingaria-me, nem que fosse a última coisa que fizesse na minha vida.