Capítulo 85
2432palavras
2022-07-24 07:58
Desci e esperei na sala de estar enquanto Nick chamava alguém para ajudar Tom com as malas e levá-lo até sua nova casa temporária na Villa Paradise.
Enquanto Nicolas estava numa ligação e Otto organizando as malas perto da porta, Tom veio até mim e me deu um beijo no rosto:
- Dia cansativo... Boa noite, gatinha. – ele se aproximou do meu ouvido e disse baixinho: - Não vou desistir de você. Vou lutar até o último minuto. E não é porque eu não sei perder... É porque você é a única coisa que eu tenho de real na minha vida.
- Tom...
- Você pode dizer que não há esperanças... Mas enquanto eu ver você, eu terei esperanças.
- Então entende exatamente porque é impossível trabalharmos juntos...
- Entendo. E desde que você não trabalhe para ele, tudo bem. – ele olhou para Nicolas, que seguia no telefone, mas com o olhar fixo em nós.
Tom se despediu ligeiramente e foi. Senti um alívio imediato quando ele partiu. Ficar perto dele era tenso e não me deixava bem. Eu começava a ter certeza de que não seria tão fácil pôr um fim naquele relacionamento. Ele não me deixaria em paz. E não tenho certeza se voltar para minha cidade melhoraria em alguma coisa. Ele iria atrás de mim, da mesma forma.
- Quanto tempo para alguém nos buscar? – perguntei para Nicolas.
Ele me pegou no colo. Fiquei olhando para ele confusa.
- Estou levando você para sua casa. – ele disse abrindo a porta.
- Nicolas...
Ele deu alguns passos comigo em seus braços e Otto nos acompanhou. Em seguida ele parou na pequena área externa da casa ao lado da dele e abriu a porta, entrando comigo ainda no colo. Subiu a escadaria estreita e entramos num quarto não muito grande, mas parecendo confortável. Ele me colocou gentilmente sobre a cama de casal.
- Eu... Não estou entendendo. Ou não quero entender. – falei.
- Sua casa na Villa.
- Ao lado da sua? – quase fiquei sem ar.
- Claro. Acha que seria diferente? Que eu deixaria você longe e ele perto? Eu sou o dono daqui.
- Há quanto tempo este local está vago? – perguntei atordoada.
- Desde sempre... Esperando por você.
- Como assim?
- É sua.
- Não... Não é minha, Nick... Eu... Estou confusa...
- Não fique, rainha do drama. Descanse. Você precisa. Estou aqui ao lado. Pode me ligar quando quiser. Acho que se gritar eu também escuto.
- Meu telefone caiu na garagem.
- Fique com o meu então.
- Nicolas, eu não vou ficar com o seu telefone.
- Tirei você de uma cama e trouxe para outra. E a próxima mudança de cama será para a minha, rainha do drama.
- E o que significa isso exatamente, Nicolas?
- O que você acha?
- Não sei... Diga-me você.
Otto chegou, ante de ele responder, analisando tudo atentamente:
- Nicolas, isso não vai dar certo.
- Por que você acha isso, Otto?
- Teremos um Tom furioso quando souber. E sinceramente, parece provocação.
- Não foi. Eu juro. – disse Nicolas. – Mas eu jamais a deixaria longe de mim.
- Me diga agora, por favor, que não vai embora. – Nicolas me encarou.
- Eu vou Nicolas. Mais cedo ou mais tarde. Aqui não é meu lar.
Otto se dirigiu à porta e olhou no relógio:
- Você tem dez minutos para se despedir e sair, Nicolas.
- Ei, você virou dona Olga? – ele perguntou rindo.
- A convivência me deixou assim. – Otto retribuiu com um sorriso.
- Ela sempre marcava em cima... – lembrei. – E ao mesmo tempo me empurrava para cima de Nick.
- Ela me amava... E me escolheu para você. – ele se vangloriou.
- Ela era mole demais com nossa garota. Eu não sou. – disse Otto saindo.
- Ela escolheu você... E que bom que não soube que você me deixou. – falei.
- Você me deixou primeiro. Escolheu seu pai e ela jamais aceitaria perder você para ele... Assim como eu não aceitei.
- Ela não teria partido... E me deixado.
Ele me abraçou:
- Não percebe que foi o que aconteceu, Juliet? Será que ela suportaria ver você partir com Simon? Eu não suportei.
- E eu me culpei todos os dias da minha vida depois do que aconteceu.
- Eu também... Por tudo.
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Eu me culpei tanto por tê-la deixado quando soube por ela mesma sobre a morte de dona Olga. Aquilo me doeu tanto... Saber que ela precisava de mim, que sofreu talvez mais do que poderia suportar. E eu não estava lá. E Tom estava.
Mas ao mesmo tempo, mesmo que eu não tivesse perdido a cabeça naquele dia, com tudo que aconteceu, eu igual teria chegado em casa e meu pai teria agredido minha mãe. E eu não teria suportado. E precisava proteger minha mãe também. E Juliet jamais partiria comigo para um lugar qualquer. Éramos jovens... Não podíamos nos casar ou morarmos juntos em tão pouco tempo. Nem a mãe dela aceitaria perdê-la para mim, de uma hora para outra. E ficar na cidade, perto do meu pai, era praticamente inviável. Eu precisava levar minha mãe para o mais longe possível, para ela se dar conta de que podia sobreviver sem ele e suas agressões... Que o dinheiro dele não nos servia de nada... Que não valia pagar o preço.
Alisei o rosto dela e lhe dei um beijo leve nos lábios. Ela tocou com o dedo a minha boca:
- Ficou bem feio seu lábio. Desculpe-me.
- Acho que vai ficar pior quando terminarmos isso que começamos.
Ela corou. Eu sorri:
- E da próxima vez não haverá interrupções. Eu garanto.
- Me sinto mal por ter deixado você assim...
- Não se sinta. Eu quero marcas em todo meu corpo. – passei o dedo nos lábios dela, descendo o inferior, sentindo sua boca úmida.
Como eu queria dizer tudo que eu sentia naquele momento. Vê-la ali, praticamente imóvel na cama, me fazia desistir de tudo imediatamente. Só em imaginar a possibilidade de perdê-la doía cada parte dentro de mim.
Mas tenho certeza de que nossa história estava começando novamente. E muita coisa havia mudado. Nada nem ninguém nos separaria desta vez. Eu não deixaria. Se ela quisesse ficar em Paraíso, ficaríamos. Se ela desejasse voltar para nossa cidade, eu abandonaria tudo e voltaria. No fim, tudo foi por causa dela, sempre.
Eu precisava contar a verdade. Não queria que ela soubesse a forma que eu havia planejado minha vingança. Não queria magoá-la, mais do que ela já estava. Tudo havia ido por água abaixo, acho que no exato momento que meus olhos encontraram os dela, parada na porta da minha casa, com óculos escuros e roupas de grife e completamente insegura e machucada por dentro. Sim, machucada por tantas pessoas... E também por mim. A machuquei no passado... E tentei machucá-la quando a fiz voltar para mim. Mal sabia que tudo que fizesse à ela doía muito mais em mim. Eu precisava de perdão... Ela precisava de perdão. E precisávamos um do outro. Eu não entendia como consegui ficar tanto tempo longe dela, se meu corpo não conseguia se afastar um minuto desde que a reencontrei.
Mas a verdade não poderia ser contada assim, sem prepará-la antes. Ela jamais me perdoaria se não soubesse com calma e da forma correta. Então eu iria começar parte por partes, em doses homeopáticas, até chegar ao fim e contar-lhe toda a verdade. O plano estava acabado... Eu só queria ela e nada mais.
- Eu vou indo. – olhei no relógio. – Antes que Otto venha e me diga que não cumpri o horário.
- Me sinto nos velhos tempos.
- Só falta ele me mandar dormir no chão do seu quarto ou na sua cama somente em finais de semana. – eu ri.
- Vai dizer que você não gostava das regras? Nunca queria quebrá-las.
- É que esperava tão ansiosamente pelos finais de semana... Nunca mais isso aconteceu depois... Desejar o sábado e o domingo mais que qualquer coisa na vida.
- Éramos felizes e não sabíamos.
- Acho que sabíamos sim...
- Será? Lembrar do passado, até mesmo do seu apelido, lhe trazia as piores lembranças do passado, pelo que sei.
Suspirei e disse:
- Vivi por seis anos do passado. Acha mesmo que ele me traz recordações tão ruins?
- Quando foi mesmo que você decidiu que não me odiava mais, Nick?
Cara, eu nunca odiei você! Eu amei você desde o primeiro olhar que trocamos, no Manhattan, há pouco mais de oito anos atrás. E quando você me disse que seríamos amigos porque eu conhecia Carlos Eduardo, eu soube que meu mundo viraria de cabeça para baixo por sua culpa. E ainda assim eu entrei neste trem, que era praticamente desgovernado, que poderia me levar para qualquer lugar e ainda me jogar fora dos trilhos. E foi isso que aconteceu: literalmente fui jogado para fora. Mas no fim, voltei para a estação... E novamente entrei nele... Com fé de que seguisse nos trilhos, mas sem a certeza absoluta.
- Você me odiou alguma vez? – ela perguntou.
- Não... Nunca.
- Eu já odiei você. – ela disse.
- Espero que por poucos minutos.
Só de pensar que ela pudesse ter algum sentimento ruim por mim, a não ser amor, doeu dentro de mim. Chegou a me dar um frio na barriga pensar nela tendo ódio de mim e não querendo me ver nunca mais. Eu fui tão egoísta e mesquinho quando ouvi dela sobre ainda me amar e dizer que não correspondia, quando eu era todo dela.
Eu sabia que ela ainda gostava de mim, pois não deixaria de gostar de uma hora para outra. Mas ela não repetiu mais que me amava. E isso me deixou inseguro. Teria ela começado a nutrir algum tipo de sentimento pelo motorista musculoso? Será que eu teria que mandar ele embora de Paraíso? Ou expulsá-lo do país?
Eu ri sozinho. O que eu estava pensando... Estava ficando louco, como ela. Só ela conseguia me deixar assim, sem saber como pensar, como agir, justo eu, sempre centrado e certo de tomada de decisões.
Dei um beijo no rosto dela e saí. Voltei para minha casa na certeza de que ela ficaria bem, principalmente com Otto ali. Ele era louco por ela, assim como eu.
Fui até a garagem e peguei o celular dela jogado no chão. A moto havia voltado para o lugar e só o retrovisor estava quebrado. Eu ri imaginando a cena dela subindo e a moto caindo. Juliet nunca foi muito normal ou previsível. Mas cair de uma moto parada e quebrar a perna era um tanto quanto estranho. Mas ela conseguia fazer isso. Toquei no celular. Deu-me um frio na barriga ao ver a foto dela e da mãe no visor. Imaginei o quanto foi difícil para ela perder aquela mulher, que era tudo na vida dela. Dona Olga era um exemplo de mão, mulher, força e garra. Desde que a vi pela primeira vez gostei dela. E acho que foi recíproco.
Eu amava minha mãe, mas sempre a julguei por tudo que passamos junto do meu pai. Ela sofreu e eu sofri junto desde pequeno. Tínhamos dias bons, mas os ruins eram tão horríveis que não superavam os bons momentos. Minha mãe era fraca e aceitava tudo com medo de viver uma vida ruim fora daquela casa. Inicialmente eu creio que a dificuldade era por ter um filho pequeno. Depois eu cresci e muitas vezes cobrei dela atitude e que deixássemos aquele lugar. Ninguém sabia o que passávamos... Porque ela não contava. Ela se afastou da família por causa do meu pai. Ela viveu a vida para ele e anulou a si própria. Somente a empregada vivenciada tudo conosco. Ainda assim nunca se intrometeu, pois ela também tinha medo do meu pai. Sempre tive a ideia de partir, para longe de tudo. E sim, eu deixaria ela, porque nunca imaginei que fosse vontade de minha mãe realmente partir. No dia que ele a derrubou, eu não dei a opção de escolha para ela. Estava tudo acabado e a decisão cabia a mim. Levei-a, sem escutar o que ela pensava sobre o que aconteceu. Ela nunca contestou minha decisão. Partiu comigo, deixando tudo para trás. E ela sabia muito bem de todos os nossos direitos. Ainda assim não cobrou nada dele porque não queríamos ser encontrados.
Passamos algum tempo em hotéis por cidades diversas. Eu queria terminar a faculdade. No fim, morar em hotéis já não dava para nós. Então eu comecei a planejar o que faríamos. Enquanto meu coração estava destruído por ter deixado Juliet e por imaginá-la em Paraíso, com o pai, jogando fora todo o dinheiro que a família lhe deu, eu ia nutrindo raiva por ela e sua atitude infantil e imatura.
No fim, tive a ideia de ir para lá. Longe de tudo e de todos, começar uma nova vida... Na esperança de talvez encontrá-la na rua, já que a cidade era extremamente pequena. E sempre sonhei conhecer este lugar.
Chegando, ideias foram surgindo. Retomei a faculdade numa cidade distante, pois Paraíso não tinha. Conheci pessoas inteligentes, criativas e ricas. E começaram a surgir ideias de ganhar dinheiro aqui. O projeto do Paradise ficou muito tempo engavetado, sem ter a atenção de ninguém. Como eu era jovem e recém-chegado aqui ninguém me dava os devidos créditos. Mas não desisti, pois sabia que o projeto era perfeito. Com a morte do meu pai, recebemos um bom dinheiro da herança. E tudo que sobrou dele foi o dinheiro... Hoje acho que foi a única coisa de boa que ele fez na vida por mim. Investi no meu próprio projeto e comecei a ter visibilidade. Consegui parceiros que acreditaram em mim. E confesso que quando começaram as construções, eu tive pouco tempo para pensar em Juliet, de tão envolvido que fiquei com tudo. Era um sonho gigantesco tomando forma, numa proporção que jamais imaginei. O marketing foi imenso e na inauguração não havia nem quartos disponíveis, todos haviam sido reservados com quase um ano de antecedência. O luxo e os serviços oferecidos fizeram do Paradise um lugar só para pessoas exigentes, de bom gosto e com muito dinheiro. E eu passei a comprar a parte de todos os investidores, oferecendo valores impossíveis de não serem aceitos. Então me tornei praticamente o único proprietário. Tinha alguns poucos sócios... Que não tinham poder algum de decisão.