Capítulo 84
1910palavras
2022-07-24 07:56
- Eu entrei sem nada... E saio sem nada. – falei firmemente. – Você pagou minha faculdade. Isso para mim é sair com as mãos cheias. Me facilitará arrumar um emprego.
- Não posso aceitar isso.
- Pode sim, Tom.
- Por favor... Prometa ao menos que vai pensar. Quanto tempo acha que vou levar para arranjar alguém de confiança e deixar aqui?
- Eu entendo... Mas ao mesmo tempo...
- Ao mesmo tempo você me deve isso, Juliet. Foi um grande investimento aqui. Não posso simplesmente abandonar tudo ou deixar nas mãos de qualquer um. Só comprei parte deste resort porque sabia que você estaria ao meu lado na gestão.
- Eu... Vou pensar.
- Já me ajuda... E me dá esperanças.
- Mas... Primeiro acho que vou voltar para casa. E me recuperar da perna. Não quero ficar na casa de Nicolas neste quarto por não sei quanto tempo. Não me sentiria à vontade.
- Posso exigir uma casa para nós. Temos este direito. Somos donos desta porra também. Não entendo porque ainda estamos aqui.
Eu suspirei:
- Tom, não existe mais “nós”.
- Entendi...
- Eu vou para minha casa... E quando minha perna estiver bem eu volto... É o melhor a fazer.
- Se você vai embora, eu vou também.
- Tom, não dificulte as coisas.
Ele levantou e disse:
- Vou providenciar um lugar para você ficar... Longe de Nicolas e das prostitutas dele. – ele piscou e sorriu.
Quando chegou na porta, ele virou o rosto para mim e disse:
- Se eu souber que você e Nicolas estiveram ou estão juntos... Eu mato os dois.
Dizendo isso ele saiu, fechando a porta tranquilamente e fazendo eu sentir um frio na espinha. Tom não era um idiota... Nunca foi. E eu tinha a impressão que ele até já sabia o que estava acontecendo. Afinal, não tinha explicação para Nicolas estar usando o meu cordão. Por que ele não me devolveu quando eu pedi? Afinal, qual meu medo? Medo não só por mim, mas também por Nicolas, por meu pai... Por todo mundo. Tom não era uma pessoa ruim... Quando estava sóbrio. E ele tinha dinheiro suficiente para fazer qualquer coisa contra mim e minha família.
Assim que Otto voltou para o quarto, eu disse:
- Otto, precisamos ir embora.
- Já tomou a decisão?
- Não há motivos para eu ficar aqui.
- E Nicolas? Já decidiu que vai deixá-lo?
Suspirei:
- Eu já lhe disse que amo Nicolas?
Ele riu:
- Não acho que precisa...
- Ainda assim, não quero mais ficar aqui.
- Tom lhe fez algo?
- Não, pelo contrário. Ele agiu como um verdadeiro cavalheiro. E exatamente por isso que eu tenho medo.
- Mas quer ir quando?
- Podemos ir amanhã?
- Tudo bem. Vou ligar e providenciar as passagens. Quer que eu chame uma das empregadas para lhe ajudar a fazer as malas?
- Quero, por favor.
Não levou cinco minutos e uma das empregadas estava ali. Expliquei que queria colocar algumas coisas na mala, mas não tudo. Havia coisas que eu sequer abri nas sacolas. Eu deveria descansar, mas já estava decidida a deixar Paraíso. E não poderia protelar, ou acabaria ficando ali para sempre.
Sentei na cama e fui orientando ela do que eu levaria e do que deixaria. Quando as malas estavam cheias, ela perguntou:
- O que fazemos com o restante, senhora Welling?
Olhei para ela com cara de poucos amigos.
- Desculpa... Mas o apelido pegou.
Eu sorri:
- Tudo bem... Só não fale na frente de ninguém isso. Sinceramente, não me ofendo. Mas há muitas pessoas à volta que podem ficar muito ofendidos... Ou “ofendidas”.
- Entendo, senhora Welling. E sinceramente, estou fazendo suas malas, mas duvido que o senhor Welling deixe a senhora partir.
Antes que eu respondesse, alguém bateu na porta. Ela foi abrir. Nicolas entrou e olhou para as malas:
- O que está acontecendo aqui?
- Eu vou embora, Nick... Para a casa da minha mãe. Ou melhor... Do meu pai... Neste caso, Otto, caso você não tenha entendido.
- Entendi muito bem. E não... Você não vai embora.
- Senhor Welling, quer que eu saia? – perguntou a empregada.
- Por favor. – ele pediu.
- Fique. – eu ordenei.
Ela nos olhou confusa.
- Nick, eu não vou mais ficar na sua casa.
- Eu arrumo uma casa para você, se o problema é ficar sob o mesmo teto que eu.
- Pode ir. – eu disse para a empregada.
Nicolas trancou a porta com a chave.
- Não, Nick... Não tranque.
- Ele não pode lhe fazer mais nenhuma mal, Juliet. Eu estou aqui. – ele disse se aproximando de mim e sentando ao meu lado.
- Você acha que tudo é assim tão fácil, Nick?
- Nunca foi fácil, Juliet. Para nenhum de nós. E eu sei disto.
- Ele pode vir aqui e...
Ele colocou o dedo sobre os meus lábios e disse:
- Eu não tenho medo dele.
Eu senti meu coração batendo descompassadamente. Definitivamente eu não queria uma briga entre Tom e Nicolas ali. Deixei tudo rolar no hospital porque tinha muitas pessoas próximas. Ali éramos somente nós. E eu ainda estava praticamente imóvel.
- Onde você esteve ontem à noite? – me ouvi perguntando.
Ele sorriu ironicamente e se aproximou ainda mais de mim. Consegui sentir o perfume discreto dele, de tão próximos que estávamos.
- Hum... Deixe-me ver... Ontem à noite voltei para a empresa e fui resolver algumas questões que deixei pendentes. Quando acabei, voltei para casa, abri a porta do seu quarto, vi que você já estava dormindo. Dei-lhe um beijo de boa noite... E fui dormir. Importante ressaltar que acordei cedo hoje para conseguir terminar os documentos que não dei conta ontem. Talvez eu tenha dormido umas cinco horas. E tudo estava indo bem até uma certa pessoinha decidir dirigir minha moto.
- Por que você não me disse que a moto estava aqui?
- Não sabia que era tão importante para você.
- Tudo que tenha a ver com o nosso passado é importante para mim de alguma forma.
Ele alisou meu rosto, deslizando o dedo para meus lábios.
- E o nosso presente? É importante para você?
Eu não falei nada. Senti minha pele se arrepiar ao toque dele. Nicolas encostou o nariz do meu pescoço e em seguida deu um beijo demorado nele.
- Eu achei que seria tão fácil me vingar de você...
- Não acha que já fez o bastante, Nicolas? Eu vou embora... O que mais você quer de mim?
- Eu quero você, rainha do drama... Só isso.
Ele foi me dando beijos vagarosos até chegar na minha boca. E então todo meu escudo contra ele caiu. E deixei que ele me beijasse delicadamente, lentamente, como raramente ele fazia. Seus beijos costumavam ser como sexo, de tão íntimos e intensos. Mas naquele momento, sua língua acariciava a minha sem pressa, misturando nossos gostos e deixando vontade de nunca mais sair dali. Levantei a camisa dele e acariciei suas costas, passando minhas unhas levemente, arrancando um gemido.
- Sempre ansiosa... – ele disse sem afastar os lábios dos meus.
- Eu não resisto a você, Nick... – confessei.
- Me sinto culpado pela sua perna... – ele disse se afastando um pouco, ainda alisando meu rosto.
- Deve se sentir mesmo... Se não tivesse afastado meu motorista, eu não teria entrado na sua garagem e visto a moto.
- Pois eu realmente não sabia de sua estreita ligação com a nossa moto depois de tanto tempo.
Fiquei em silêncio.
- E eu não estive com Joana ontem à noite. – ele olhou nos meus olhos. – Caso tenha pensado nesta possibilidade.
- Pensei... Afinal, ela é sua “amiga”. E sabemos muito bem como terminam suas amizades.
- Não termina sempre assim... Foi só com a minha rainha do drama.
- Ora, Nicolas, vai me dizer que não dormiu com Joana...
Ele ficou calado.
- A prostituta foi obra do seu ex...
- E você, como bom anfitrião, não recusou e encomenda.
- Faz seis anos que sonho em encontrar uma prostituta na esquina... E levar para um motel horrível...
Começamos a rir.
- Você ainda lembra disto? – coloquei minhas mãos na frente do rosto, envergonhada.
- Acho que será a última coisa que lembrarei antes de morrer.
- Com tanta coisa para lembrar, é isto que levará com você?
- Lembra do que eu disse depois do seu desejo?
- Sim... – corei.
- Ainda quer deixar minha casa? – ele me encarou.
- Sim. – confirmei.
- Me diga que não vai embora para nossa cidade, por favor.
- Eu terminei com Tom. Não há motivos para ficar mais aqui, Nicolas.
- Juliet, por favor...
Alguém tentou abrir a porta. Nicolas foi até lá e abriu. Era Otto:
- Tom chegou. Acho melhor você sair, Nicolas. Chega de confusão.
- Eu não estou fazendo nada, Otto. – ele disse sentado quase sobre mim.
Neste momento, Tom entrou no quarto.
- Que bom que encontrei todos reunidos. Imaginei que isso aconteceria na minha ausência. Pelo visto, os dias que passei fora uniu vocês... Todos.
- Você poderia ser mais claro? – disse Nicolas.
- Sim, vou ser bem claro: quero uma casa imediatamente para mim e Juliet. Longe da sua.
- Por que longe da minha? Não fui um bom anfitrião, Tom?
- Talvez até mais do que deveria, não acha?
- Continuo não entendendo o que você está tentando dizer.
- Tom, eu vou embora. Não tenho nada a ver com este lugar. – falei.
- Eu pedi para ficar... Pelo menos um tempo me ajudando. – ele insistiu.
- Ela está com a perna quebrada. Como quer que ela trabalhe? – perguntou Otto. – Está louco?
- Acho que você deve ficar em Paraíso pelo menos até tirar o gesso, Juliet. Será uma viagem conturbada de volta. – disse Nicolas.
- Enquanto isso, pensa em trabalhar comigo... – tentou Tom.
Olhei para Otto, que não me disse nada.
- Eu fico... Fora da casa de Nicolas... E somente eu e Otto na casa. Sem você, Tom.
- Concordo. – falou Tom.
- Eu também. – disse Nicolas.
- Você não tem que concordar, Nicolas. Tenho direitos aqui, esqueceu?
Os dois se encararam.
- Bem, já que estamos com as malas de Juliet já prontas, creio que seja hora de partir. Caso não tenha uma casa por aqui, na Villa, podemos ficar no resort, sem problemas. – disse Otto, já me levantando.
- Deixa que eu levo ela, Otto. – falou Nicolas.
- Eu levo... É minha mulher. – afirmou Tom.
- Ex. – corrigiu Nicolas.
- Eu não sou uma aleijada. Só estou com a perna quebrada. – falei me firmando em Otto.
- Ok. – Nicolas levantou da cama. – Tom, vou levar você primeiro à sua casa na Villa.
- Eu?
- Sim... Você não queria uma casa só para você?
- E você a tinha? Achei que não tivessem casas vagas.
- E realmente não tinha. Surgiu hoje. – Nicolas disse ironicamente.
- E eu aposto que duas.
- Sim.
Tom me olhou e eu abaixei a cabeça, sem dizer uma palavra. Eu creio que ele já estava a par de tudo que estava acontecendo. E olha que eu nem sabia o que estava acontecendo na real. Só sabia o que “já tinha acontecido”.