Capítulo 82
2124palavras
2022-07-24 07:55
Gritei várias vezes e não fui ouvida. A garagem era um pouco abaixo do nível da casa e ficava na parte dos fundos. Por isso era bem difícil alguém me escutar dali. E eu tinha medo de tentar retirar o corpo e machucar ainda mais. O que eu faria?
Então, como uma miragem, vi Tom correndo na minha direção. E nunca, em toda a minha vida, eu fiquei tão feliz em vê-lo.
- Gatinha? O que houve aqui?
Ele tentou puxar a moto de cima de mim, mas não conseguiu.
- Porra, quem inventa uma coisa desta que uma pessoa não consegue levantar?
- Tom... Tira isso daí. Está doendo muito a minha perna.
Ele correu até o portão e sumiu, voltando logo em seguida com dois empregados do resort, que ajudaram a levantar a moto. Eu fechei meus olhos e mordi meus lábios com força para não gritar quando tentei mexer minha perna.
- Não se mexa... – Tom pediu. – Por favor, tragam meu carro para cá.
Logo um dos homens saiu enquanto o outro afastou a moto com facilidade.
- Me diga que não está sangrando... – pedi, virando meu rosto enquanto ele me levantava com dificuldade.
- Não está sangrando... Mas é melhor você não olhar.
Quando ele finalmente me levantou, senti tanta dor que não resisti às lágrimas novamente. Ele me pegou no colo, levando-me cuidadosamente até o carro.
- Aonde você vai me levar? – perguntei.
Ele discou um número no celular, que estava no viva voz com conexão do carro, onde eu podia ouvir.
- Nicolas?
- Oi, Tom. Quanto tempo? – ouvi a voz conhecida do outro lado da linha. – Como está sua viagem?
- Nicolas, onde encontro um hospital nesta cidade?
- Hospital? Que cidade, Tom?
- Paraíso, Nicolas.
- Por que você quer um hospital em Paraíso?
- Estou com minha gatinha no carro. Ela derrubou a porra de uma moto sobre e perna dela... Eu acho que pode ter quebrado.
- Você está com Juliet? – ele quase gritou.
- Sim, Nicolas. Estou aqui. – falei antes que ele ficasse ainda mais preocupado.
- Você está bem, Juliet?
- Estou... Com dor, só isso.
- Onde é a porra do hospital? – Tom estava mais nervoso que eu.
- Estou indo para casa. Espere-me.
- Já estou fora do resort, Nicolas. O endereço da porra do hospital, por favor.
- Logo após o resort há uma pequena ponte sobre um pequeno córrego. Passando ela você estará no centro da cidade. Quando encontrar uma praça, com uma igreja no centro, o hospital é logo em seguida. Você consegue vê-lo da praça.
- Ok... Quanto tempo levo para chegar lá?
- Menos de dez minutos. Estou indo para aí.
- Nicolas, não precisa. – eu disse.
Tom desligou o telefone e me olhou:
- Por que ele quer vir? Até parece que Nicolas não tem nada para fazer.
Eu não disse nada, fechei meus olhos e tentei me acalmar enquanto minha perna latejava com uma dor física que eu nunca senti antes.
- Gatinha... Você está pálida.
- Dói muito.
- Acho que quebrou um osso.
- Ah, Tom, não me preocupe ainda mais.
- Eu... Acho que vou passar mal se você realmente quebrar um osso.
- O que você faz em Paraíso?
- Eu não disse que faria uma surpresa?
- Uma surpresa? Para mim que não é...
- Claro que é, gatinha. E ainda salvei sua vida.
- Não chega a tanto, Tom.
- Passaria o dia gritando naquela garagem e ninguém ouviria você. Foi o destino que me trouxe para salvá-la.
Revirei meus olhos. Só o que me faltava. Ele não conseguia nem com o peso da moto para tirá-la de cima de mim e ainda achava que era meu herói.
Logo atravessamos a tal ponte e avistamos a praça e a igreja. O hospital ficava quase atrás da igreja. Era pequeno e simples, e em nada lembrava o hospital da minha cidade, onde minha mãe se foi. E se não fosse o nome HOSPITAL escrito, eu nem saberia o que aquilo poderia ser naquela cidade minúscula. Tive a impressão de que o resort era maior que a cidade de Paraíso inteira. Ou havia tomado conta de uma extensão de mais que a metade da cidade.
Tom desceu comigo no colo e assim que chegamos na recepção, fomos encaminhados para um consultório. Fui colocada numa maca e o médico, atencioso, depois de um tempo deu o diagnóstico:
- Vamos fazer um raio X, mas tenho quase certeza que você quebrou o osso da perna. Seus batimentos cardíacos estão acelerados e sua pressão alta. Você é hipertensa?
- Não que eu saiba.
- Bem, vou deixá-la em observação depois do raio x para verificar se baixará, tanto a pressão quanto os batimentos. Pode ser devido ao seu nervosismo.
- Ok. Preciso de um remédio para dor... Está quase insuportável.
- Não se preocupe, receberá medicamento. Alguém da sua família com histórico de problemas no coração, infarto ou...
- Sim. – respondi antes de ele continuar. – Minha mãe morreu disso.
- Ela pode morrer disso também? – Tom perguntou preocupado.
- Calma, só vamos observar se vai ficar tudo bem. Como eu disse, pode ser da agitação e...
Ele parou de falar quando a porta se abriu do nada. E Nicolas entrou, seguido de Otto, sem serem anunciados. O médio ficou olhando-os surpreso.
- Como você está? – Nicolas perguntou preocupado, vindo até mim. – Deixa eu ver sua perna.
Eu não havia olhado ainda. Não tive coragem. Ele foi levantar a calça e o médico disse:
- Senhor Welling, bom dia. – ele levantou pacientemente e retirou Nicolas de perto de mim, que já estava abaixado tentando ver o ferimento. – Eu poderia dizer que é um prazer vê-lo aqui, mas devido às circunstâncias, acho que não.
- Filha, como você está?
- Estou bem...
- Otto, o que você faz aqui? – perguntou Tom.
- Juliet me chamou. E você, o que faz aqui? Temos muito que conversar, Tom.
- Ei, este assunto é entre mim e Juliet. – falou Tom.
- O que houve exatamente? Foi a moto? Como aconteceu? – me perguntou Nicolas preocupado.
- Bem, eu...
- Senhores, sinto muito, mas não podem ficar aqui dentro. – disse o médico abrindo a porta.
- Mas... Eu sou o marido dela. – disse Tom.
- Ex... – eu disse.
- Não... Ainda sou o marido.
- Eu sou... Amigo. – falou Nicolas colocando as mãos nos meus ombros.
- Eu fico... Sou o pai.
- Ninguém fica... Nem marido, nem amigo e nem pai. – avisou o médico. – Ela vai para o raio X agora. E quem fica com ela é o enfermeiro. – ele chamou o homem, que veio logo em seguida, me colocando numa cadeira de rodas.
Quando ele me movimentou, senti dor. Os três estavam em volta de mim e mesmo me sentindo péssima, tive um pouco de dó com a preocupação deles comigo, ao mesmo tempo que me senti importante de alguma forma para aqueles homens. Tom, que fazia tudo errado, e quando eu dizia tudo, era exatamente tudo... Ainda assim, eu sentia que ele realmente gostava de mim, embora isso não fosse mudar em nada minha decisão de deixá-lo. Se não fosse a bebedeira e a vida social badalada que ele levava, e o principal: drogas, talvez a gente pudesse ter dado certo. Mas estes itens era praticamente Tom inteiro. E ninguém consegue mudar uma pessoa toda. Nem sei se alguma vez ele tentou mudar. Sempre quis que eu me adaptasse ao mundo dele. E eu o fiz, quando deixei toda minha vida e fui para o apartamento dele. Mas isso foi quando eu não sabia quem eu era... E de alguma forma, ele havia me ajudado quando eu estava precisando. Tom me deu atenção, amor e carinho. Mas eu nunca poderia corresponder. No fim, acho que dei em troca o que ele merecia: uma mulher quebrada, insana e sem noção. Otto... Ah, Otto era o homem que eu tentei afastar da minha vida de todas as formas possíveis. E ele sempre estava ali... Quanto mais eu batesse, mais ele ficava. E se existia um senhor perfeito no mundo, era Otto, o marido da minha mãe e o homem que me criou desde os cinco anos de idade e que hoje eu chamava de pai. Ele sempre esteve lá... Mesmo quando lá nem sempre existia. Quando minha mãe morreu ele poderia simplesmente ter partido. Nunca foi obrigação dele cuidar de mim, a pessoa que nunca lhe deu valor. Ainda assim ele ficou... Quando todos se foram. E hoje ele era a única coisa real na minha vida. E Nicolas? Nicolas era o homem que me deixou ontem para dirigir sozinha um carro, dizendo que confiava em mim, que trouxe as melhores lembranças do meu passado. E depois ficou com uma mulher, sem eu nem saber que hora retornou para casa. Sim, quando eu dizia que odiava ele, eu realmente odiava. Ainda assim, o amor era maior que todo o sentimento ruim que eu tinha por ele algumas vezes. Nicolas era “o cara”. Nicolas era o amor da minha vida. E por mais imperfeito que ele fosse, ele sempre seria o meu senhor perfeito. Porque ele me conhecia melhor que eu mesma, porque ele fazia o melhor café depois da minha mãe. Porque ele fazia amor como ninguém. Porque o beijo dele curava qualquer dor dentro de mim. Porque o olhar dele era a única coisa que desabava meu mundo e ao mesmo tempo dava sentido a ele. Eu não sei exatamente quanto tempo passaria entre nossos encontros e desencontros, entre nossas mágoas e perdões... Mas eu sabia que se não fosse com ele no fim, não haveria final feliz para mim. O senhor perfeito era a minha felicidade. E ele havia me resgatado do fundo do poço onde eu me encontrava, mesmo quando tentava só me ferir e me maltratar. E sim, ele se preocupava comigo. Ou não teria deixado tudo para estar comigo naquele hospital.
Fiz o raio x, que confirmou uma perna quebrada. Maldita hora que encontrei a moto e subi nela. Eu não sabia nem dirigir um carro, que dirá montar sozinha numa moto enorme.
Já passava do meio dia quando minha perna foi engessada e fui levada para um quarto a fim de verificar meus batimentos e pressão até ficarem controlados.
Assim que o enfermeiro arrumou minha perna na cama, que a impressão que eu tinha era que pesava mais do que eu, perguntou:
- Posso chamar o seu pai, seu marido e seu amigo? Eles perguntam de minuto em minuto se está tudo bem.
Respirei fundo e disse:
- Ok, mas aposto que minha pressão e meus batimentos não vão baixar.
Ele riu:
- Eu tenho esta impressão também. Então sugiro acalmá-los e mandá-los embora. Assim você descansa um pouco. – ele colocou um aparelho no meu braço, para monitorar a pressão e alguns pontos ligados à uma máquina no peito. – Creio que em breve você será liberada.
- Obrigada.
Cinco minutos depois e os três estavam ali.
- Porra, você quebrou a perna. – falou Tom passando as mãos pelos cabelos, preocupado.
- Parou a dor? – Otto perguntou passando a mão na minha cabeça.
- Sim, bem melhor.
Olhei para Nicolas, mas ele não falou nada, só me encarava. Enquanto Tom falava sem parar e eu sequer prestava atenção, Nicolas perguntou:
- Como você derrubou a moto?
- Eu... Subi nela.
- Gatinha, por que você subiu numa moto?
- Não era “uma” moto. – Nicolas disse, olhando para ele. – Era “a” moto.
Otto perguntou:
- Amarela?
- Sim. – Nicolas disse se escorando na janela e afastando o olhar do meu.
- Aquela moto é sua, Nicolas? – perguntou Tom.
- Sim.
- Você a usa?
- Raramente. – ele confessou.
- Por que comprar algo tão pesado? Como você consegue segurar com o próprio corpo?
Otto riu:
- Não é tão difícil, Tom.
- Ele não conseguiu levantar ela de cima de mim. – observei, quase rindo. Um homem daquele tamanho, sem força.
- Me desculpa. – falou Nicolas me olhando.
- Você não teve culpa. Eu que não deveria ter subido e... Esqueça.
- E agora, gatinha? Vai ficar com isso na perna?
- Pelo menos um mês, eu acho.
- Você não era para estar trabalhando, Juliet? O que fazia na garagem? E o seu motorista?
- Nicolas me tirou o motorista. – falei, colocando “lenha na fogueira”. Sai desta, senhor perfeito.
- Por que você fez isso? – Tom perguntou olhando para Nicolas.
Eu ri. Momento vingança...