Capítulo 70
2045palavras
2022-07-18 05:19
Na manhã seguinte acordei cedo. Não havia trabalho, por ser final de semana. O que eu faria? Tom estaria péssimo e pediria desculpas de todas as formas possíveis. E eu já estava farta.
Tomei um banho quente e fui até a pequena sacada que havia no quarto. Estava tudo tranquilo na Villa. Acho que quase ninguém havia acordado ainda. Coloquei uma roupa simples. Passaria o dia no quarto.
Alguém bateu na porta. Era a empregada:
- Senhora Panetiere, seu marido pediu que lhe entregasse isso. – ela me entregou um envelope. – E o senhor Welling à espera para o café da manhã.
Senti meu coração bater forte. Nicolas me esperava para o café da manhã? Por que diabos ele queria me ver?
- Por favor, poderia não me chamar de senhora Panetiere? Não sou esposa de Tom.
- Me desculpe...
- Me chame de Juliet, por favor. Eu prefiro... Porque o sobrenome Dawson eu odeio ainda mais.
Ela ficou me encarando confusa. Depois saiu, provavelmente tentando me entender... Não devia perder o tempo dela. Nem eu me entendia.
Abri o pequeno envelope. Lá estava um bilhete de Tom, escrito a mão. Certamente fez isso porque sabia que eu não leria as mensagens dele no meu celular, nem atenderia suas ligações.
“Gatinha, vou me desculpar a minha vida inteira pelo que aconteceu ontem. E espero que eu seja perdoado. Porque o dia que você me deixar, eu morrerei. Você é tudo que eu tenho na vida. E a única pessoa que realmente amei. Sei que não acredita mais em mim. Mas desta vez eu juro que vai se diferente.
Resolvi viajar hoje e não amanhã. Sei que quando acordar não vai querer olhar na minha cara por um bom tempo. Cuide dos nossos negócios. E faça muitas compras, pois sei que isso a deixa feliz. Amo você. Tom”
Junto do bilhete ele teve a capacidade de me deixar um cartão de crédito. Olhei para as sacolas ainda no chão, cheias e sem espaço para colocar minhas últimas aquisições e pertences pessoais. Por quanto tempo eu ainda ficaria ali, morando de favor na casa de Nicolas Welling, sem ter certeza de que ele realmente queria a minha presença ali?
Fazer compras era tudo o que eu queria para aquele belo dia que começava. No entanto, peguei o cartão e quebrei ao meio. Eu não tinha certeza se ia conseguir me controlar. Mas precisava ao menos tentar. Se eu ia conseguir me manter financeiramente sem Tom? Não tenho certeza. Mas se não tentasse, eu nunca saberia. Eu precisava começar a viver novamente, como eu não fiz por seis anos da minha vida. Desde o dia que minha mãe morreu e Nicolas se foi, tudo ficou escuro à minha volta. E parecia que um buraco se abriu para mim. E eu não conseguia ver a luz... E caía cada vez mais. Eu tinha medo do que encontraria quando chegasse no fundo do buraco escuro. Eu não queria ser como meu pai... Eu precisava fugir do que o futuro estava me reservando, com meu aval. Joguei o cartão na lixeira.
Ouvi batidas na porta novamente. Era a empregada. Arqueei minhas sobrancelhas, curiosa do que ela fazia ali minutos depois de ter saído.
- Juliet... O senhor Welling faz questão da sua presença. – ela disse um pouco sem jeito.
Respirei fundo e desci, pronta para enfrentar o senhor perfeito cedo no café da manhã. Eu não estava disposta a ser machucada com palavras ofensivas novamente. Não havia como me ferirem mais do que eu já estava.
Encaminhei-me até a ampla e espaçosa sala de jantar. A mesa estava servida para duas pessoas. Ele estava na ponta e o meu lugar ao lado dele. Fiquei incerta do que fazer.
- Bom dia, Juliet. – ele disse. – Venha, antes que o seu café esfrie.
Sentei ao lado dele sem falar nada. Sequer tinha coragem de dizer bom dia. Uma xícara de café fumegante quase branco me esperava, já servida. Provei e tive a certeza de que ele havia preparado. Ninguém, além dele, sabia como fazer o café mais perfeito do mundo, com muito leite, pouco café e bastante açúcar.
- Ainda lembra de como eu gosto do café? – perguntei sentindo uma sensação boa invadir meu corpo por estar ao lado dele, mesmo com todas as formas que ele tinha de tentar me ferir.
- Não sei se lembro... Fiz de qualquer jeito. – ele não me olhou.
Eu sorri e tomei o restante.
- Coma algo.
- Não estou com fome.
- Mandei trazerem bolo de coco.
Olhei nos olhos dele:
- De qualquer jeito, também?
Ele não respondeu. Peguei uma fatia para não fazer desfeita. Em nada se parecia com o bolo de Otto.
- Tem alguma semelhança com o de Otto? – ele perguntou.
- Não... – eu ri.
Ele riu:
- Acho que ele morre e não revela a receita.
- Certamente.
- Quer mais café? – ele perguntou vendo minha xícara vazia.
- Não, obrigada.
Eu nem costumava mais tomar café daquele jeito. Raramente comia pela manhã. Geralmente quando me alimentava era com algo rápido que encontrava na geladeira.
- Nick... Quer dizer, Nicolas, desculpe por ontem à noite.
- Você não fez nada. Foi ele.
- Ainda assim, senhor Welling... – tentei ser o mais educada possível e falar de forma formal. – Tom foi um péssimo convidado na festa em homenagem a ele.
- Não era só para ele... Era para você também.
Eu ri ironicamente:
- Não sinto por mim... Sinto por ele. Meu comportamento não foi como o dele.
- Por que “senhor Welling”? – ele me encarou. – Onde está o “Nick de minutos antes”? Ou mesmo o senhor perfeito?
- Nick não quer ser lembrado dos momentos horríveis que passou ao meu lado. E o senhor perfeito... Ah, infelizmente ele não existe mais. – falei sentindo vontade de chorar de perceber que o meu Nick nunca mais estaria comigo.
Não importava que ele fizesse o meu café, que ele parecesse se importar comigo de alguma forma... Ele não me tratava igual. Aquele não era o nosso lugar... Não éramos “nós dois”, o senhor perfeito e a rainha do drama. Eles ficaram num passado que nunca mais poderia ser resgatado. E isso doía dentro de mim.
- Eu sempre disse que o senhor perfeito não existia. Isso foi obra da sua cabeça.
- Assim como fantasiei que os momentos do passado foram os melhores da minha vida? Sinto muito que tenham sido os piores para você e que só tragam lembranças ruins.
- Eu não quero falar do passado. Ele está enterrado para mim... E deveria estar para você também.
- Como enterrar o passado se eu vivo a minha vida na esperança de resgatá-lo? – falei quase em tom se súplica.
Ele ficou em silêncio por um tempo. Depois perguntou:
- Tom sempre age assim?
- Assim como? – me fiz de desentendida.
- Como um bêbado, drogado, agressivo e doente.
Baixei meus olhos, envergonhada e não disse nada.
- Sempre foi assim, Juliet?
- Mais ou menos.
- E por que você aceita viver assim?
- É o que a vida me reservou, Nicolas.
- Eu não acredito que estou ouvindo isso de você.
- Acredite.
Eu levantei e tentei sair. Não queria conversar sobre Tom com ninguém, muito menos com Nicolas. Antes que eu saísse, ele já estava ao meu lado, segurando meu braço. O encarei, no fundo dos seus olhos azuis. E as lembranças que vieram foram de eu fazendo amor com ele me olhando até eu gozar. Senti um arrepio percorrer meu corpo com o toque dele na minha pele. Não tenho certeza de quanto tempo ficamos ali, imersos um no olhar do outro, com nossos próprios pensamentos.
A campainha tocou. Ele me soltou e perguntou:
- Ele já machucou você?
- Não fisicamente. – confessei.
Então nossa conversa se encerrou quando vi Joana entrando. O perfume falsificado dela tomou conta do cômodo e me deu ânsia de vômito. Ela ficou confusa ao nos ver em pé, os dois, próximos.
- Está... Tudo bem? – ela perguntou apreensiva.
- Tudo certo. – ele disse. – Que surpresa, Joana.
- Surpresa? Eu avisei que viria. – ela disse.
A empregada entrou antes que Joana chegasse perto de Nicolas:
- O alarme do seu carro disparou, senhora...
- Estou indo. – ela disse rapidamente, deixando a bolsa sobre a mesa.
Eu fui saindo. Não precisava ver Nicolas com Joana.
- Você é feliz? – ouvi ele perguntando, comigo ainda de costas.
- Você é feliz? – retribuí a pergunta, vendo seus olhos ficando escuros e sombrios.
Antes da resposta, Joana voltou, tomando todo o espaço para ela. Eu nem ouvi o que ela falava, com sua voz alta e estridente, querendo chamar a atenção. Saí, voltando para o quarto, incerta se havia sido uma boa ou uma má conversa entre mim e Nicolas.
Fiquei no meu quarto até a noite. Li alguns livros e nem percebi quando a noite chegou.
O telefone tocou. Era Tom. Não entendi. Ele tentou várias vezes e sequer peguei o aparelho. Já era eu acho que a vigésima tentativa e peguei o aparelho para desligar quando percebi que era um número desconhecido. Desta vez, atendi curiosa:
- Alô...
- Quero que desça para o jantar.
- Como assim? – perguntei confusa, identificando a voz de Nicolas. - Você não manda em mim, Nicolas. Eu não quero jantar... Estou bem aqui.
- Vai fazer greve de fome, como fazia com a sua mãe?
- Não é greve de fome. Eu só não quero descer.
- Por favor... – ele pediu.
Senti meu coração saltar dentro do meu peito. Eu não sabia o que Nicolas queria de mim. Ao mesmo tempo que tentava me ferir, queria me trazer para perto dele. Suspirei apreensiva. Eu não trairia Tom. Jamais me envolveria com outro homem sem antes terminar nosso relacionamento, por mais otário que ele fosse comigo e merecesse ser chifrado. Eu ri de mim mesma... Nicolas não queria nada comigo. Certamente era algum plano para querer saber da minha vida... Mas por que ele se importava em saber sobre mim? Será que ainda havia algum tipo de sentimento da parte dele? Eu achava que tinha superado e tentava dizer para mim mesma que não gostava dele tanto quanto antes. Mas quando eu olhava nos olhos dele, o amor ainda estava ali, do mesmo jeito, da mesma forma, com a mesma intensidade.
- Nicolas... Eu não quero ter esperanças se realmente não existirem... – falei sinceramente.
- Então não venha. – ele disse desligando.
Corri para o chuveiro e tomei um longo banho. Cuidei dos meus cabelos com creme, fiz uma escova caprichada com o secador. Escolhi um vestido bonito e simples, afinal, era só um jantar na casa de Nick. Uma maquiagem leve, mas com batom forte contrastando com minha pele deu o toque final.
Desci sentindo todo meu corpo trêmulo, esperando, do fundo do meu coração, que começássemos a nos entender. Eu sempre amei Nicolas e nunca quis perdê-lo. A vida nos separou... As minhas escolhas erradas mudaram nossos destinos e nossos planos. E eu sonhei a vida inteira em reencontrá-lo. O meu momento estava chegando. Quando cheguei ao final da escada, o encontrei sentado confortavelmente no sofá, com Joana ao seu lado.
Parei no último degrau, com o sorriso morrendo nos meus lábios e a incerteza se ia até eles ou não.
- Se junte a nós, Juliet. – ele chamou.
Fui mecanicamente e sentei no outro sofá, de frente para eles, sendo analisada fisicamente por Joana, sem nenhum tipo de receio da parte dela. Era por si só era irônica, mesmo quando não falava. Tinha sempre um meio sorriso sarcástico nos lábios.
- Vai sair depois do jantar? – ela questionou.
- Talvez... – falei olhando nos olhos dela.
- Seu marido não se importa que saia sem ele?
- Não... Tom confia em mim.
- E você confia nele? – a pergunta veio para me deixar atordoada.
- Tanto quanto você em Nick. – falei cruzando minhas pernas tranquilamente.
Ela riu. Pelo visto a uma guerra estava começando. E não era uma disputa por homens. No caso dela, era por egos.