Capítulo 69
1697palavras
2022-07-18 05:17
- Éramos jovens... Dizíamos coisas que não faziam sentido. – ele disse.
- Então também poderíamos fazer coisas que não faziam sentido. E ser perdoados.
- Certas coisas não merecem perdão.
- Eu só tinha 20 anos...
- Quer que eu volte seis anos atrás como se nada tivesse acontecido?
- Não... Só quero que você diga que não me odeia.
- Eu não odeio você.
- Obrigada... É importante para mim.
- Mas também não a amo mais.
Ele saiu, indo de encontro a namorada que ele insistia em dizer que era amiga. Deixou-me ali, com vontade de chorar, sair correndo. Senti que uma lágrima iria escorrer pelos meus olhos e fui até o banheiro. Estava ocupado. Esperei um bom tempo e nada. A lágrima já havia escorrido... Sequei com meu dedo. Não queria que ninguém me visse chorando.
A porta se abriu e Tom saiu de dentro do banheiro, aspirando forte pelo nariz, sem perceber que era eu. Eu já sabia o que tinha acontecido. Ele me encarou e disse:
- Eu juro que não foi cocaína.
- Como você pode ser tão mentiroso? Vai me dizer que isso nunca aconteceu desde a vez que vi você fazendo isso na nossa casa... – falei sentindo a dor mais intensa e me fodi para as lágrimas que começaram a cair.
- Gatinha, eu não sou um viciado. Só me relaxa... E fico mais alegre.
- Eu aceito tudo de você, Tom... Menos isso.
Ele passou a mão no meu rosto, carinhosamente:
- Você realmente aceita tudo... Porque você não vive sem o meu dinheiro e o bem estar que eu lhe proporciono. Se submete a tudo por conta disso. E como eu sou louco por você, pouco me importo se você quer o meu dinheiro ou não... Pode me acusar de tudo, menos de não amar você.
- Se você realmente me amasse, não faria isso.
- Eu tenho este direito. Você gastou todo o limite de um dos meus cartões em menos de uma hora numa loja.
- Eu vou parar de comprar. Não quero as porras dos seus cartões para nada.
Ele riu alto:
- Suas compras são como a minha cocaína, gatinha. Você jura que vai parar... Mas só elas fazem você ficar bem e esquecer... Eu não sei o que você tenta esquecer de fato... Mas eu tento pensar que você não me trai em pensamento... E que não imagina outro enquanto eu fodo você da forma que gosta.
- Não acredito que você está comparando compras com drogas... Com cocaína. E ainda tentando fazer eu me sentir culpada.
- Eu amo você.
- Meu Deus, com você consegue ser tão dissimulado?
- Da mesma forma como você consegue ser hipócrita.
Ele saiu e eu fiquei ali, sem saber o que fazer. Eu estava rodeada de pessoas e nunca, em toda minha vida, me senti tão sozinha como naquele momento.
Andei rapidamente entre as pessoas, com a cabeça baixa. Não queria que ninguém visse que eu estava chorando. Bati em alguém... Não precisava muito para saber que era ele... Eu reconhecia seu cheiro em qualquer lugar... Assim como seu peito que ficava na altura dos meus olhos.
- Tudo bem? – ele perguntou.
- Sim. – assenti sem levantar a cabeça.
Ele levantou meu queixo, me fazendo encará-lo:
- Você está chorando?
- Não... – menti certa de que não adiantaria.
- Eu... Não quis lhe fazer chorar.
- Não se preocupe, Nick...
- Nick? – Joana parou ao nosso lado e ele retirou a mão de mim imediatamente.
Ela passou a mão pela cintura dele, puxando-o para perto. Ela era alta... Eu tinha que olhar para cima para poder encará-la.
- Está aqui a pouco mais de uma semana e chama Nicolas de Nick?
- Eu... – foda-se, eu não queria explicar. Eu não tinha que explicar nada para ela. Nicolas que fizesse aquilo. A namorada era dele.
- Eu e Juliet já nos conhecíamos. – ele explicou. – Frequentávamos alguns lugares em comum na adolescência.
- Ainda assim você me disse que odiava ser chamado de Nick. – ela reclamou, fazendo beicinho. – Que não lhe trazia boas lembranças, querido.
Olhei para ele, sentindo seus olhos dentro dos meus. Foi impossível não sorrir irônica e amargamente. De tudo que vivemos, um relacionamento de dois anos, quase perfeito até meu pai aparecer, ele não tinha boas lembranças de mim? Ele tirou minha virgindade e esteve comigo no dia da minha formatura. Vivemos um final de semana perfeito na praia. Ele realizou meu desejo de transar na saída de emergência do Shopping e no banheiro do Manhattan. Fizemos promessas de amor eterno. Tínhamos cordões que representavam que tínhamos um a chave do coração do outro. Ele me entregou o cordão explicando que não precisaria daquilo para recordar nossos momentos. Ele me deu dois celulares. E numa falha minha ele foi embora, sem sequer me deixar explicar o que havia acontecido. Eu havia sido imatura. Mas eu tinha apenas 20 anos. E encontrei um pai que me abandonou a vida inteira, me fazendo promessas de amor e usando a doença de um irmão que eu não conhecia para me convencer. Eu já não tinha certeza se eu merecia tudo aquilo... Eu me sentia usada e maltratada por todo mundo, até por quem eu mais amei na vida.
- Eu... Vou subir. Não me sento bem. – falei.
- O que você sente? – ele perguntou.
- Uma leve tontura e mal estar. Deve ser do espumante.
- Será que não está grávida, querida?
- Não, não estou. – falei firmemente, sustentando o olhar dela.
Passei pelo meio dos dois, separando-os com meu corpo e subi as escadas, incerta se conseguiria chegar no quarto de tanto que tudo doía dentro de mim.
Tranquei a porta com a chave. Só tinha uma coisa que me faria bem naquele momento... Eu só tinha uma cura para todas as minhas dores. Peguei o celular e cliquei no primeiro contato.
- Juliet?
- Oi pai...
- Por que está me ligando esta hora? Está tudo bem? São duas horas da madrugada.
- Tudo bem... Está rolando uma festa de boas vindas aqui... – limpei as lágrimas e tentei fingir que estava tudo bem. – E eu queria ouvir sua voz.
- Queria ouvir a minha voz durante a madrugada? O que está acontecendo, filha?
- Estou com saudade. – confessei.
- Mas é passageiro sua estada aí, não é?
- Sim... Mas isso não significa que não vou sentir saudades de você.
- Você encontrou Simon?
- Não... E farei de tudo para não encontrar.
- Talvez fosse melhor encontrá-lo, querida. E dizer umas verdades para ele.
- Se fosse há alguns anos atrás, eu juro que faria. Mas hoje eu não consigo mais. Não tenho mais forças...
- Você sabe o que ela diria, não é mesmo?
Eu sorri:
- O que ela diria, pai?
- Você é forte... E muito inteligente...
- “Você tirou o décimo lugar na colocação geral do vestibular”. – gargalhei, tentando imitar a voz dela.
- E formou-se com menção honrosa. Você pode qualquer coisa, Juliet.
- Como estão todos? – tentei mudar de assunto. Falar de minha mãe quando eu estava sensível me deixava ainda pior.
- Vitória quebrou o braço.
- Como assim?
- Caiu do sofá.
- E Lorraine?
- Bateu no médico com a própria bolsa.
- O quê?
Comecei a rir e logo as lágrimas secaram. Ouvir sobre minha família me acalentava de tudo e me fazia esquecer as coisas ruins. Por que todos eles eram felizes, menos eu? Seis anos incompleta pela falta da minha mãe, vivendo uma vida de merda, sofrendo a falta de uma pessoa que pouco se importava comigo e tudo que queria era me ver sofrer... Deus, eu já não tinha pagado pelo meu único erro? Eu não tinha certeza se estava preparada para o que ainda estava por vir. Eu já não tinha mais forças para lutar. Chegaria a hora que comprar não faria mais sentido. Então eu partiria para as drogas, como meu pai fez? Minha mãe sempre dizia que eu tinha sérias chances de herdar dele isso. O álcool já não me satisfazia. O vazio permanecia... Não importava o que eu fizesse... Ele estava sempre lá. Eu vivia de lembranças... De momentos que jamais voltariam. E de uma pessoa que nunca me perdoaria.
Olhei meu rosto no espelho. Minha maquiagem estava toda borrada. Eu estava horrível. No que eu havia me transformado? Numa pessoa que chorava por qualquer motivo e deixava todo mundo passar por cima de mim.
Deitei do jeito que eu estava. Só retirei o calçado. E fiquei olhando para o teto, pensando na minha mãe. Sempre que eu estava triste (o que era todos os dias), eu tentava imaginar o que ela diria para me alegrar e me fazer seguir em frente.
Estava quase pegando no sono quando ouvi batidas na porta.
- Abre, Gatinha...
Fiquei em silêncio. Ele insistiu. Eu sabia que além de usar cocaína, ele estava bêbado. Imaginava ele sem conseguir dar um passo, andando se arrastando pelas paredes. Mas nunca ele foi tão cruel comigo como desta vez. Eu não abri. As batidas começaram a ficar mais fortes e violentas. Tive a impressão de que ele poderia tentar quebrar a porta. E tive medo.
- Abre esta porta... Gatinha... Eu vou matar você quando entrar aí.
Continuei em silêncio. Meu coração batia forte. Tive vergonha de todos estarem escutando lá de baixo a cena que Tom fazia.
Ele começou a forçar a porta com o próprio corpo. Eu tremia involuntariamente a cada toque dele com força. Ouvi vozes e me aproximei da porta, sem intenção de abrir. Dava para reconhecer a voz de Nicolas. No entanto eu não ouvia o que ele falava. Alguns minutos depois e tudo foi silenciando na casa. Acho que Tom havia acabado com a própria festa.
Deitei na cama, pensando no que eu faria no dia seguinte. Eu não sabia se ia embora para minha terra de novo. Se deixava Tom definitivamente. Ou se ficava, na tentativa de resgatar o único e verdadeiro amor da minha vida.