Capítulo 68
2535palavras
2022-07-18 05:16
- Bem, eu vou para a sala de Juliet, ver se está de acordo com o que ela necessita e merece. – disse Tom saindo.
- Como ele se preocupa com você... Tem sorte de ter um marido assim. – observou Nicolas ironicamente enquanto ia atrás de mim.
A minha sala era um pouco menor que de Nicolas. Também tinha a parede do fundo envidraçada, com a visão da praia perfeita. Uma mesa de tamanho adequado, cadeira confortável e duas poltronas. Uma estante, um computador, telefone...
- O que achou, gatinha? – perguntou Tom me olhando.
- Quero a mesa na lateral. Gostaria de trabalhar olhando o mar. – falei.
- Mas achei que você detestava praia. Nunca quis ir...
- Eu nunca disse que não gostava... Só que não queria ir. – falei tentando me explicar, afinal, Nicolas ainda estava ali.
Tom virou a mesa de posição, mostrando sua força física. Nicolas ficou observando, de braços cruzados.
- Pode ser assim, gatinha?
- Está perfeito.
- Um homem que resolve tudo na hora. – ironizou Nicolas.
- Eu sei que ela vai me matar porque soube agora que vou me afastar em viagem. Prometi que não faria isso... Mas você, mais do que ninguém, sabe como são os negócios, não é Nicolas? Explique para ela que não é possível ficar fazendo tudo sentado de uma sala.
- Eu faço tudo sentado da minha sala. – ele disse tranquilamente.
Tom o olhou silenciosamente. Depois de um tempo, disse:
- Sinceramente, não sei como consegue.
- Bem, eu não tenho ninguém a quem dar satisfações quando chego em casa. Isso, por si só, já é bom, meu caro. – disse Nicolas.
- Imagine viver com uma mulher que odeia tudo que você faz... E ainda o obriga a visitar sua família louca nos finais de semana... – ele riu. – No entanto eu não a deixaria por nada...
Fiquei corada. Tom realmente deixava claro a qualquer pessoa seus sentimentos com relação a mim. E sim, eu achava que do seu jeito ele realmente gostava de mim. No entanto não era capaz de fazer nada do que eu pedia. Aquele comentário poderia ter passado em branco.
- Bem, vou deixá-los a sós... Acho que precisam disso. – observou Nicolas saindo e fechando a porta.
Sentei na cadeira. Nicolas abriu a porta novamente. O olhamos surpresos. Fazia segundos que ele havia saído:
- Juliet, esqueci de dizer que chamei uma secretária para você. Ela tirou alguns dias de férias, mas em breve estará de volta. Enquanto isso deixarei outra funcionária mais antiga à sua disposição. Ela sabe tudo sobre a empresa e a deixará a par de tudo.
- Achei que você faria isso. – confessei.
- Não... Ela fará. – ele garantiu fechando a porta.
A semana que passou foi de muito trabalho. Sequer tive tempo de ver Nicolas. Ele também se trancava em sua sala e pouco aparecia. Mesmo vivendo na mesma casa, não cruzamos um com o outro. Ele saía mais cedo e chegava muito tarde. E eu também estava cansada no final do dia e não desci nenhuma vez para o jantar. Tom estava empenhado nos negócios. Disse que não usaria a sala que Nicolas deixou para ele, mas acabou fazendo dela o local para conexão com suas outras filiais. O meu trabalho seria somente as questões do Paradise Resort. Ficaríamos ali o tempo que fosse necessário para eu me inteirar de tudo e conseguir alguém de confiança para deixar tomando conta de tudo. O problema é que eu já não tinha mais certeza se queria ir embora tão cedo. O primeiro dia foi horrível, porque eu não esperava pelo reencontro. Teve também aquela garota arrogante que ele levou para o jantar. Mas depois, mesmo não o vendo, mas sabendo que ele estava próximo, de alguma forma acalentava meu coração. Eu sentia, pela primeira vez depois da morte da minha mãe, que eu poderia voltar a viver novamente... Porque não só ela, mas também ele me tirou a alegria da vida. E só ele poderia me resgatar do fundo do poço onde me meti. O problema é que eu não tinha certeza se ele queria me resgatar... Ou me afogar ainda mais.
Na sexta-feira tive algumas dúvidas e tentei falar com Nicolas. A secretária dele me disse que ele não me receberia. Sem nenhuma explicação mais clara, só isso. Tom avisou que viajaria na segunda-feira pela manhã.
No final do expediente, completamente sozinha e sem ter o que fazer, perguntei a uma colega que saía comigo do quarto andar:
- Tem um local onde eu possa fazer compras aqui?
- O que você gostaria exatamente de comprar?
- Qualquer coisa... Para mim.
- Tem uma loja dentro do resort... É de grife internacional. Já vi que você gosta disso. Creio que é o que você procura.
- Depois de uma semana longa e de trabalho árduo... É tudo que eu preciso. – falei sorrindo.
Usei o carro que ficava à minha disposição e fui até a tal loja. Sim, era perfeita e de uma das grifes francesas que eu mais gostava. Comprei tudo que vi pela frente, sem pensar em nada, só nas minhas escolhas... Queria roupas brancas, pretas ou coloridas. Eu não tinha muitos calçados sem saltos, então peguei alguns. Bolsas menos chamativas e biquínis de todos os tipos, modelos e cores.
Quando passei o cartão, o valor acabou dando bem mais alto do que eu esperava. Geralmente eu pagava parte das minhas compras com meu salário, porque tudo eu não conseguia. Eu recebia só para comprar coisas que eu raramente usava... Ainda assim eu achava aquilo prazeroso e me acalmava de alguma forma... Por um certo tempo. Até eu ficar nervosa e deprimida e comprar tudo de novo. Mas eu não achava que era doença, como Lorraine e Dani me diziam. E eu escondia de Otto minha compulsão por comprar coisas caras.
Quando cheguei em casa, o motorista me ajudou a levar tudo para o quarto. Enquanto ele subia, Nicolas entrou, observando ele levar as sacolas.
- Tudo isso é seu? – ele perguntou.
- Sim.
- Vai precisar de um quarto maior... Isso não vai caber no seu.
- Eu dou um jeito... Sempre dou. – falei subindo as escadas.
- Você não era assim... – ele disse enquanto eu estava de costas.
Parei e o encarei:
- Jura? Você também não.
Segui meu caminho, pouco me importando com o que ele pensava. Eu estava cheia de tudo.
Deitei na cama e olhei para o teto. Naquela semana inteira sequer tive tempo para conhecer um dos maiores e mais renomados resorts do país, de tanto que eu trabalhei. E ainda tinha a maldita festa que Nicolas estava preparando Tom.
Eu tentava me enganar, mas sabia que tudo que Tom queria era encher a casa de pessoas para beber e se drogar. Ele dizia que não, mas eu tinha quase certeza de que ele continuava a fazer aquilo. E eu não conseguia me desvencilhar dele... Não sei se por pena dele ou de mim mesma. No meu íntimo, eu sentia que precisava sofrer ainda mais... Eu tinha feito tantas coisas erradas. Quem disse que eu tinha direito a felicidade? Eu tive tudo e joguei fora. Então minha vida era aceitar o que me foi reservado: Tom. E suportar o ódio e desprezo de Nicolas Welling.
No sábado, antes da festa, demorei um bom tempo para decidir o que vestir. Optei por um vestido longo pouco chamativo. Não queria ser o centro das atenções. Quando menos me notassem, melhor. Uma coisa era receber os amigos de Tom na nossa casa, onde eu era anfitriã e fazia o que queria. Tinha vezes que eu me irritava e mandava todo mundo embora. Tom brigava, dormia no outro quarto, mas no outro dia me trazia um presente caro, pedia perdão e ficava tudo bem. Mas agora estávamos na casa de Nicolas... E ele não era o meu Nicolas, senhor perfeito. Ele era o senhor Nicolas Welling, alguém que eu não reconhecia. Naquele tempo que estava ali, nenhuma vez encontrei o meu Nick naquele olhar. E eu já não tinha certeza se aquele era o homem que eu amei um dia. Mas parece que ainda assim, no meu íntimo, eu tinha esperanças de resgatá-lo... Para que ele pudesse me salvar novamente, como um dia já havia feito.
Esperei Tom ficar pronto. Antes de descermos, ele disse:
- Quando você vai tirar a porra deste cordão?
Coloquei a mão no cordão... Eu não tinha certeza se queria que Nicolas me visse usando aquilo ainda. Mas era tanto tempo com aquela joia no meu pescoço que eu não tinha certeza se poderia ficar sem ela.
- Não vou tirar. – falei saindo.
- Isso é ridículo. Você não tem mais quinze anos. Já tem vinte e seis.
- E você trinta e cinco. Então me deixe em paz.
Descemos separados, mas quando chegamos no topo da escada, nos demos as mãos. Porque ninguém sabia que não éramos um casal perfeito. Eu até acho que já estávamos acostumados àquele tipo de relacionamento que virou rotina para nós. Brigávamos, nos ofendíamos, depois nos arrependíamos... E assim levávamos nossas vidas.
Procurei Nicolas e o encontrei conversando com algumas pessoas. Nossos olhos se encontraram e ele veio até nós. Tinha um copo na mão e eu não sabia o que era... Só tinha certeza de que era alcoólico. Eu nunca vi Nicolas bêbado. Ele odiava bebidas alcoólicas. Mas parece que aquilo também havia mudado nele.
Tom logo me deixou e foi cumprimentar alguns conhecidos, antes de Nicolas chegar até nós. Na minha casa eu simplesmente sentava no sofá e comia. Não me envolvia com ninguém. Ali eu me senti sozinha. O garçom passou e Nicolas pegou uma taça com espumante, me entregando. Peguei, incerta de beber ou não.
- É de qualidade. Você vai gostar. Ou ainda prefere pina colada?
- Prefiro espumante de qualidade. – confessei. – Ou qualquer outra coisa que me tire do mundo real.
- Achei que as compras tiravam você do mundo real.
Olhei para ele e tomei todo o líquido do copo. Tantos anos e parece que ele ainda me conhecia mais do que eu mesma.
- Parece que observa muito mais do que deveria, senhor Welling. – falei entregando-lhe a taça vazia.
- Cuidado! Não vou levá-la no colo para a cama, nem lhe dar banho para curar sua bebedeira. Mas posso apostar que ele faz isso. – ele disse olhando para Tom.
- Aposto que tudo que você deseja é me pegar no colo e bater na minha bunda. – provoquei.
Ele foi pego de surpresa e demorou alguns minutos para responder:
- Não preciso mais da sua bunda para bater... Tenho outras.
Aquilo doeu profundamente em mim. Mas respondi a altura antes de sair:
- Tom não reclama da minha bunda.
Vi que ele tentou vir atrás de mim, mas foi surpreendido por um homem de terno, destoando dos demais. Os dois começaram a conversar e eu fiquei sozinha, pensando se ele havia enjoado da minha bunda. Eu ri sozinha. Só Nicolas para me fazer pensar naquilo num momento que eu tanto detestava: as fúteis festas privadas de negócios.
Tom continuava bebendo e fazendo novos amigos. Eu era péssima em fazer novos amigos... E também em manter as velhas amizades. Eu sequer sabia no que eu era boa. Mas eu aposto que se minha mãe fosse viva, ela saberia. Porque ela sempre tinha as palavras certas para mim. Só ela conseguia me botar para cima nos momentos mais horríveis.
- Como está sua família louca e ao mesmo tempo perfeita?
Virei e ele estava atrás de mim, quase encostando o corpo no meu. Eu consegui sentir seu hálito quente no meu pescoço. Eu sorri, lembrando da minha família, que estava tão longe:
- Estão bem. Lorraine casou com Felipe. Eles tem uma filha linda. Se chama Vitória.
- Não acredito! – vi ele sorrindo sinceramente pela primeira vez. – No fim, ela cumpriu o que prometeu: casar com o salva-vidas.
- Sim.
- E Otto?
Eu enchi meu coração de amor ao pensar nele e me senti acalentada de alguma forma e mais próxima de casa, mesmo estando longe:
- Eu poderia dizer que ele tomou o lugar do senhor perfeito.
- Então vocês estão bem? – ele arqueou as sobrancelhas.
- Como nunca estivemos antes...
- E sua mãe?
O silêncio tomou conta de mim e senti uma pontada no meu coração. Ele não sabia sobre a morte de minha mãe?
- Como assim? – perguntei, pensando que talvez ele pudesse estar tentando me ferir de alguma forma com aquele comentário.
- Sinto saudades de dona Olga. Como ela está?
- Você não soube? Minha mãe morreu... No dia que você partiu.
Ele me olhou confuso e surpreso:
- Eu... Não sabia. Sinto muito.
- Eu tentei entrar em contato com você... De todas as formas possíveis. Mas era tarde demais. Tentei falar também quando estava no carro. Mas você não me deixou. Naquela hora eu já sabia que ela estava no hospital.
- O que houve com ela?
- Infartou... E não resistiu. Foi fulminante.
- Sinto muito mesmo... Imagino a dor que você sentiu.
- Sim... Foram duas perdas no mesmo dia. – o encarei, entrando no azul profundo dos seus olhos.
- Me perder foi escolha sua.
- Me diga que não planejou eu estar aqui em Paraíso neste momento.
- Por que acha que eu faria isso?
- Por sentir algo por mim ainda?
Ele riu alto:
- A mesma convencida... Aposto que continua hipócrita, dissimulada e vingativa.
- A Juliet que você conheceu não existe mais. – confessei. – Ela foi destruída... Da pior forma como um ser humano pode ser magoado ou ferido. Passei por todas as dores possíveis.
- Sinto muito... Mas não acho que eu tenha a ver com isso.
- Sim, tem a ver em parte. Você foi embora sem sequer me deixar explicar.
- Eu não queria explicações. Você fez sua escolha: sua “família”. Na verdade, não estou certo se foi sua família... No fim, acho que escolheu seu pai. E pelo visto fez uma escolha errada... Ou não estaria fugindo dele, como Tom me disse.
- Como eu disse, eu não sou mais a mesma Juliet. Eu mudei...
- Que pena que não tenho certeza se foi para melhor.
Vi os olhos dele se voltarem para a porta e um largo sorriso se abrir nos lábios dele. Era Joana, que chegava num vestido vermelho que mostrava seu corpo escultural.
- Me desculpe... – ele se dirigiu a mim. – Mas minha “gatinha” chegou.
- Sem problemas... Fique a vontade. A casa é sua. – ironizei.
- A propósito, deveria ter se desfeito deste cordão. Meu coração está chaveado para você.
- Não é o seu que está aqui. É o meu... E eu tenho a chave dele. E nunca mais ninguém entrará, para deixá-lo como você o deixou... Quebrado em mil pedaços.
- Ainda assim, deveria ter jogado fora. Não significa mais nada.
- Tem certeza? Afinal, você disse que guardar algo que pudesse me recordar seria admitir que pudesse me esquecer.