Capítulo 67
2393palavras
2022-07-18 05:15
Arrumei-me cuidadosamente para o jantar. E resgatei meu perfume da adolescência, a fim de despertar qualquer lembrança que fosse em Nicolas. Usei um vestido leve, mas de qualidade e sandálias de salto alto. Deixei meus cabelos bem penteados e soltos.
- É só um jantar íntimo, gatinha. – disse Tom quando me viu pronta.
Ele usava jeans preto e camiseta azul lisa e justa, mostrando seu peito musculoso.
- De onde você tirou este perfume? – ele perguntou. – Não lembro de você usá-lo.
- Mas eu usava... Na adolescência. – falei abrindo a porta ansiosa.
Andamos até o final do corredor. Havia várias portas naquele andar, provavelmente quartos. Descemos as escadas, que acabava na sala de íntima. Havia uma garota conversando com Nicolas. Ela estava sentada ao lado dele e os dois riam animadamente. Assim que chegamos, os dois levantaram:
- Esta é Joana. – ele disse apresentando-a. – Uma amiga.
- Amiga? – ela riu. – Nunca vi amizade assim. – contestou com voz languida, dando um tapinha no braço dele.
Joana era alta, com o corpo cheio de curvas esculpidas perfeitamente, seus cabelos eram longos e loiros. Ela tinha olhos azuis e um sorriso largo, numa boca carnuda. Os peitos dela eram enormes e quase saíam para fora do vestido. A pele bronzeada a fazia parecer uma modelo de praia, estilo Baywatch.
Da mesma forma que eu a analisei mentalmente, ela fez o mesmo, me encarando. Aposto que pensou: ruiva, magrela, provavelmente não sabe o que é silicone, nunca fez academia e sua pele nunca viu sol na vida. Esta era eu, comparando com ela.
Ela me abraçou e disse:
- Seja bem vinda à Paraíso... Especialmente ao Paradise Resort. É um prazer conhecer vocês. – ela tinha cheiro de perfume importado falsificado.
- Obrigada.
Ela olhou descaradamente para Tom, dos pés a cabeça. Tom era mais forte e musculoso que Nicolas, que continuava magro. Meu namorado era muito bonito também e acho que fazia mais o tipo dela do que Nicolas. Assim como ele fazia mais o meu do que Tom. Deus, o que eu estava pensando? Vamos trocar de casal, galera? Simples assim.
Sentei ao lado de Tom. Foram servidas bebidas e vi que havia pina colada na bandeja. Eu recusei.
- Não bebe, Juliet? – Nicolas perguntou ironicamente.
- Não quando tenho que trabalhar no dia seguinte.
- Juliet se embriaga fácil... Então evitamos que ela beba. – avisou Tom, pegando uma dose de uísque.
- Eu gostaria que você também não bebesse. – pedi no ouvido dele.
- Só uma dose, gatinha. Prometo. – ele disse me dando um beijo no rosto.
Observei o olhar de Nicolas sobre nós. Ele aproximou-se de Joana, puxando-a para perto dele. A garota amou o gesto e lhe deu um beijo demorado. Olhar a língua deles uma dentro da boca do outro me deu ânsia de vômito e vontade de sair dali correndo. Tom ficou observando-os divertidamente enquanto colocava o corpo para trás, confortavelmente.
Quando os dois se soltaram, ela disse, olhando para mim:
- Acredita que ele faz isso e ainda me apresenta como amiga?
- Acredito. – eu disse sentindo meu coração dilacerado, com um sorriso tímido e amargo. – Isso se chama amizade colorida. – observei.
- Não tanto... – ela disse. – Em breve talvez vamos oficializar, não é mesmo, Nicolas?
- Por que não? – ele respondeu rindo.
- Quanta pressão. – disse Tom divertidamente.
- Acho que a mesma com relação a você e o casamento, amigo. – disse Nicolas.
- Não... Juliet não me pressiona quanto a isso. Mas também não me vê como marido, mesmo eu a vendo como minha esposa.
- Eu pressiono mesmo. – disse Joana. – Marco em cima. Ele é meu... E que isso fique registrado logo para todo mundo.
Seu? Eu ri sozinha. Posso enfiar uma faca no meu coração agora mesmo? Eu vivia com Tom há cinco anos. Um relacionamento sem amor, conturbado, rodeado de mentiras e promessas não cumpridas. Nos últimos meses estávamos nos entendendo um pouco melhor, porque ele estava viajando mais e não tínhamos tempo para brigas ou cobranças porque mal nos víamos. Agora estava eu, na casa do homem que fez com que meu coração se fechasse para Tom por todos estes anos. Provavelmente Nicolas planejou o fato de eu estar ali naquele momento.
- Há quanto tempo vocês estão juntos? – perguntei.
- Não estamos juntos. – ele disse seriamente, olhando nos meus olhos.
- Está me desmentindo, Nicolas? – ela falou fingindo-se aborrecida. – Faz anos que somos amigos. Mas nosso primeiro beijo foi há uns quatro anos. Desde então levamos assim... Sem compromisso. Estou esperando até que ele decida me assumir.
- Nunca acreditei em relacionamentos duradouros entre melhores amigos. – eu me ouvi dizendo. Porra, eu poderia ter ficado calada.
- Já faz quatro anos. – ela disse. – Se isso não é duradouro, não sei o que é.
- Por que não acredita, Juliet? – ele provocou.
- Porque o final pode ser cruel... E doloroso.
- Sim... Neste ponto concordo. Mas para isso alguém tem que errar. Caso contrário, pode dar certo.
- E se este alguém não errou tanto assim?
Ele arqueou a sobrancelha:
- Então ela é digna de perdão... Caso haja amor... O que pode não ocorrer.
O senhor perfeito sabia ser cruel e se me batesse não teria doído tanto quanto aquela frase. Ele disse que não havia amor. E talvez realmente não houvesse... Ou ele não teria me deixado sem ao menos dar a chance de explicar. Ele não esteve comigo no momento que mais precisei dele. Perdi ele e minha mãe num único dia.
- Tom... Se importa se eu subir? – pedi. – Ainda não me sinto muito bem. Deve ser da viagem... Sabe como eu fico.
- Não me importo, gatinha.
- Se me derem licença... – eu disse, levantando. – Vou pegar um ar e me recolher para o quarto. Sinto-me cansada.
- Não vai jantar conosco? Fará esta desfeita? – Nicolas perguntou.
- Farei.
- Lindos seus sapatos. É da coleção passada de Louis Vuitton? – Joana perguntou enquanto eu saia.
- Coleção passada? – perguntei. Quem chamava o sapato caro de outra pessoa de “coleção passada”?
Tom respondeu tranquila e ingenuamente:
- Duvido que Juliet use qualquer coisa de coleção passada. Tive que retirar minhas roupas do closet porque ela tem tantos sapatos e roupas que mal cabe eu no apartamento. E tenho uns bons metros quadrados para dividir com ela.
- Coleção passada eu doo, querida. – falei sorrindo. – Recém lançados. Tom trouxe diretamente de Paris para mim. Suas fontes não estão muito confiáveis. Ou as lojas que frequenta aqui estão ultrapassadas.
O sorriso morreu nos lábios dela. Maldita! Desde o início achei que ela não gostou de mim. E ficou olhando descaradamente para o meu namorado, na minha frente. E beijou Nicolas... Só por isso ela já merecia morrer queimada na fogueira.
Abri a porta e saí, sentindo o ar fresco balançar meus cabelos. Tudo que eu precisava: respirar. Longe de maldades e alfinetadas. Não sei se aguentaria muito tempo ali. E ao mesmo tempo sabia que Tom precisava de mim para ajudá-lo naquele novo negócio. Nicolas planejou com antecedência toda sua vingança contra mim. Eu só não tinha certeza se queria ser castigada, por merecer de alguma forma, ou fugiria para sempre dali. Mas uma coisa eu não tinha dúvidas: eu ainda amava Nicolas... Ontem, hoje e sempre. Com a mesma intensidade, com a mesma profundidade...
Olhei para a lua, parecendo mais próxima que de costume. Eu estava do outro lado do país, talvez por isso...
- Não está sentindo frio? As noites aqui são frias.
Olhei para o lado e Nicolas estava olhando para o céu, com um copo de uísque na mão.
- Estou bem. – falei.
Ele me olhou. Eu desviei o olhar.
- Por que não quer jantar?
- Não estou com fome. – menti.
- Você não estando com fome? Muita coisa mudou então...
- Não sei do que você está falando. Não conheço você e você não me conhece. – ironizei.
- Acho que não nos conhecíamos mesmo. – ele disse olhando para o nada.
- Eu não quero ficar na sua casa. – falei.
- Por quê? Tem medo de me agarrar? Vai trair ele, como um dia fez comigo?
- Eu não traí você.
- Meu amor se transformou em ódio. – ele disse.
- Sinto muito não ter correspondido às suas expectativas. Eu só tinha 20 anos... Ainda assim, não o traí. Eu só tomei a decisão errada com relação ao meu pai.
- Quanto tempo ainda vai mentir? Você mora com ele.
Eu me virei para voltar e ele pegou meu braço:
- Janta conosco. – pediu, num tom menos rancoroso, quase de súplica.
- Não. – falei puxando meu braço e saindo.
Assim que entrei, encontro Joana sentada quase em cima de Tom. Eu poderia surtar e fazer uma cena. Mas eu realmente estava cansada. De tudo. Olhei para ele furiosa e subi, quase correndo. Assim que fechei a porta, me deitei na cama e comecei a chorar. Logo senti mãos alisando meus cabelos carinhosamente. Era Tom.
- O que você tem, gatinha?
- Acha que eu não vi ela dando em cima de você? – falei certa de que não era aquilo que me fazia chorar. Mas precisava deixar bem claro que não toleraria qualquer deslize dele.
- Sim... Ela realmente estava dando em cima de mim. E você vai simplesmente chorar? Não vai pegar o que é seu? Não vai brigar?
- Eu estou tão cansada, Tom...
- Eu amo você, gatinha. – ele disse limpando minhas lágrimas. – Não tenho olhos para outras mulheres a não ser você.
Ouvimos batidas na porta e o próprio Nicolas entrou quando Tom abriu. Olhou para mim e disse:
- Está tudo bem?
Eu não respondi nada.
- Juliet está um pouco emotiva. Ela tem um familiar que mora aqui em Paraíso e é difícil para ela este passado. Eu... Vou ficar com ela. Desculpe-me a desfeita do jantar, mas não vou deixá-la sozinha. Aproveite com sua namorada.
- Ela não é minha namorada. – ele enfatizou, de forma um pouco rude.
Limpei minhas lágrimas, ainda de bruços na cama.
- Eu... Sinto muito... – ele disse me olhando.
- Nós que sentimos. – falou Tom. – Certamente faremos várias refeições juntos ainda. Obrigado pela hospitalidade Nicolas.
- Não me agradeça. – ele falou saindo.
No dia seguinte acordei cedo e me arrumei para o meu primeiro dia de trabalho. Talvez aquilo ocupasse minha cabeça e eu me sentisse melhor. O café da manhã esperava por nós. Nicolas não apareceu.
- O Senhor Welling não toma café da manhã em casa. – a empregada explicou. – Faz isso no escritório.
Depois do café, que estava saboroso e eu comi muito, pois não havia jantado, um carro com motorista nos levou até o escritório da administração do resort. O local tinha quatro andares e era enorme. O jardim era maravilhoso e a construção não destoava do resort. Tom se apresentou na recepção e o jovem disse:
- Seja bem vindo, senhor Panetiere. É um prazer conhecê-lo, assim como sua esposa.
Entramos no elevador e o próprio rapaz nos levou até o quarto andar, onde ficava a gerência. Haviam várias mesas com pessoas trabalhando no centro. Alguns ao telefone, outros nos computadores. As salas ficavam ao fundo. Fomos encaminhados até a porta que trazia o nome de “Nicolas Welling”.
Antes que o jovem batesse, Nicolas abriu a porta, nos esperando. Ele usava calça jeans e uma camiseta sem estampa, branca.
- Bom dia, amigos. – ele disse sorrindo ironicamente.
Entramos e sentamos no sofá, à frente da mesa dele. Atrás, numa parede inteiramente envidraçada, dava para ver o mar ao fundo. Levantei e fui até lá, contemplando o azul parecendo uma pintura. Não se sabia onde terminava o mar e começava o céu, pois eles eram da mesma cor.
- Essa visão por si só serviria como pagamento pelo trabalho, não é mesmo? – Nicolas parou ao meu lado, observando ao longe a paisagem perfeita.
- É perfeito. – falei sem me dar conta.
Ele riu:
- Eu poderia dizer que sim, esta paisagem é perfeita.
- Onde ficará a sala de Juliet? – perguntou Tom não se preocupando com o mar. Ele queria saber de negócios.
- Mandei preparar tudo ao lado da minha. Afinal, você é praticamente meu único sócio.
- Ok. – ele assentiu lendo alguns papéis que havia trazido junto.
- Mandei deixar uma sala para você também, Tom, caso precise. Não sei preferem trabalhar juntos ou separados?
- Juliet não gosta de mim por perto nos negócios. E eu viajo muito. Então não precisa se preocupar com um espaço para mim. Além do mais, confio plenamente na minha esposa para gerenciar tudo. Ela é muito boa no que faz. – ele disse me olhando.
- E nossa estadia aqui, tanto na sua casa quanto neste lugar, é passageira. – eu garanti. – Assim que eu ficar a par de tudo e conseguir me organizar, trarei uma pessoa de minha confiança, que se encarregará de dirigir tudo.
- Parece que querem fugir de Paraíso o mais rápido possível. – Nicolas disse sarcasticamente.
Tom foi até a estante dele e serviu-se de um copo de uísque. Sim, ele fez isso cedo da manhã. Eu odiava quando ele fazia aquilo.
- Nicolas, o que acha de fazermos uma pequena reunião na sua casa para me apresentar aos seus amigos mais próximos? – sugeriu Tom.
Eu balancei minha cabeça, pasma. Claro que ele queria uma festa. Tudo para Tom era motivo para reunir pessoas e beber... E infelizmente eu tinha quase certeza que era nestes momentos que ele usava cocaína. Mas eu nunca mais havia flagrado. Foi só uma vez. No entanto eu tinha quase certeza que aquilo ainda acontecia.
- Claro. Podemos fazer no final de semana. O que acha?
- Seria ótimo. Posso adiar minha viagem para depois, então.
Viagem? Ele sequer havia me dito que viajaria. O combinado era que ficaria comigo e só viajaria se fosse estritamente necessário. Mas Tom era um homem de promessas... O problema é que ele nunca as cumpria. E seria assim para sempre.