Capítulo 64
1816palavras
2022-07-15 20:03
Olhei para Tom, confusa, sem ter a mínima ideia do que estavam falando. Antes que eu dissesse qualquer coisa, Lorraine me pegou pelo braço:
- Vem, quero lhe mostrar uma coisa. – ela disse. – Já voltamos, rapazes.
Deixei que ela me conduzisse rapidamente, me levando até o banheiro.
- O que estamos fazendo aqui? – perguntei rindo dela.
- Te trouxe aqui para você perceber que precisa acordar.
Olhei para ela sem ter certeza do que dizia.
- Faz um ano que está com ele...
- Eu não estou entendendo, Lorraine.
- Tom é um cara legal. Você precisa de desvencilhar de vez de Nicolas.
- Eu já me desvencilhei.
- Não... Você sabe que não.
- Eu não penso mais nele o tempo inteiro. Já me sobra tempo para outras coisas. – admiti.
- Esqueci de avisar Felipe que Tom não era Nicolas. Enfim... Será que Tom vai se dar conta?
- Tom nunca perguntou sobre o meu passado. Muito menos sobre o que houve com meu ex. Sequer tenho certeza se ele reconheceu Nicolas na noite que ele me deixou.
- Por que você não me procurou mais? – ela cobrou.
- Estou... Fazendo muitas coisas.
- O que, por exemplo? Enchendo seu closet?
- Lorraine, não comece...
- Está deslumbrada ou completamente desequilibrada?
Ela acendeu um cigarro. Eu ri:
- Deslumbrada e desequilibrada.
Peguei o cigarro e dei uma tragada.
- Puta que pariu... Você realmente enlouqueceu. – ela disse.
Devolvi o cigarro para ela.
- Não enlouqueci. A Juliet do passado na existe mais.
- Existe sim... Mas acho que só Nicolas consegue resgatá-la. Quer que eu bote um detetive atrás dele?
- Acha que eu já não pensei nisso?
- Por que não fez?
- Não é justo com Tom. Ainda mais usando o dinheiro dele.
- Como você é boazinha... Dorme com ele pensando em Nicolas e não quer usar o dinheiro dele para encontrar o outro. – ela ironizou.
- Quem disse que eu durmo com ele pensando em Nicolas?
- Eu digo. Você pode enganar a todo mundo, mas não a mim. Conheço você desde que eu nasci. Porque eu tenho 3 meses de diferença... Sou a mais nova ainda. – ela assoprou a fumaça na minha cara, de propósito. – E a mais divertida.
Peguei o cigarro da mão dela e traguei, jogando a fumaça na cara dela. Começamos a rir. Alguém bateu na porta. Abrimos. Era minha tia.
- Céus, o que vocês estão fazendo aí? Botando fogo no banheiro? – ela perguntou, tentando dissipar a fumaça do cigarro.
Puxei a mão dela e saímos correndo, fugindo sem dar explicações. Tom estava conversando animadamente com Felipe. Fiquei feliz que os dois se deram bem. Geralmente Tom ficava um pouco deslocado quando nos reuníamos com a minha família. Otto o tratava bem, mas os dois não tinham nenhuma afinidade.
O almoço da minha vó e minhas tias estava perfeito, como sempre. De tarde, quando saímos, ainda no carro, sugeri:
- Que acha de irmos a um motel, Tom?
Eu queria fazer algo diferente. E sexo me fazia bem. O prazer do corpo me aquecia a alma e me fazia esquecer coisas inesquecíveis.
- Gatinha, eu amo fazer amor com você. Mas agora não dá. – ele olhou no relógio. – Precisamos ver se está tudo certo para hoje à noite. E... Você não tem que fazer cabelo, maquiagem?
- Tem razão...
Não... Ele não tinha razão. Tom raramente gostava de se aventurar ou fazer algo diferente. Tinha que ser sempre a mesma coisa, do mesmo jeito. Ele só inovava nas festas, com seus amigos e clientes insuportáveis.
Passei o restante da tarde me arrumando. A noite logo chegou. Escolhi um vestido vermelho, longo, com alguns poucos brilhos, tomara que caia, que realçava minha pele clara. Sapatos nude com minúsculas pedras sarowsky davam o toque final.
Tom estava bem vestido e formal. Terno e gravata sempre lhe caíam bem. Dei uma volta para receber um elogio.
- Linda... – ele disse. – Mas tem um pequeno detalhe que não gostei.
- O que? – perguntei preocupada.
- Este cordão no seu pescoço. Não gosto dele.
- Eu gosto.
- Não combina com você... Muito menos com a sua roupa. Pode retirar para a festa e depois colocar de novo, já que é tão importante ficar com ele.
- Não vou tirar. – falei segurando entre meus dedos os pingentes.
- Vai descer com este negócio ridículo pendurado no pescoço?
Ele falou alto, quase num grito. Olhei-o um pouco assustada. Ele nunca havia falado comigo daquele jeito.
- Me desculpe... – ele disse imediatamente, vendo minha reação. – Acho que exagerei. Estou nervoso.
- Pela festa? – perguntei ironicamente. – Isso é tão normal e ainda o deixa nervoso?
- Me perdoa, gatinha?
Ele se aproximou de mim e me abraçou. Eu me senti mal com a forma como ele me tratou, mas quando percebi já estava entre os braços dele, respirando fundo para não chorar e borrar a maquiagem.
- Tudo bem. Ainda assim, não vou retirar o cordão. – falei me desvencilhando dele.
- Sem problemas. Mas que ele é ridículo, é. Parece aqueles cordões de pacto de adolescentes melhores amigas.
- Como adivinhou? – falei sarcástica.
- Gatinha, sua adolescência já passou. – ele disse passando o braço sobre o meu ombro enquanto descíamos as escadas do nosso apartamento, vendo do alto os nossos convidados nos observando invejosamente.
- O pacto ainda não. – contestei sorrindo como se nada estivesse acontecendo.
- E sua adolescência foi bem vivida, não acha? Nada que precise reviver.
- Se eu disser que é necessário reviver algumas coisas, acreditaria?
Chegamos ao final da escadaria e logo ele foi cercado por homens e mulheres o cumprimentando e puxando seu saco. Nossa conversa se encerrava ali.
Peguei uma taça de espumante. Depois outra... E mais outra. E já estava zonza quando tomei a que eu não conseguia mais contar. Precisava me concentrar. Eu não tinha quem me levasse para a cama ou cuidasse de mim. Naquelas reuniões Tom só tinha olhos para seus convidados. Sentei no sofá, entediada. Um homem bem apessoada sentou ao meu lado. Tomava um copo com uísque.
- Tom adora estes eventos. – ele observou.
- Sim... – falei sem olhar nos olhos dele.
- Eu acho que conheço você de algum lugar.
Agora ele conseguiu minha atenção. O analisei, sem saber de onde eu poderia conhecê-lo. Acho que poderíamos ter a mesma idade.
- Não lembro de você. – falei secamente.
- Claro... Do Manhattan. – ele disse.
- Você frequentava?
- Na verdade, eu trabalhei lá. Era barman.
- E o que faz aqui? – perguntei curiosa.
O que um barman do Manhattan fazia numa festa podre de chique na casa de Tomas Panetiere?
- Trabalho numa das agências do seu marido.
- Ele não é meu marido. – expliquei.
- Ele diz a todos que você é a esposa dele.
- Talvez um dia seja. Por hora não sou. Só moramos juntos.
- E isso não seria um tipo de casamento?
- Não na minha opinião. – falei pegando um salgado que o garçom trazia. – Que fome. – minha barriga chegava a roncar.
- A garota de Nicolas.
Olhei para ele, parando de mastigar, sentindo um frio na minha barriga. Aquela frase acabou comigo, de todas as maneiras possíveis.
- O que você disse? – perguntei para ter certeza.
- Lembrei de você... A garota de Nicolas Welling.
- Você... Conhece Nicolas?
- Conhecia na época. Estudávamos na mesma escola... Na técnica. Lembro de vocês dois juntos. E dele falando em você.
- Você... Ainda tem contato com ele?
- Não. Nicolas sumiu. Temos o hábito de fazer a cada ano uma festa reunindo os ex formandos da escola. Ele nunca apareceu. Nem Pedro, o melhor amigo que ele tinha na época, sabe sobre ele.
- Acha que ele pode ter ido para outro país?
- Não sei... Ele era inteligente e esforçado. Talvez tenha encontrado um bom emprego longe daqui.
- Ele era de família rica também.
- O pai dele morreu há um ano atrás.
- Como... Você soube?
- Por colegas. Ele sequer veio no enterro do pai.
- E a mãe dele, veio?
- Não... Nenhum dos dois. Parece que o pai procurava por eles também.
- Talvez... Arrependido do que fez.
Ele me olhou curioso. Eu disse:
- Esquece.
- Achei que você e Nicolas ficariam juntos para sempre. Embora eu tenha visto você com Tom algumas vezes.
- Eu também achei. Mas não foi... E você, bom observador. Conseguia fazer drinques e ainda saber tudo que acontecia ao seu redor.
Ele riu:
- Eu o conhecia, só isso. Por isso lembrava de você... E algumas de suas amigas na época. E Tom... Porque todo mundo conhecia Tom. Ele era o único que tinha um camarote reservado para ele sempre... Mesmo que não comparecesse, ele deixava pago.
- Bons tempos... – me ouvi falando.
- Também acho. – ele disse. – Crescer é uma merda.
Começamos a rir. Tom parou ao meu lado, me observando:
- Tudo bem, gatinha?
- Tudo bem.
O rapaz levantou-se e cumprimentou Tom educadamente, dizendo onde trabalhava.
- Quem o convidou? – Tom perguntou friamente.
Vi que ele ficou sem jeito antes de responder:
- Venho representando a minha filial, senhor Panetiere. No convite pedia que alguém viesse representando a empresa.
- Hum... – ele disse encarando-o.
Comecei a rir alto. Tom com ciúmes? Do ex-barman do Manhattan? Porra, eu era a garota do Nicolas e ele tinha ciúme do barman?
- Você já bebeu demais. – ele me disse.
- E você vai fazer o que, Tom? – perguntei desafiadoramente.
- Quer subir, meu bem?
- Não. – garanti.
- Senhor Panetiere, há uma pessoa que quer conhecê-lo. – disse uma mulher levando-o dali.
- Ele não é tão ruim. – eu falei, tentando justificar a atitude dele.
- Com licença. – o rapaz disse, saindo de perto de mim.
Recostei minha cabeça no sofá e pedi outro drinque. Que se foda. Ia beber até cair. Fiquei tonta e procurei Tom com meus olhos. O vi ao final da escada, subindo. Levantei com dificuldade, cambaleando, e tentei subir vagarosamente. Subia dois degraus e às vezes descia um. Sabia que provavelmente estava sendo observada, mas pouco me importava. A casa era minha. Eu não devia satisfações a ninguém. Acho que devo ter levado mais de dez minutos para chegar ao meu quarto. Vi a porta do banheiro aberta e percebi que Tom estava lá.
Segurei-me nas paredes e parei na porta, atrás dele. Foi como levar uma facada no meu coração quando o vi abaixado na bancada da pia, inalando o pó branco que eu sabia muito bem o que era.
- Seu filho da puta! – gritei antes de cair no chão.