Capítulo 61
1285palavras
2022-07-15 20:02
Eu o abracei:
- Promete que vem no domingo?
- Prometo. E fique bem. Caso se sinta sozinha, sabe para onde ir.
Eu sorri e o abracei novamente. Então ele se foi.
Fechei a porta e me recostei sobre ela. Eu me senti ainda mais sozinha naquele momento. Sim, eu havia crescido. E amadurecido da pior forma possível... Na “marra”. Em tão pouco tempo minha vida deu uma virada e tudo se foi. Eu estava completamente despedaçada, mas precisava juntar os cacos e me reconstruir. A lembrança da minha mãe sempre estaria comigo, assim como os ensinamentos para a vida que ela me deixou. E o que eu trazia neste momento era o que ela me disse com relação a Cadu... Que servia para Nicolas e qualquer outro homem: “Você não precisa mendigar amor, porque quem a ama de verdade, jamais lhe fará sofrer”.
A geladeira estava realmente abastecida, graças a Otto. Mas eu não sentia fome. Além de comprar os móveis, ele me ajudou a organizar tudo. Deitei bem no meio da cama, com o rosto para baixo. Eu havia feito questão de trazer minha cama junto. Porque ela me trazia lembranças. Lembranças estas que eu não queria apagar. Eu conseguia sentir o cheiro de Nicolas ali, próximo de mim. Deixei as lágrimas molharem o lugar onde eu dormiria em seguida... E por muitas e muitas noites. O lugar onde eu fui mais feliz, onde teve o amor mais lindo do mundo, agora era solitário e frio. E eu era a responsável. Tudo era consequência das minhas escolhas.
Eu não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali, chorando sem saber se era por Nicolas ou por minha mãe. E eu pouco me importava. Eu morava sozinha justo para isso: fazer o quisesse na hora que preferisse. E neste momento eu queria chorar. E por sorte não havia ninguém para perguntar o motivo, ou dizer que tudo ia passar. Porque não ia passar. Pelo menos não tão cedo.
Acordei péssima na manhã seguinte. Mas sabia que tinha que comer algo. Eu não estava fazendo greve de fome e não queria morrer. Tinha leite, mas não tinha café. Acabei comendo uma maçã. Tomei um banho no banheiro pequeno, mas aconchegante e com um bom chuveiro. Arrumei-me e fui tentar encontrar um emprego. Depois iria trancar a faculdade. Já havia faltado vários dias e não tinha condições financeiras nem psicológicas para continuar.
O dia estava frio e ventoso. Deprimente, era a palavra. Eu odiava dias cinzas. Larguei vários currículos, em todos os lugares possíveis. Eu não me importava de onde trabalhar. Eu só precisava de um emprego, não importava de que nem onde. Tinha que pagar o aluguel e sobreviver. E se sobrasse, voltar a fazer faculdade no próximo semestre.
Voltei para casa no final do dia. Estava cansada e meus pés doíam. Quando retirei minha sandália de salto, havia uma bolha enorme. Joguei-me no sofá e espraguejei minha vida. Tomei outro banho e desta vez eu estava mesmo com fome. E eu não sabia cozinhar... Nada. E nem tinha ingredientes para fazer um bolo que fosse. Minha mãe diria que eu não deveria pegar comida pronta ou fast food, porque não fazia bem. E realmente se eu vivesse de lanches e Coca-cola morreria em breve... E gorda. Ficava andando do sofá para a cama, olhando a noite iluminada pelas luzes artificiais da janela.
Ouvi uma batida na porta. Animei-me um pouco. Devia ser Otto. Ou talvez Lorraine. Abri a porta e dei de cara com ele...
- Tom?
- Oi, Gatinha.
- Como... Você me achou aqui? – perguntei confusa.
- Otto.
Fiquei olhando para ele. Continuava lindo. Eu nem tinha mais tido tempo de observá-lo nos últimos tempos.
- Vai me deixar na rua? Não me convida para entrar?
Fiquei incerta do que fazer. Olhei-o inexpressivamente, tentando achar um motivo para deixá-lo entrar na minha casa... Ou na minha vida.
- É só uma conversa, gatinha. Quero saber como você está. Prometo que não vai doer nada... Nem haver qualquer tipo de pressão.
Eu saí da porta, abrindo caminho para ele. Tom tirou o casaco e sentou no sofá confortavelmente, mesmo sem ser convidado. Sentei próxima a ele.
- Sinto muito por tudo que houve... Com sua mãe. E suponho que seu namorado.
- Obrigada, Tom.
Talvez ele não tivesse reconhecido Nicolas das noites do Manhattan, o que achei estranho. Ou se lembrava, preferiu não comentar nada.
- Quer falar sobre o que houve? – ele perguntou.
Eu gostava de Tom. Sempre gostei. Mas não me sentia à vontade para falar com ele sobre a minha vida. Os momentos entre mim e Nicolas eram só nossos... Eu não queria dividir aquilo com ninguém. Nem os bons, nem os ruins. Porque “éramos nós”... E ninguém mais entenderia nossa relação e nossos sentimentos. Então eu lhe contei sobre a relação que eu tinha com a minha mãe, Otto e meu pai.
Ele me escutou atentamente e ao final disse:
- Não há explicação para algumas coisas. Como eu já lhe falei, também perdi minha mãe. E duvido dor pior...
- Então sabe exatamente como me sinto.
- Sim. E... O namorado?
- Tom, eu não gostaria de falar sobre ele.
- Tudo bem.
Ele ficou me olhando, com a cabeça recostada no sofá. Depois de um tempo, veio para o meu lado e alisou o meu rosto:
- Será que posso ficar ao seu lado?
- Aqui no sofá sim.
- Não estou falando do sofá. Estou falando de estar com você... Na sua vida. Ajudando a atravessar este momento.
Eu alisei o rosto dele e olhei no fundo dos seus olhos:
- Tom, eu gosto muito de você. Por isso não quero enganá-lo. Eu não estou preparada para me envolver com ninguém. Estou muito machucada ainda... Não consigo. Não quero fazer mal a você.
- Eu gosto de você, Juliet. Sempre gostei.
- Eu acredito... E sei também que o destino nos colocou lado a lado várias vezes. Mas eu não quero me relacionar com ninguém no momento. Desculpe-me.
Ele passou o dedo nos meus lábios e seus olhos se fixaram neles. O vi mordendo o lábio inferior e sai de perto dele rapidamente, abrindo a porta:
- Tom... Eu acho que já está tarde. Eu preciso... Levantar cedo amanhã.
- Está trabalhando? – ele perguntou enquanto pegava o casaco.
- Ainda não... Mas espero conseguir algo em breve.
- Eu posso lhe dar um emprego.
- Eu quero fazer isso por mim mesma. Não quero ajuda de ninguém.
- Se precisar de mim, é só chamar. – ele alisou meu rosto. – Posso ser seu chefe, posso ser seu amigo, posso ser seu namorado ou até mesmo seu marido. Posso ser o que você quiser, gatinha.
- No momento, só preciso que você seja compreensivo, Tom. E respeite minha decisão.
Ele me deu um beijo no rosto e retirou do bolso um cartão, me entregando:
- Meu número. Qualquer coisa que precisar, é só chamar. A qualquer hora.
- Obrigada.
Fechei a porta com ele ainda ali. Eu gostava muito de Tom. Mas não estava preparada para me envolver com ninguém. Nicolas ainda estava dentro de mim e não tenho certeza de que sairia algum dia. Joguei o cartão no lixo.
No domingo, Otto, Lorraine, minha tia e minha vó vieram me fazer companhia no café da manhã. Teve bolo de coco e lembranças de casa e da família mais imperfeitamente perfeita do planeta. Apesar da minha decisão ter tomado todos de surpresa, ficaram satisfeitos no fim. Sobre meu pai, ninguém falou nada. Acho que não era preciso. Eles já tinham dito tudo que precisavam dizer... A vida inteira. Só eu que não quis ver.