Capítulo 60
2339palavras
2022-07-15 20:00
Entrei no carro e disse para Lorraine, limpando minhas lágrimas:
- Vamos logo antes que eu me arrependa de todas as decisões tomadas até agora.
Ela ligou o carro e nos dirigimos para a casa de Nicolas. Desde o dia anterior eu tentava ligar para ele e não era atendida. O telefone estava sempre desligado. Eu não queria partir sem antes falar com ele. Precisava explicar que eu e Tom não tínhamos nada um com o outro. Que havia sido um mal entendido... E que sim, eu partiria com meu pai. Mas em breve estaria de volta. E ele precisava saber que minha mãe havia nos deixado. Eu precisava dele naquele momento como nunca precisei antes.
Quando chegamos a noite já caía. Desci rapidamente do carro e apertei a campainha. Lorraine não desceu. Demorou até que uma mulher viesse me atender. Devia ter uns 50 ou 60 anos. Seria a mãe dele?
- Boa noite... Eu... Quero falar com Nicolas.
- Nicolas?
- Sim.
- Você deve ser Juliet.
- Sim, sou eu. – falei com um sorriso. Ele havia falado de mim para a mãe dele.
Ela abriu o portão e seguiu para dentro. Eu fui atrás dela, mesmo sem ser convidada.
- Nicolas foi embora.
Olhei para ela atônita:
- Com assim foi embora? Para onde? Embora de casa?
- Eu trabalho aqui. – ela pegou algo em cima de um aparador. Eu fiquei esperando na porta. – Ele mandou lhe entregar isso.
Eu peguei o pequeno embrulho e perguntei:
- Para onde ele foi?
- Ontem à noite os pais dele tiveram uma briga séria. A mãe dele caiu da escada. Quebrou o braço e a perna.
- Foi... O pai dele?
- Você sabe sobre o pai dele?
- Sim. – falei.
- Sim, ele foi o responsável. Os dois brigaram...
- A senhora estava aqui?
- Sim.
- E o que houve?
- O menino pegou a mãe, fez as malas e foi embora.
- Mas... Para onde?
- Eu realmente não sei, Juliet. Ele me disse que caso você o procurasse, era para entregar isso. E eu não sei para onde ele foi, mas mesmo que soubesse, a ordem era que não deveria falar nada a você... Só entregar e pronto.
- Mas... Eu não entendo. Onde está o pai dele?
- Sóbrio há poucas horas. Procurando eles por todos os lugares.
- Acha que ele os encontrará?
- O menino é adulto já. Duvido que deixará a mãe voltar... Ou que ele mesmo volte. Eles têm muito dinheiro... E ainda assim vivem uma vida horrível. É tão triste.
Eu fui até o carro e anotei meu número num papel e entreguei a ela:
- Caso saiba onde ele está, me avise... Eu imploro.
- Está bem. – ela falou.
Eu não acho que ela me falaria. Entrei no carro e fiquei parada, olhando para o nada.
- Ele não estava?
- Ele foi embora...
- Para onde?
- A empregada não sabe.
Abri o pequeno embrulho e lá estava o cordão dele, com seu coração. Junto, um pequeno bilhete, escrito pelas mãos dele:
“Juliet, tenho certeza de que Shakespeare escreveu esta frase para que eu pudesse entregar a você neste momento:
Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te.”
Olhei para Lorraine, deixando as lágrimas escorrerem e disse:
- “Juliet e Nicolas” não existe mais... Eu estou sozinha... Completamente sozinha... Para sempre.
Ela me abraçou:
- Não chora, prima. Eu não quero chorar... Eu detesto chorar.
- Não chore por mim... Você está aqui. E isso é muito importante para mim – eu sorri limpando as lágrimas.
- Sei que jamais poderei substituir sua mãe ou seu namorado. Eu nunca pensei que Nicolas pudesse fazer isso.
- Ele ficou mais puto do que eu pensava. – limpei as lágrimas. – Enfim, era para ser. Duas perdas em menos de 24 horas. Eu devo merecer isso...
- Quer voltar para casa?
- Não... Eu quero o meu pai... Eu preciso dele como nunca precisei em toda a minha vida. Acho que ele desapareceu por vinte anos e chegou na hora que eu mais precisei dele. No fim, Deus sabe o que faz...
Ela ligou o carro e em pouco tempo estávamos em frente ao Hotel. Eu não tinha mais lágrimas para chorar. Meu coração não podia ficar mais despedaçado do que já estava.
Dei um abraço em Lorraine e ela partiu. Olhei para a escadaria que levava ao hall principal e subi, colocando minha mochila nas costas. Eu precisava do meu pai... Por menos contato que ele tivesse comigo, aposto que saberia o tamanho da minha dor e simplesmente me abraçaria e diria que tudo ia ficar bem. Era só isso que eu queria dele.
Cheguei na recepção e pedi:
- Poderia dizer ao senhor Simon Dawson que a filha dele está esperando? Quarto 22.
- O senhor Dawson deixou o hotel.
Olhei para a moça e perguntei, aturdida:
- Mas ele volta, não é mesmo?
- Estou lembrando de você... Veio vê-lo há algumas noites atrás, não é mesmo?
- Sim.
- Era meu plantão naquela noite também. Ele fez check-out logo depois que você saiu.
- Ele... Deixou telefone? Vocês não ficam com um cadastro? Eu preciso encontrá-lo.
- As informações são pessoais e sigilosas. Lamento, mas não posso lhe passar.
O que eu queria com o número dele? Estava tão claro quanto o sol do meio dia: ele me roubou. E foi embora.
Virei as costas e saí. Sentei na escadaria e vi a noite lá fora. Comecei a chorar novamente. Abaixei minha cabeça entre as pernas e deixei a dor me consumir.
- Moça, desculpe, mas você não pode ficar na escadaria. – disse o porteiro do hotel.
Levantei e saí sem rumo, andando pela rua, chorando desesperada. A visão ficava turva devido às lágrimas. Recostei-me na fachada de uma loja que estava fechada e fiquei ali, olhando para o nada, tentando entender o que Deus queria de mim. Já não bastou perder minha mãe? Ele tinha que tirar também Nicolas? E eu perdi Nicolas por culpa do meu pai... Nicolas tinha razão o tempo todo. Ele sabia que eu estava cometendo o maior erro da minha vida. E ele tentou me alertar, assim como minha mãe e Otto. E eu não quis ouvir. Eu chamei meu pai de “família” e insinuei que Nicolas e Otto não pertenciam a ela. O que houve comigo? Eu fiquei insana com a presença de Simon Dawson na minha vida. E tudo que ele queria era o meu dinheiro. Eu poderia tentar imaginar que ele havia partido por conta do menino. Mas eu não tinha certeza sequer se havia um irmão e se ele estava doente. Tudo que aquele homem fazia era mentir vida inteira... E ele me enganou, como toda minha família avisou que aconteceria. Mesmo sabendo que eu era sua filha, ele tirou todo o dinheiro que minha mãe e Otto levaram uma vida guardando para mim.
Eu não tinha certeza se meu corpo aguentaria toda a dor daquele momento. Não era só meu coração que doía. Minha alma doía... Minhas pernas doíam, meu peito doía, minha cabeça doía.
Eu não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali, olhando para o nada, sem mais lágrimas para chorar. Olhei para a lua e lembrei da frase dele: “Ficarei com você até que a lua vire sol”. A lua nunca mais viraria sol... Porque ele nunca mais estaria comigo. Peguei o cordão do meu bolso e retirei o pingente, colocando junto do meu, mesma gargantilha.
Eu tinha o coração e a chave agora. E trancava para sempre qualquer sentimento que pudesse existir dentro de mim. O amor realmente fazia sofrer. E “para sempre” não existia. E eu sempre soube disso. E ainda assim me iludi. Eu errei... Mas fui deixada da maneira mais horrível possível... No momento em que mais precisei dele. Nicolas sequer quis me ouvir.
Nada poderia ficar pior na minha vida... Nunca mais. Aquelas 24 horas foram as piores da minha vida. E jamais eu sentiria tanta dor dentro de mim como sentia naquele momento.
Respirei fundo e fui para outro hotel. Não queria ir para o hotel que meu pai ficou. Aluguei um quarto, tomei um banho e deitei na cama. Eu achei que não conseguiria dormir. Mas estava enganada. Meu corpo precisava de um lugar confortável para descansar. Eu passei a noite chorando por minha mãe sem vida no caixão. Nem sei há quanto tempo eu não dormia. Quando vi, meus olhos estavam se fechando.
Na semana seguinte eu encontrei um apartamento. Decidi morar sozinha. Eu tinha mil opções de lugares para ficar... Mas eu só queria ficar sozinha. Eu precisava de um tempo para mim mesma. Por incrível que pareça, Otto me apoiou. Ele pagou o hotel que eu me hospedei e me ajudou a encontrar um lugar para morar.
O apartamento ficava no centro da cidade, uma rua depois da principal. O prédio tinha quatro andares. O lugar era pequeno. Tinha um quarto, sala, cozinha, banheiro, sacada e área de serviço. Mas era o ideal para mim. Ele me ajudou a comprar os móveis para mobiliar tudo do meu gosto. Era simples, mas confortável.
- É pequeno. Poderíamos ver outro maior. – disse Otto olhando como ficou com os móveis organizados.
- Está ótimo. Não preciso de quarto de visitas, Otto. – falei abrindo as janelas. O meu apartamento ficava no quarto andar e dava para ver parte da cidade dali. – Eu gostei. E o preço é bom.
- Eu vou pagar para você, Juliet. Não se preocupe com isso.
- Nem pensar, Otto. Eu vou pagar.
- Menina, você não tem como fazer isso.
- Vou procurar um emprego.
- Você tem direito ao dinheiro da sua mãe, Juliet. E é uma boa quantia.
- Eu não quero. Eu dei todo o dinheiro que eu tinha para aquele homem, Otto. Sentiria-me a pior pessoa do mundo pegando um centavo de você.
- Não é meu... Era dela. Agora é seu.
- Então você sabe que ela adoraria que eu arrumasse um emprego e me virasse sozinha.
Ele sorriu e balançou a cabeça:
- Você é durona, Juliet. Mas sim, ela ficaria orgulhosa de você. Mas me deixe ao menos pagar sua faculdade.
- Não... Você já pagou minha faculdade. E eu peguei o dinheiro e queimei. – eu ri amargamente. – Me deixe provar para mim mesma que eu consigo viver sozinha, Otto.
- Eu deixo... Mas sabe que se precisar de algo, é só pedir. Não quero que passe trabalho, nem necessidades. Você sempre teve uma vida boa.
- Qualquer coisa eu chamo. E não me apareça aqui de novo sem um bolo de coco. Ou não deixo você entrar.
- Eu não seria louco de não trazer um bolo de coco no domingo.
Eu o abracei com força. Ele esteve comigo o tempo todo... Na verdade, a minha vida inteira. Era ele que fazia meu bolo preferido para me surpreender algumas manhãs. Foi ele que esteve comigo quando a coisa ficava ruim na escola. Tantas vezes ele ocultou coisas que eu fazia errado da minha mãe, para ela não me deixar de castigo. E o principal: ele me deu todo o amor que um pai verdadeiro poderia e deveria dar a um filho. E eu nunca soube ser grata. Mas naquele momento, eu sabia. Meu pai verdadeiro, em poucos dias, me ensinou tudo que um pai não deve ser. Eu esperei 20 anos pela pessoa mais horrível e desonesta que conheci em toda a minha vida. E esperava nunca mais encontrá-lo, até o fim dos meus dias.
- Obrigada, pai. – meu ouvi dizendo.
Ele afastou meu rosto e me encarou.
- Sim, Otto. Você é e sempre foi meu verdadeiro pai. Mas eu só me dei conta tarde demais. Perdoa-me... Por favor.
- Eu perdoo... Porque pais sempre perdoam os filhos.
- Eu nunca mais quero ver Simon Dawson em toda a minha vida. E passarei longe de Paraíso até o fim dos meus dias.
- Podemos denunciar se você quiser.
- Eu não quero... Para mim passou. Eu vou recuperar cada centavo. Eu garanto. Com meu trabalho.
- Eu estou orgulhoso de você. E sei que sua mãe, onde quer que esteja, também está.
- Eu espero que sim. Queria que ela tivesse orgulho de mim... Pelo menos uma vez.
- E Nicolas? Você desistiu dele?
- Não, Otto. Ele desistiu de mim. O senhor perfeito e a rainha do drama não são mais um casal. E nunca mais serão.
Ele me deu um beijo no rosto:
- Eu lamento... Eu gostava dele. E tenho certeza que ele gostava de você. Mas no fim, acho que as coisas sempre são como tinham que ser.
- Também acho.
- Mas você não pode se lamentar pela morte de sua mãe e o término com Nicolas pelo resto da vida. Você é jovem, bonita, inteligente e tem só 20 anos.
- E tirei o décimo lugar na colocação geral da faculdade. – eu ri. – Ela não deixaria você esquecer isso.
- Verdade... – ele disse coçando a cabeça confuso, rindo. – A dor vai passar. Quero ver você rindo e feliz novamente. Você sempre foi a pessoa mais alegre que eu conheci.
- Espero que um dia a dor passe. Mas nada, nunca mais, voltará a ser como era antes. Não sem ela... E sem ele.
Ante de ir, ele disse:
- Deixei a geladeira abastecida. Tem frutas, legumes, ovos e laticínios. Tem comida no armário. Comprei só o básico, mas tudo que você gosta.
- Eu só não chamo você de perfeito porque não existe pessoa perfeita. – eu sorri. – Então eu digo... Obrigada... Por tudo. Obrigada por estar ao meu lado o tempo todo, nos momentos bons e ruins.
- Não quero agradecimentos. Sempre me senti responsável por você e serei até o fim dos meus dias. Você é a herança que ela me deixou.