Capítulo 58
1727palavras
2022-07-15 19:59
Quando saí na calçada, estava completamente desnorteada. As lágrimas embaçavam minha visão. Não encontrei Nicolas e saí sem rumo.
- Juliet?
Ouvi alguém me chamando e parei. Era Tom vindo atrás de mim.
- O que houve? – ele perguntou se aproximando, visivelmente preocupado.
- Nada... Eu...
Eu nem sabia o que fazer ou dizer. A possibilidade de eu e Nicolas estarmos terminando simplesmente me destruía por dentro. Deixei as lágrimas caírem e o choro vir sem medo. Ele me abraçou e me senti acolhida. Eu não tinha condições de passar por aquilo sozinha... Quem me visse na rua acharia que eu era uma louca.
Tom não disse nada, só ficou ali, deixando que eu molhasse toda a sua camisa com minhas lágrimas salgadas. E a sensação que eu tinha era de que nunca mais pararia de chorar.
Ele pegou delicadamente meu queixo, me fazendo olhá-lo:
- Gatinha, o que houve?
- Por favor, não me faça explicar. – pedi.
- Tudo bem. Venha comigo.
Ele pegou minha mão e eu o segui. Quando ele abriu a porta do carro fiquei tentando entender o que estava acontecendo e o que eu devia fazer.
- Vou levá-la para tomar um ar... Só isso. Você precisa se acalmar. – ele disse segurando a porta ainda.
Meu telefone tocou. Era Otto. Respirei várias vezes seguidas, para ele não perceber que eu estava chorando:
- Oi, Otto.
- Juliet, você precisa vir imediatamente.
- Para onde? O que houve, Otto?
Ele parecia estar nervoso:
- Sua mãe está no hospital.
- No hospital? Como assim? O que aconteceu?
- Venha... Aqui eu lhe explico melhor. Mas você precisa vir... Agora.
Desliguei a chamada apavorada e pedi automaticamente para Tom:
- Me leve ao hospital, por favor.
Sentei no banco. Ele fechou a porta. Assim que ele tomou o lugar do motorista, Nicolas parou ao meu lado:
- Que bom que você resolve bem rápido seus problemas.
Os olhos dele estavam escuros e eu via tanta fúria neles que tive até medo.
- Nicolas... – eu tentei abrir a porta, mas ele a segurou, não deixando que eu saísse.
- Seja feliz, Juliet. E arque com as consequências de todas as suas escolhas.
- Não é o que você está pensando. – argumentei. – Eu preciso de você... – implorei quase sem voz.
- Nunca é, não é mesmo? E não... Você não precisa mais de mim.
Ele saiu e eu o vi partir, imóvel, sem condições de dar um passo. Porque meu coração doía tanto e minhas pernas não tinham coragem de sair dali. Tom viu tudo, mas não falou nada. Deu a partida e eu sequer percebi. No caminho, por várias vezes, tentei entender onde eu estava, com a visão ainda turva das lágrimas que deixavam as luzes dos postes brilhantes e borradas.
- Tom... Eu acho preciso voltar. – falei, incerta do que fazer. – Eu precisava que Nicolas estivesse comigo. Havia acontecido alguma coisa com minha mãe.
- Gatinha... Você não está em condições de tomar decisões.
Ele tinha razão. Depois eu falava com Nicolas. Agora o mais importante era minha mãe. Ela vinha em primeiro lugar, antes de tudo na minha vida. Limpei as lágrimas e esperei que ele me levasse. O hospital era a alguns minutos dali. Nem esperei ele estacionar para descer rapidamente. Fui até a entrada principal e Otto estava lá, junto com minha tia.
- O que houve? – perguntei.
Ele me abraçou e disse:
- Querida, você estava chorando? – questionou limpando minhas lágrimas.
- Otto, o que aconteceu? Por favor... Me fale.
Minha tia me puxou dos braços dele e me abraçou com carinho:
- Ela teve um infarto. Estão fazendo tudo que é possível para salvá-la...
Como assim? Minha mãe era saudável. Ela nunca teve nada. Fazia exames regularmente. Aquilo não podia acontecer. Eu sei... Era um pesadelo. Logo eu acordaria e tudo ficaria bem. Então eu começaria a rir... E minha mãe e Nicolas estariam lá, comigo, como sempre estiveram.
Continuei ali, nos braços de minha tia, que tinha o mesmo cheiro da minha mãe. Sempre fomos muito ligadas... Em especial por eu e Lorraine termos a mesma idade e crescermos juntas, uma na casa da outra.
Sentei, levantei, andei.
- Como ela está? – perguntou Tom.
- Tom, você ainda está aqui?
- Sim... Vou ficar, gatinha.
- Você não precisa. Pode ir... Desculpe-me por ter virado sua noite de cabeça para baixo. Tudo vai dar certo. Não se preocupe.
Ele pegou minha mão e disse:
- Não tenho outro lugar mais importante para ir quando você precisa de mim. Eu estarei aqui. E tenho certeza de que tudo dará certo.
Fiquei confusa. Não era para ele estar ali. Era Nicolas que eu queria comigo naquele momento. Afastei-me um pouco e peguei o telefone, ligando para ele. Caiu na caixa de mensagens. Droga, ele precisava saber que minha mãe estava no hospital. Continuei tentando, por mais de quinze minutos. Estava sentada num banco na área externa, ainda tentando falar com ele. Tom também estava ao telefone, mais afastado. Vi minha tia e Otto vindo até mim. E quando percebi que estavam chorando, fechei meus olhos. Não... Eu não queria ouvir o que eles tinham para me dizer. Tapei meus ouvidos com força e coloquei minhas pernas para cima do banco. Ouvia vozes, mas não queria saber o que diziam... Senti mãos alisando meus cabelos e abraços apertados, bem como lágrimas que escorriam sobre mim.
Eu disse em voz alta: “É só um pesadelo! É só um pesadelo!”. Mas quando abri meus olhos e vi a noite, as luzes borradas pela minha visão e a tristeza e lágrimas ainda nos olhos de Otto e minha tia, eu sabia que o pior tinha acontecido. E eles nem precisavam me dizer que minha mãe já não estava mais ali. Porque eu sentia dentro de mim que ela não estava... Eu nunca mais a veria.
- Eu quero ficar sozinha. – falei firmemente.
Eles me deixaram sozinha, respeitando meu desejo. Abaixei minha cabeça, apoiando nos meus joelhos e deixei que as lágrimas quentes e salgadas se apossassem de mim novamente. E a impressão que eu tinha era de que nunca na vida eu pararia de chorar. Achei que Nicolas ter ido embora tinha me doído. Mas não... O que eu sentia naquele momento era a maior dor que já senti em toda a minha vida. Era um sentimento de impotência, de abandono e arrependimento que jamais imaginei sentir. Minha mãe era tudo o que eu tinha na vida... O que de mais importante. Ela estava lá, o tempo todo, mesmo quando eu não a queria. Ela fazia tudo por mim. Ela me perdoava, mesmo quando dizia que não perdoaria. Ela arrumava minha cama, fazia minha comida, alisava meus cabelos, me contava histórias para dormir, me dizia verdades que só ela podia e tinha o abraço e o cheiro melhor do mundo todo. Mães não podiam morrer... Aquilo deveria ser proibido... Porque o sentimento que deixavam nos filhos era de tristeza eterna. Eu duvidava que aquela dor fosse cessar. Ela me acompanharia por toda a minha vida.
Senti um abraço apertado pelas minhas costas. Eu conhecia aquele cheiro e aquele toque de carinho.
- Lorraine...
Virei-me e deixei ela me acalentar. Ela não disse nada. Ela sabia que não havia o que dizer. Mas ela estava ali... Porque ela sempre estava comigo.
- Lorraine... Tente avisar Nicolas. Eu não consegui. – pedi sentindo meu rosto ardendo.
- Olha para mim... – ela pediu.
Olhei nos olhos dela:
- Vai ficar tudo bem, Juliet. Eu prometo que tudo vai ficar bem.
- Nunca mais vai ficar tudo bem, Lorraine. Ela se foi...
- Ela se foi... Mas nós estamos aqui. E sempre estaremos. Porque somos a sua família.
- Nada mais faz sentido agora.
- Ei... Um dia vai passar...
- Lorraine, eu magoei ela tantas vezes... Nunca vou me perdoar.
- Não... Mesmo que você tenha magoado, mães sempre perdoam. Porque elas são mães.
- Isso não poderia ter acontecido... Não com ela. Porque ela era a pessoa mais perfeita e especial do mundo todo...
Deixei ela alisar meus cabelos. Sim, eu havia sido horrível. Sabia o quanto ela odiava meu pai e ainda assim disse que queria ajudá-lo. Deus foi bondoso quando me deixou levantar pela manhã e não conversar com ela sobre Simon Dawson e meus planos. Eu não me perdoaria se tivéssemos discutido naquela manhã. E eu disse que a amava... Eu queria Nicolas ali comigo, mas ao mesmo tempo ele não significava nada perto da dor da perda de minha mãe. O sentimento era tão forte que o que aconteceu momentos antes com ele, na cafeteria e no carro, era só um borrão sem sentido.
- Ele não atende. – disse Lorraine. – Cai na caixa postal.
- Então deixe. Ele não quer falar comigo. – O que aquilo importava naquele momento? Acho que nada...
- Vocês brigaram?
- Sim.
- Por quê?
- Por causa de meu pai.
- Eu sabia que isso aconteceria. Mas como eu disse, tudo vai dar certo. Não se preocupe. Logo eu falo com ele e Nicolas estará ao seu lado, como sempre.
- E ela? Ela nunca mais estará ao meu lado, Lorraine.
- Aposto que ela sempre estará, Juliet. Só não estará com sua presença física... Mas tia Olga sempre estará conosco. Em nossas lembranças e em nossos corações.
- Eu não consigo imaginar que nunca mais vou vê-la... Ou ouvir a voz dela... Ou seu corpo me envolvendo num abraço. – solucei alto, quase entrando em pânico ao imaginar aquilo.
Tom veio até nós e sentou, me abraçando:
- Eu já perdi minha mãe também. Sei a dor que você está sentindo... Mas eu garanto: um dia vai amenizar. Porque passar, nunca vai passar.
Eu o olhei e deixei que ele me ajudasse naquela hora. Gostei de ouvir suas palavras. Só quem já havia passado por aquilo sabia do que se tratava e o que existia dentro de mim naquele momento.
Vi Otto parado, escorado num pilar, olhando para o nada e me dirigi até ele. Quando me viu, ele me abraçou e disse:
- O que vamos fazer agora? Ela era a luz das nossas vidas.
- Não vamos fazer nada, Otto... Porque as luzes se apagaram... Para sempre.