Capítulo 55
2449palavras
2022-07-15 19:57
No dia seguinte, andei pela rua principal da cidade durante a tarde, indo e voltando tentando encontrar meu pai “casualmente”. Não queria procurá-lo no hotel onde ele estava. Não me sentia à vontade para aquilo. Na terceira vez que eu fazia o vai e volta, encontrei-o sentado na mesma cafeteria que estivemos. Ele estava tomando café e fumando um cigarro. Quando me viu, levantou e abriu um sorriso.
Eu fui até ele e recebi um beijo forte e carinhoso no rosto. Sentei-me e ele pediu um cappuccino para mim, sem perguntar se eu queria.
- Tudo certo, pai?
- Na verdade eu queria muito ver você. Acho que vou ter que partir amanhã ou depois. Seu irmão não está nada bem. Preciso urgentemente encontrar uma forma de resolver a questão do dinheiro para a cirurgia.
- Meu Deus... Que triste.
- Não conseguiria ir comigo para Paraíso, querida? Eu realmente gostaria que você o conhecesse antes que ele... Se fosse. – ele disse não contendo as lágrimas.
- Pai, tudo isso acontecendo e você aqui, se preocupando comigo. Deve voltar sim...
- Estou arrasado. – ele disse fumando. – Por isso até voltei a fumar.
- Nem sei o que dizer... Entendo a sua dor.
- Juliet... Você não conseguiria com sua mãe ou seu padrasto uma quantia para mim? Eu juro que pago. Só preciso de tempo.
- Bem, na verdade eu tenho dinheiro. Ganhei de minha mãe e Otto o valor da faculdade. Eles investiram o dinheiro no meu nome. Se você vai pagar, eu lhe empresto o dinheiro e continuo estudando. E pode me pagando aos poucos.
- Você faria isso por mim? – ele perguntou, segurando a minha mão carinhosamente, olhando no fundo dos meus olhos.
- Sim... – eu disse.
Realmente eu não precisava de todo o dinheiro, pois pagava a faculdade semestralmente. O garoto era meu irmão, mesmo eu não o conhecendo. Eu nunca me perdoaria se ele morresse e eu tivesse como salvá-lo e não o fizesse. Eu sabia que poderia estar sendo ludibriada, pois mal conhecia meu pai. Mas se não lhe desse uma chance, não confiasse nele, que tipo de pessoa eu seria? Ele estava ali, naquele momento, e atravessou todo o país por mim.
Simon estava com uma camisa branca, com a manga dobrada na altura dos cotovelos. Vi um letra J tatuada e coloquei minha mão, sentindo a pele dele sob a tinta antiga.
Ele levantou a manga e mostrou as letras uma em cima da outra: “J, A, D”.
- O que significa? – perguntei sentindo meu coração batendo forte.
- Juliet, Damon e Alef: os meus filhos, os amores da minha vida.
- Você tatuou minha inicial na sua pele?
- Sim... Porque você é minha filha.
Senti uma lágrima rolando pela minha face. Eu me senti pela primeira vez amada e aceita por ele. Talvez eu não tivesse sido tão rejeitada. Ele pensou em mim, ou não teria tatuado algo que me lembrasse no próprio corpo.
Ele limpou a lágrima e disse:
- Temos tanto que conversar, meu bebê.
Quando vi, dois homens enormes pararam ao lado da mesa e perguntaram seriamente:
- Você vem ou não vem?
Eram altos e fortes. Ambos morenos e usavam óculos escuros. Eram bem apessoados. Um mais velho e o outro mais jovem.
Ele levantou e me deu um beijo no rosto:
- Preciso ir, bebê.
- Mas...
- Pode me encontrar no Hotel amanhã à noite? E me levar o que prometeu?
- Posso.
Ele levantou e eu assisti ele sair com os brutamontes. Fiquei confusa. Ele os conhecia de onde? Dos tempos antigos? Porque ele não morava ali há no mínimo 19 anos.
Minha cabeça estava um turbilhão. Eu não poderia contar para minha mãe. Ela jamais aceitaria aquilo. Muito menos Otto. Mas precisava dividir com Nicolas. Sabia que ele ficaria furioso, mas eu não tinha a quem recorrer. Precisava de alguém que me dissesse que estava tudo bem e que eu estava agindo corretamente.
Liguei para Nicolas e pedi que ele me encontrasse na cafeteria. Fiquei esperando quase uma hora até que ele aparecesse. Até ele chegar comi duas fatias de torta e outro cappuccino. Ele me deu um beijo rápido quando me viu e sentou.
- Fiquei preocupado, Juliet. O que houve?
- Você demorou.
- Faltei a faculdade para vir... Então espero que seja importante.
- Acha que o chamaria se não fosse, Nick?
- Ei, você é minha Juliet, a rainha do drama. Tudo é importante para você, esqueceu?
- E não deveria?
- Deveria, meu amor. O problema é que nem sempre realmente é. Você se preocupa à toa com algumas coisas.
- Nick, eu encontrei meu pai novamente. Hoje... Aqui na cafeteria.
- Eu não concordo com isso... Principalmente se você pretende continuar escondendo de sua mãe e Otto.
- Deixa eu terminar, por favor.
- Ok. – ele disse seriamente.
- Nick, meu irmão tem uma doença. Ele precisa do dinheiro para a cirurgia. Inclusive, ele me pediu para viajar com ele para Paraíso, para conhecer o menino antes que ele morra.
- Você viajaria com ele, Juliet?
- Não sei... Mas eu vou lhe dar o dinheiro.
- Está falando do dinheiro da faculdade? – ele quase gritou, chamando a atenção de algumas pessoas, que olharam para a mesa.
- Nicolas, você está me deixando envergonhada.
- Me desculpe. Eu não queria ter gritado... Mas é quase impossível ouvir tudo isso e ficar calmo.
- É meu irmão.
- Você já verificou se o que ele diz é verdade?
- Nick, ele não inventaria isso do próprio filho. Acha que ele teria vindo atrás de mim por dinheiro? Ele não sabia que eu tinha este valor guardado. Ele realmente veio para me convencer a ir me despedir do menino que eu nem cheguei a conhecer. E eu posso ajudar...
- Juliet, é a sua faculdade...
- É a vida do meu irmão, não entende? Nick, meu pai tem a minha inicial tatuada no braço dele, junto com a dos outros filhos. Ele se importa comigo...
- Então por que não a procurou por 20 anos? Juliet, uma tatuagem não significa nada...
- É minha inicial... Para sempre no braço dele.
- Eu não consigo acreditar que seja verdade qualquer coisa que este homem lhe diz.
- Ele não é qualquer homem. – falei furiosa. – Ele é o meu pai. Não é porque você não tem amor à sua família que eu tenho que agir da mesma forma.
- Eu nunca disse que não tenho amor à minha família. Só não aceito as coisas que meu pai faz. E nunca vou aceitar. Ou acha que tenho que aceitar ele bater na minha mãe, não se importar com nada, dizer coisas horríveis e no outro dia fingir que nada aconteceu, simplesmente porque ele é o meu pai?
- Você pouco se importa com família, Nicolas.
- E você se importa? Por isso que já contou para sua mãe que o homem que a abandonou com um bebê nos braços está de volta, pedindo dinheiro?
- Se você contar para minha mãe eu nunca vou perdoá-lo.
Ele ficou em silêncio e disse, depois de um tempo:
- Jamais pensei que fôssemos brigar seriamente por seu verdadeiro pai um dia. Eu lamento que esteja sendo desta forma. E que você esteja tão cega. E sendo tão imatura.
- Ele é minha família, Nicolas. Meu sangue. Não tente intervir ou se meter nisso. Família é família. Espero que um dia você entenda isso.
- Era isso que você queria comigo? – ele perguntou levantando.
- Aonde você vai?
- Tentar pegar o restante da aula na faculdade.
- Mas... Eu estou lhe contando sobre o que aconteceu com meu pai.
- Família é família, Juliet. E eu não faço parte dela. Fale com quem pertence ao seu círculo familiar, afinal, eu não significo nada.
Ele levantou e saiu. Eu tentei ir atrás dele, mas tive que pagar o que havia consumido. Fui rapidamente para a rua, mas ele não estava mais ali. Senti meu coração bater acelerado e uma dor intensa dentro de mim. Eu não queria brigar com ele. Eu amava Nicolas mais do que tudo na minha vida. Mas ele não aceitava o meu pai ter voltado e querer recuperar o tempo perdido, e se preocupar comigo. Isso porque realmente Nicolas não gostava desta questão familiar. Ele tinha problemas com a própria família. Não tinha o direito de tentar intervir nas minhas decisões sobre meu pai. Eu o amava, mas ele poderia ser passageiro na minha vida. Meu pai e meus irmãos eram para sempre.
Voltei para casa e fui deitar. Não me sentia bem. Perto da meia-noite, quando sabia que ele estava em casa, liguei. Mas ele não me atendeu. Quando ele não me atendia era porque estava muito, mas muito bravo.
Naquela noite, mal consegui dormir. Por ter brigado com Nicolas e por toda questão de meu pai ter aparecido do nada na minha vida e deixado tudo de cabeça para baixo. Mas ainda assim eu não tinha dúvidas de que era o certo... Precisava lhe dar o dinheiro. E ajudar meu irmão. Era um caso de vida ou morte e eu tinha como escolher a vida. Não importava a faculdade. Eu teria feito por outra pessoa que conhecesse. E neste caso era meu irmão... Por que não ajudaria?
Quando acordei na manhã seguinte, tomei banho e troquei de roupa para ir para a faculdade. Quando cheguei na cozinha, minha mãe e Otto estavam à mesa.
- Ainda não foram trabalhar? – perguntei enquanto me servia de leite e café.
- Quando iria nos contar que seu pai está na cidade? – Olga perguntou furiosa.
Larguei a xícara e sentei, cheia da razão.
- Foi Nicolas? – perguntei com certeza de que havia sido ele.
- Não importa quem foi.
- Foi ele...
- Eu já disse que não importa. E se foi, qual o problema?
- Você não tinha o direito de esconder isso da sua mãe. – disse Otto.
- Otto, isso não tem a ver com você. É sobre família.
- Eu sou parte desta família. Ou você esqueceu? Ou talvez ache que ele é e eu não. – ele gritou.
- Você não tem o direito de gritar comigo, Otto.
- Tenho que sempre ser o bonzinho? Eu estou farto disto. Seu pai sumiu por 19 anos, eu criei você junto com sua mãe. Agora ele aparece do nada, pedindo dinheiro e você acha que ele é o melhor homem do mundo? Em que planeta você vive? Quando você vai amadurecer, Juliet? Eu achei que isso estava acontecendo, então você mostra que estávamos todos enganados.
- Não consigo entender você, Juliet. – falou minha mãe. – O que Simon fez na sua cabeça? Ele sempre foi de entrar na mente das pessoas... E fez isso comigo, há muitos anos atrás. Eu acreditei nele... Porque eu era uma boba, uma idiota. Mas você sempre foi uma menina inteligente. E eu nunca menti sobre ele. Você sempre soube toda a verdade sobre o que seu pai fez.
- E acha que eu nunca poderia perdoá-lo?
Ela suspirou:
- Não é sobre perdão... É sobre manter a razão.
- Você não pode dar o dinheiro para ele. – falou Otto.
- Eu posso. É meu e faço com ele o que eu bem entender.
Otto levantou.
- Otto, você não pode simplesmente sair. – disse minha mãe.
- Acha mesmo que eu vou ter esta conversa com ela? – ele me olhou com desdém. – Juliet só ouve o que quer ouvir. Ela só enxerga o que quer enxergar. Vamos passar horas falando em vão... Ela vai fazer tudo que pedirmos que não faça. Quando ela estava na adolescência eu sempre tolerei... Pensava que passaria, que ela era imatura, e tentava justificar os atos dela. Mas você não é mais uma adolescente, Juliet. É uma mulher. Já fez sua escolha. E deve arcar com as consequências.
- Não podemos deixar ela fazer isso, Otto. Eu preciso de você. Não posso sozinha com ela. – implorou minha mãe, começando a chorar.
- Não perca seu tempo, Olga. Está mais que na hora de ela crescer... Mesmo que seja na dor.
Ele disse isso e saiu. Coloquei a mão sobre a de minha mãe e disse:
- Ele é o meu pai... – deixei as lágrimas escorrerem. – Você sabe quanto tempo eu esperei que ele me procurasse? A vida inteira. Eu só ouvia falar sobre ele. Nunca vi uma foto, sequer sabia se tinha qualquer semelhança comigo. Então ele veio atrás de mim. E disse que me ama. Ele tem um J tatuado no braço, em minha homenagem. E ele é lindo... E o meu irmão tem uma grave doença... E se eu não ajudar, ele pode morrer. Eu faria isso por um conhecido, talvez até um estranho. Por que eu não faria por meu irmão?
Minha mãe apertou com força minha mão e disse, olhando nos meus olhos:
- Porque Simon Dawson é um mentiroso. E ele não vale nada.
- Por favor... Não fale assim. Eu nunca o vi... Mas eu senti tanto amor por ele... A minha vida toda. Era como se o meu maior sonho estivesse se realizando quando eu o vi na minha frente.
- E nos seus sonhos você imaginou que ele lhe pediria dinheiro quando a visse pela primeira vez?
- Não... Assim como não imaginei que ele tivesse a inicial do meu nome gravada no corpo dele. Deixe-me ajudá-lo... Deixe-me ser feliz ao lado dele, por menor que seja o tempo que ele ficará aqui... E estará comigo.
- Eu não posso deixar, minha filha... Porque ficar ao lado dele não é seguro. Nunca foi e nunca será. Eu só quero que você fique bem... E isto não ocorrerá ao lado dele.
- Mãe, por Deus, tente me entender.
- Não dê o dinheiro a ele. Então eu vou tentar entender o seu lado. Eu juro.
- Eu... Já decidi. O dinheiro não é meu?
- Sim... É seu. Guardamos para os seus estudos, para que pudesse ser alguém importante na vida... Diferente de mim... E principalmente do seu verdadeiro pai. Infelizmente Otto tem razão: vou deixar você quebrar a cara.
- Mãe... Me ouça. – implorei.
Ela saiu e eu fiquei ali, sozinha, chorando feito criança. Por que ninguém me entendia? Por que Nicolas contou a eles? Se ele não tivesse feito aquilo, eu teria dado o dinheiro e eles jamais saberiam. E tudo ficaria bem. Ele não tinha o direito de ter se metido daquela maneira na minha vida.