Capítulo 51
1949palavras
2022-07-15 19:54
- Simon Dawson, é você? – perguntei com a voz fraca e sentindo meu coração querendo saltar para fora do peito.
- Sim, querida, sou eu... Seu pai.
Olhei para ele, analisando-o melhor. Ele era alto e corpulento. Tinha olhos claros, oscilando entre o azul e o verde, exatamente como os meus. Era moreno e alguns cabelos brancos, embora bem poucos, começavam a aparecer. Sua barba começava a crescer. Os cabelos eram bem penteados e com um corte moderno. Tinha o rosto fino, lábios grossos e dentes alinhados e claros. Ele era bonito. E talvez este foi o motivo que fez minha mãe se apaixonar por ele. Imagino como ele era há mais de vinte anos atrás. Fico pensando o que minha mãe faria se aquele homem aparecesse na nossa casa. Eu no lugar dela deixaria Otto na mesma hora. Meu pai era o homem mais lindo que eu já vi.
- Não precisa ficar tímida... – ele disse.
Juntei meu celular, ainda não conseguindo assimilar tudo que estava acontecendo. Olhei para o aparelho quebrado e me senti mal por aquilo. Nick que havia me dado. Sério que eu não conseguia olhar para a cara do meu pai e falar com ele?
Ele pegou a minha mão e alisou-a ternamente:
- Eu sei como você deve estar se sentindo e tudo que está se passando na sua cabeça neste momento. Mas lhe peço uma chance, Juliet, só isso. Deixe-me contar a minha versão dos fatos, pelo menos.
Eu o encarei:
- Pode contar. Eu estou esperando.
Ele suspirou, não soltando a minha mão em momento algum:
- Eu não sei o que sua mãe lhe falou exatamente. Mas se disse que eu era um viciado, sim, ela não mentiu. Foi a pior fase da minha vida a que estive ao lado dela. E fico imensamente feliz ao olhar para você e perceber que é perfeita e não teve nenhuma sequela pelos males que cometi no passado. Estive em tantas clínicas de reabilitação que nem lembro quantas foram. Olga me suportou por muito tempo. Eu no lugar dela já teria jogado a toalha e desistido lá no início. A propósito, como ela está? Continua linda e brava?
- Ela está bem. E sim, é uma das mulheres mais lindas que conheço. E é brava. – eu sorri.
- Imaginei. Olga sempre foi difícil... Cheia de vontades, tudo tinha que ser do jeito dela. Ainda assim, uma pessoa incrível. A beleza dela não era só por fora... Era por dentro também.
- Por que você foi embora? Por que nunca me procurou?
- Eu... Não sei explicar. Acho que tive vergonha... De Olga, sua família e tudo que eu fiz de errado. Ela sofreu a gravidez toda por minha causa. E quando você nasceu, ela desistiu de mim. E decidiu que seria só você... E nada mais. Quando eu realmente estava livre das drogas, curado, ela não acreditou mais em mim. Você era um bebê ainda... Tinha alguns meses. Pedi para ela me aceitar de novo. Ela não quis. Mas não a culpo. Eu errei tantas e tantas vezes que um dia ela se cansaria de me dar chances. Então eu decidi partir. E tentar me reencontrar em outro lugar... Longe daqui.
- E por que nunca tentou saber de mim?
- Eu tentei, querida. Como acha que a encontrei? Eu sempre estive a par de você nos últimos anos. Confesso que quando você era criança eu não tive contato nenhum, muito menos informações sobre você. Mas você é minha filha, sangue do meu sangue. Como eu ficaria longe de você para sempre? Meu instinto paterno falou mais alto... Sempre.
- O que você quer agora, depois de tantos anos? – perguntei tentando entender.
Eu não sei o que se passava na minha cabeça com relação a ele. Nem o que eu sentia. Estava nervosa e curiosa. E um pouco amedrontada da reação de minha mãe quando soubesse.
- Vê-la... Eu só vim vê-la... E saber como você realmente estava. E lhe dizer que você tem uma família do outro lado do país. E que pode nos procurar sempre que quiser. Seus irmãos gostariam muito de conhecê-la. Minha esposa e a filha dela também.
- Ela tem uma filha?
- Sim... Ela tem a sua idade. A conheci quando ainda era uma menina. Tenho um carinho especial por ela. Praticamente a criei como pai.
Olhei para ele sentindo uma dor imensa no meu coração. Enquanto ele me abandonou, criava a filha de outro homem? E ainda tinha a coragem de me contar?
- Talvez eu vá um dia. – falei tentando me levantar.
Ele me puxou pelo braço, fazendo eu sentar novamente:
- Espere, filha. É cedo ainda. Eu viajei muito tempo para encontrá-la. E não foi nada fácil voltar para cá e reviver meu passado horrível. Dê-me uma chance, por favor.
Fiquei consternada com as palavras dele.
- Posso lhe pagar um café?
- Não... Obrigada. Mas eu já bebi. Estou bem.
- Quer conhecer seus irmãos? – ele perguntou sorrindo animado.
- Sim... – me ouvi falando.
Ele abriu a carteira e retirou a foto dos dois meninos, morenos com olhos claros como os dele. Eram fofos. Um tinha cabelos encaracolados, parecendo um anjinho e o outro lisos e cortados curtos.
- Um deles tem quatro anos e o outro dois.
- Eu soube das crianças. – falei.
- Como?
- Alguns conhecidos em comum que você e minha mãe tinham contaram. Assim como disseram que você morava em Paraíso.
- Estes conhecidos em comum que me fizeram chegar até você. – ele alisou minha mão novamente.
- Como é morar lá? Por que lá?
- Eu não tenho a mínima ideia de como fui parar lá... Mas sei que me encontrei, depois de tantos anos. Alicia é uma mulher perfeita. Não estou insinuando que sua mãe não foi. Mas ela se tornou essencial na minha vida. Ela sempre morou em Paraíso. É um lugar turístico, como você bem sabe. Temos uma pequena pousada. Quando eu digo pequena, me refiro a alguns poucos quartos que alugamos por temporada. Tiramos dinheiro dali para sobreviver. Paraíso um local com pouca oportunidade de emprego. Ou você trabalha nos hotéis e resortes luxuosos ou planta e pesca para sobreviver. Encontramos uma opção diferente dos demais.
- Interessante...
- Quando você conhecer Paraíso, saberá exatamente do que estou falando. É um lugar perfeito, esculpido cuidadosamente pelo criador.
- Fico feliz que esteja bem.
- Fale-me sobre você, minha filha. Eu gostaria de saber... Por favor.
- Eu tenho uma vida normal. Moro com minha mãe e meu padrasto.
- Sim, eu soube que sua mãe tem um marido. Como ele trata vocês?
- Bem... Muito bem.
- Gostaria que soubesse que eu não quero de forma alguma ocupar o lugar dele na sua vida. Mas nunca me compare a ele. Eu sou o seu pai verdadeiro. Nunca alguém amará você mais do que eu, acredite. E não importa que eu não a veja por vinte anos. Ainda assim eu a amarei mais... Sempre. Porque você é parte de mim, sangue do meu sangue. Eu daria a minha vida por você... Ele não.
Fiquei olhando para ele, tentando absorver as palavras que ele me dizia sem sentir o turbilhão que acontecia dentro de mim.
- Você tem namorado? Estuda?
- Sim, tenho um namorado... Nicolas. Estou fazendo faculdade. Otto acabou me inscrevendo e passei entre os primeiros colocados. – pela primeira vez me senti orgulhosa por meu feito. Queria que ele visse que eu era inteligente. – Minha vida é normal... E eu gosto dela.
- Pensa em conhecer Paraíso? Pode levar seu namorado. Eu gostaria muito de conhecê-lo.
- Talvez... – falei sem ter certeza.
Eu gostaria de conhecer meu pai, só isso. Pouco me importava o lugar onde ele morava. Mas talvez se ele nunca tivesse me procurado, eu teria sim ido atrás dele em Paraíso.
- E sua vida? – perguntei.
- Boa... Temos alguns problemas, como todo mundo. Mas dentro do possível, vivemos bem. E você... O que pretende fazer no futuro?
- Eu ainda não sei... E tenho tempo para pensar. – me limitei a falar.
- Sim... Tem tempo. E que bom que tem tempo, querida. Não são todas as pessoas que conseguem isso: vida.
- Não... Entendi...
- Espero que conheça seu irmão mais novo antes de ele não estar mais entre nós.
- Como assim?
- Ele está com uma doença grave.
- Isso... É triste. – falei sentindo meu coração apertado.
Vi os olhos dele lacrimejarem e senti pena. Por mais que tentasse me manter longe dele, era meu pai verdadeiro. E o menino, meu irmão.
- Damon tem uma doença rara. Precisa de uma cirurgia.
- E fará?
Ele riu amargamente, deixando uma lágrima descer pelo seu rosto:
- Não. Infelizmente não temos dinheiro para isso.
- Mas... E o sistema único de saúde?
- Não é possível... Demoraria muito tempo. Damon não tem tempo.
- E ainda assim você veio para cá... O deixando?
- Ele está com a mãe, querida. E está bem por enquanto.
- Mesmo com tudo isso, você decidiu vir me ver?
- Pensei que poderia ser você no lugar dele... E se acontecesse algo e eu não a visse? A doença de Damon me fez refletir muito.
- Não tentaram um empréstimo ou algo do tipo?
- Tentamos, mas foi negado. Somos pobres, meu bem. Ganhamos para comer.
Olhei para a roupa dele e em nada me parecia que ele era pobre. Eu sabia de marcas e embora a camisa dele não fosse cara, de barata não tinha nada.
- E sua família? – questionei.
- Minha família é Alicia, meus filhos e você.
- Eu... Sinto muito.
- Não sinta... Só gostaria que você o conhecesse. Só isso...
Senti-me tão mal. O encontrava depois de tantos anos. Eu tinha uma família longe dali. E meu irmão já estava preste a morrer.
- Querida, me envergonho de perguntar, mas preciso... Você não conhece alguém que poderia me emprestar uma alta quantia, que pudesse me ajudar na cirurgia de Damon? Eu faria qualquer coisa pela vida dele... Entenda.
- Eu... Posso ver.
- Eu juro que pago cada centavo.
Olhei no relógio e já estava tarde. Eu queria muito ficar ali e conversar com ele, mas eu não tinha tempo. Minha mãe ficaria preocupada e se soubesse que eu havia encontrado ele ficaria furiosa.
- Onde você está hospedado?
- No Suarez.
- Por que no Suarez?
- Ganhei um bônus, de um hotel que trabalhei em Paraíso. Tipo uma troca.
- Entendi... Eu... Acho que posso tentar ajudar de alguma forma.
- Gostaria que você ficasse mais. – ele falou quando me viu levantando.
Peguei a comanda dele e disse:
- Deixe que eu pago.
- Não mesmo. Encontro minha filha depois de 20 anos e ela paga meu café? Nem pensar. – ele pegou a comanda da minha mão. – Eu pago. Eu disse que não tenho dinheiro para bancar uma cirurgia caríssima, não que estou morrendo de fome.
- Eu... Posso tentar ajudar de alguma forma. – falei. – Só não sei como.
- Agradeço a sua preocupação. Mas eu só quero uma coisa sua, Juliet.
- O quê? – perguntei sentindo meu coração aquecer com a presença dele perto de mim.
- Um beijo... E que você possa me chamar de pai.
Eu o abracei e dei-lhe um beijo:
- Nos encontraremos novamente, pai...
Senti os braços dele me envolverem com força e me senti tão segura e amada que todo rancor que pensei ter um dia se dissolveram naquele momento.
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