Capítulo 39
2301palavras
2022-06-30 01:55
Mas o restante da semana passou e o sábado chegou e eu não liguei para ele. Nem eu sei o motivo. Eu sempre fui a garota que correu atrás, que marcava em cima, que não aceitava não como resposta. Mas com Nicolas era diferente. Eu não queria fazer como sempre fiz. O que eu sentia por ele era intenso, mas não louco, como o que eu sentia pelos outros garotos que julgava ter gostado. Eu tinha desejo por ele, eu queria ficar para sempre nos seus lábios, eu queria ele dormindo no chão do meu quarto sempre que possível e me dando banho quando eu precisasse. Ele era doce, gentil e nunca seria capaz de me rejeitar ou me fazer sofrer. No entanto naquele momento eu estava deitada na minha cama e sofrendo por ele. Sabia que ele tinha que estar naquele bar que estava inaugurando porque era sua festa de despedida antes da formatura. Contudo Val estaria lá. E eu sentia ciúme. E medo... Muito medo do que poderia acontecer longe dos meus olhos, sem a minha intervenção. Eu precisava contar para ela o mais rápido possível... Ou tudo poderia ir por água abaixo. E eu não queria perder Nicolas.
Eu quase não dormi naquela noite. Mal cochilei e me revirava o tempo todo na cama. Acordei mais cedo que o normal. Minha mãe e Otto ainda estavam dormindo. Esquentei o leite e enchi com uma gota de café e três colheres de açúcar e sentei próximo da janela, olhando o sol que começava a aparecer.
Como teria sido o sábado de inauguração do novo bar? Como foi a noite de Nicolas? A minha tinha sido péssima. Nem Cadu havia me feito passar uma noite sem dormir. Aliás, não lembro de ter passado a noite sem dormir por ninguém até aquele momento.
Otto apareceu e pegou um copo de água. Olhou-me e disse:
- Você me assustou... Não vi você ai. O que aconteceu? Está doente? Não se sente bem?
Eu ri. Sim, eu estava sentada virada para a janela, de roupão, com os cabelos desgrenhados e não havia sequer escovado os dentes antes do café.
- Está tudo bem, Otto.
- Acordei cedo para surpreendê-la com um bolo. No entanto você acordou antes de mim.
- E não o surpreendi com um bolo. – brinquei. – Desculpe, mas sou péssima na cozinha. Nem meus bolos dão mais certo.
Ele serviu-se de café puro da cafeteira e puxou uma cadeira, sentando ao meu lado, olhando para o gramado que tínhamos no quintal dos fundos.
- Está assim por causa de Nicolas? – ele perguntou.
Suspirei e disse:
- Acho que sim.
- Ele fez algo?
- Não... Na verdade não. Ainda assim fico inquieta e segura.
- O que você sente por ele?
- Eu... Não sei. Mas seja lá o que for... Eu tenho medo de sentir, entende?
- Não tenha medo, Juliet. – ele pegou minha mão e olhou nos meus olhos: - Deixe este sentimento sair daí de dentro. E se for amor, viva.
Senti as lágrimas escorrerem e uma dor forte no meu peito:
- Eu tenho medo, Otto.
- Eu não entendo qual seu medo, Juliet. Por que você os afasta quando eles se apaixonam? Você não pode fazer isso com Nicolas... Porque você gosta dele. E sabe disto.
- E se ele me abandonar e eu sofrer para sempre?
- Olhe para mim... – ele levantou meu queixo, fazendo encará-lo. – Ele não fará isso. Nenhum de nós fará isso com você. Porque nós a amamos.
Eu o abracei e deixei as lágrimas escorrerem quentes e grossas. Por que ele não era o meu pai? Por que ele ainda gostava de mim depois de tudo que eu fiz para ele? Era para ele me odiar. No entanto estava ali, me abraçando e me consolando. Se meu próprio pai me abandonou e nunca se importou comigo, por que ele não me deixaria? Claro que um dia ele também iria embora. E me deixar... Porque todos faziam isso comigo. Porque eu era uma pessoa horrível.
O afastei e limpei as lágrimas, sorrindo:
- Desculpe, Otto. Está tudo bem.
- Não está. Eu gostaria que você buscasse ajuda. Precisa superar isso.
- Otto, você poderia não falar com minha mãe sobre esta conversa? Eu não a quero preocupada.
- Não se preocupe. Eu não falarei para ela. Ainda assim, se mudar de ideia, e sempre que precisar de alguém para conversar, eu estou aqui.
- Obrigada.
- Agora vá viver este amor... Sem se preocupar com o amanhã. Porque ele pode nem chegar, menina.
Depois do meio dia, Lorraine me ligou. Eu ainda estava deitada na cama, de pijama, esperando a ligação de Nicolas, que não aconteceu.
- Oi, Lorraine.
- Que tal irmos sair hoje à tarde? Você foi na inauguração do bar novo ontem?
- Não.
- Então não está de ressaca. Vá se arrumar que passo aí daqui a pouco.
- Mas é cedo, Lorraine. Não dá para irmos mais tarde?
- Não mesmo. Vou aí buscar você.
Eu estava tão sem vontade de sair. E desestimulada a escolher uma roupa. Nem parecia eu. Coloquei o primeiro vestido que encontrei na minha frente: rodado, simples, floreado. E não estava com vontade de maquiar. Mas claro que quando minha prima chegou não deixou eu sair sem nada no rosto. Então ela fez uma maquiagem tão perfeita que nem parecia que eu passei a noite sem dormir.
Ela me olhou e me deu um beijo:
- Perfeita, prima. Ainda bem que meu sexto sentido pressentiu que você precisava de mim.
- Como assim? Está tudo bem comigo.
- Sei... – ela franziu o rosto. - Vamos então.
Passamos a tarde andando pelas ruas, depois fomos para o Shopping. Quando vi Pedro na praça de alimentação, fiquei receosa.
- Aquele não é o amigo de Nicolas? – perguntou Lorraine.
- Sim.
- Vamos lá então.
- Não...
Mas já era tarde. Ela já havia me pegado pelo braço e me dirigiu para lá.
- Ei, onde está Nicolas? – ela já foi perguntando.
- Oi para você também, prima de Juliet. – ele ironizou.
Ela pegou o copo de chope dele e bebeu alguns goles:
- Como você consegue tomar isso sem estar gelado?
- Posso pedir um mais gelado, se você me acompanhar.
Ah, não... Lorraine e Pedro não! Antes que eu pudesse sequer pensar ela já estava sentada ao lado dele, acendendo um cigarro.
Logo chegaram outros dois chopes. Eu recusei. Não gostava.
- Vou ter que tomar os dois. – disse Lorraine. – Juliet só bebe drinques.
- Nicolas já tinha me dito. A garota que não bebe cerveja.
- Como estava a festa de vocês ontem, Pedro?
- Estava legal. Mas não sei se o lugar vai adiante. É uma proposta bem diferente do Manhattan.
- Não acredito que você é dos fãs do Manhattan. – disse Lorraine. – Existem lugares bons e melhores. Vocês que ainda não encontraram.
- Por que você não foi? – perguntou Pedro. – Nicolas ficou o tempo todo falando em você.
- Jura? – senti um sorriso surgir nos meus lábios.
Ele conseguiu pensar em mim num bar cheio de garotas?
- Por que a surpresa? Como se ele não fizesse isso o tempo todo em todos os lugares. – ele disse entediado.
- Pois bem, os pombinhos são perfeitos juntos... E separados. – disse Lorraine. – Mas me conte sobre você, Pedro... Onde você costuma ir além do Manhattan?
Eu não ouvi mais nada do que eles diziam. Meu coração parece que voltou a bater novamente. Nicolas pensava em mim... Falava em mim.
Por que ela não me liga? Por que eu fico esperando o tempo todo pelo toque no meu celular? Já era domingo e nada de ela querer saber como tinha sido a minha noite. Nem ciúme de mim ela era capaz de sentir? Por que Juliet me deixava tão perturbado e inseguro? Eu sabia que seria assim... E ainda quis me jogar de cabeça naquilo.
O fato de ela não ligar me deixou em dúvida da conversa que tive com a mãe dela há algum tempo atrás. Dona Olga foi enfática:
- Você não deve demonstrar que está apaixonado por ela... A menos que tenha certeza dos sentimentos dela.
- Por quê? – perguntei confuso.
- Juliet é diferente das outras garotas que você já conheceu. Ela não gosta de nada que as garotas comuns gostam. Ela quer se sentir sempre por cima, ela não gosta de flores, detesta bichinhos de pelúcia. Ela não suporta que tirem sua privacidade, a deixando sem tempo para ela mesma. Foi assim com todos. Ela é intensa e impulsiva. Não pensa no que faz, é rude algumas vezes... E pode magoar. Mas se eu disser que ela tem o coração mais puro do mundo, você acreditaria?
Olhei para ela amedrontado. Era só faltava me dizer: “foge da minha filha. Você terá uma vida horrível ao lado dela.”. No entanto eu disse, cheio de dúvidas:
- Acredito.
Eu gostava do jeito de Juliet. Apesar de sermos completamente diferentes, ela me completava de alguma forma. Ela era como uma tempestade num dia de sol. Como se quando ela chegasse tudo escurecesse e se fechasse e logo raios e trovões trouxessem uma chuva torrencial. E era tão de repente que você nem se dava conta de como chegou, muito menos de quando se foi. Eu só era o cara que queria se jogar na chuva, independente do tempo que ela durasse.
- Juliet não conhece o pai.
- Nunca conversamos muito a respeito. – confessei.
- Ele nos abandonou quando ela ainda era bebê. E nunca mais a procurou. Eu soube que ele estava em Paraíso há um tempo atrás, por acaso, enquanto conversava com uns amigos do passado que tínhamos em comum. Embora ela não revele, sei que ela não consegue aceitar isso.
- Ela disse sobre ele ser ex-usuário de drogas.
- Sim... Não sei se ele realmente conseguiu largar o vício depois de todo este tempo... Ou não. Mas passei momentos horríveis ao lado dele. Ainda assim não me arrependo porque ele me deu o que eu tenho de mais precioso: ela. E sim, eu sei que ela é preciosa.
- Eu também sei. – falei sem pensar duas vezes. Apesar de tudo, ela me fazia bem.
- Ela tem medo de sofrer. Por isso ela não se entrega a uma relação por muito tempo. Ela escolhe exatamente as pessoas que ela julga impossíveis. Que nunca se apaixonarão por ela. E se isso acontece, ela os afasta.
- Mas... Ela nunca será feliz deste jeito.
- Acho que ela tem na cabeça que não tem este direito. E já imaginei que ela possa ter medo de ser abandonada, como o pai fez com ela. Eu e Otto já falamos sobre isso muitas vezes.
- Por que ela não gosta de Otto?
- Rebeldia que iniciou com a adolescência e está difícil de passar. Mas tem estado um pouco melhor a relação dela com ele nos últimos tempos. Parece que tudo se acalmou um pouco depois que você se aproximou dela.
Será que eu conseguia fazer bem a ela tanto quanto ela fazia a mim?
- Para isso dar certo, você precisa controlar seus sentimentos, Nicolas.
- Vou tentar, dona Olga.
- Eu sinto que ela está gostando de você... De verdade.
- E eu dela. – confessei.
Jamais pensei ter aquela conversa com a mãe dela, me entregando o ouro. Parecia que dona Olga queria mesmo que desse tudo certo entre mim e Juliet. Mas que aquela família era toda bem diferente do que eu estava acostumado, era sim. E eu até conseguia entender um pouco as loucuras de Juliet depois que conheci a mãe dela. Acho que todas as mulheres daquela família eram intensas.
No domingo de noite eu não aguentei e liguei para ela. Não queria mais me fazer de difícil. Mas chamou até cair e ela não atendeu. Tentei novamente e não obtivesse sucesso. Eu tinha certeza que ela não ficaria de boa depois de eu ter saído no sábado à noite. Fazê-la me ouvir e lidar com a raiva dela era um problema que eu teria que enfrentar.
Já era tarde e Lorraine ainda não havia desgrudado de Pedro. Eu até comprei um livro e sentei num banco para ler. Queria ir embora, mas a história estava me prendendo um pouco.
- Juliet?
Olhei Alissa e Valquíria andando. Estavam arrumadas. Será que iriam sair?
- Meninas! Que surpresa.
- O que você faz aqui sozinha?
- Bem, saí com minha prima. E ela acabou ficando com Pedro, aquele amigo de Nicolas. Então eu comprei um livro para passar o tempo. O problema é que ela não vem embora nunca. – eu reclamei.
- Lorraine com Pedro? Eles não tem nada a ver. – disse Alissa.
- Não precisa, não é mesmo? – falei um pouco irritada. E quem disse que tinha que ter a ver? – Como estava a inauguração? – perguntei curiosa.
- Estava bom... Muito bom. Mas em nada aquele lugar se compara ao Manhattan. Certo que não vamos trocar um pelo outro. Ainda acho que você deveria ter ido. – disse Alissa.
- E Adriano foi? – eu disse tentando chegar em Nicolas sem dizer especificamente.
- Não... Mas nós o encontramos agora há pouco. E ele só faltou comer Val com os olhos. – falou Alissa feliz.
- E... Nicolas? – perguntei com medo que elas não dissessem.
- Nicolas foi. E acredita que tentou fazer ciúmes para mim? – Val falou.
- Como assim?
- Ficou com outra garota, só para ver minha reação.
Ainda bem que eu estava sentada, pois se não estivesse teria caído ali mesmo.