Capítulo 17
1992palavras
2022-04-08 01:26
Naquela noite mal dormi de tanta ansiedade. Sabia que em breve Cadu receberia a carta. E havia tantos riscos: de ele mostrar para todos os amigos, de não mostrar para ninguém, de sequer abrir, de ler e não dar importância... Enquanto eu não falasse com Nicolas eu ficaria nervosa.
Naquela noite comecei a insistir com minha mãe para ela me dar um celular. Era caro, mas eu queria muito. Dentre nós só Alissa tinha. Mas ficava geralmente na casa dela, pois a mãe dela tinha medo que roubassem. Mas eu acreditava num dia onde todos poderiam ter um celular... E mandar mensagens de texto a qualquer hora, por um preço justo.
Dona Olga disse que havia possibilidade de eu ter meu próprio telefone sim... Desde que eu pegasse mais leve com Otto. Dei de ombros: por que eu queria mesmo um celular?
No dia seguinte, contei à Alissa e Val sobre a carta. Elas? Chamaram-me de louca, burra e tantas outras coisas que nem lembro. Mas não me chamaram de “dissimulada e hipócrita”. Se eu fiquei chateada ou me importei? Não... Era raro eu ficar ofendida com o que elas diziam. Sabia que elas queriam o meu bem... Mas ninguém sabia o que era melhor para mim do que eu mesma. Só eu tinha era capaz de entender o que eu sentia. Ninguém mais. Nicolas esqueceu de outra “qualidade” minha: egoísta.
Quando acabou a aula encontramos Nicolas escorado no outro lado da calçada, como sempre fazia quando esperava Valquíria.
- Eu não acredito que ele está aqui! – ela disse indignada quando o viu.
Eu estava curiosa quanto à carta, mas não queria pressionar ele. Afinal, Nicolas estava ali por Val. Então eu não atrapalharia o momento deles. Embora ela não quisesse a presença dele, quem devia entender isso era ele mesmo.
Fui saindo devagar, sem atravessar a rua. Val ficou parada, sem saber ao certo se ficava ali ou atravessava a rua. Quando vi, Nicolas correu e veio até mim:
- Aonde você vai?
- Embora? – perguntei parando confusa, mas ao mesmo tempo curiosa com as notícias que ele podia trazer.
- Achei que queria saber sobre a carta...
- Sim. Mas também não queria atrapalhar você e Val, entende?
Procurei Val e a vi parada um pouco adiante, nos olhando confusa.
- Acho que eu e Val é um caso sem solução. – ele disse tranquilamente.
- Hum... E você vem aqui conversar comigo e faz ciúme para ela? – perguntei. – Seria uma boa tática... Mas não comigo. Val não sentiria ciúme de mim, entende?
- Por que você acha que não?
- Porque ela sabe que eu não ficaria nunca com você... Pelo menos não nesta vida.
- Definitivamente vocês decidiram me tirar do jogo?
Eu ri:
- Ou ela ou ninguém mais. Pelo menos não as amigas dela.
- Acho justo. – ele disse. – Mas vamos ao que importa: a carta. Entreguei.
- E? – perguntei ansiosa.
- Fiz minha parte, Juliet. Agora acho que você deve esperar, entende? Não force mais... Não corra atrás. Dê um tempo para ele responder.
- Tudo bem. Vou tentar... E não tenho muita opção mesmo. Vê-lo é quase um milagre.
Ele riu:
- Então, tarefa feita.
- Obrigada, Nick... De coração. O que ele disse quando você entregou?
- Nada... Só pegou e guardou no bolso.
- Obrigada de novo.
- E não vai pagar o jantar? Ou poderia ser almoço, o que acha?
- Não acredito que vai mesmo me cobrar.
- Claro que sim... Podemos conversar melhor... Sobre Val.
Eu ri:
- Ok, entendi. Posso tentar arrancar mais alguma coisa dela hoje. Mas agora preciso ir. Se chegar tarde de novo da escola minha mãe me mata.
- Parece que sua mãe é bem rigorosa.
- Completamente.
Ele riu:
- E deve ser difícil ter uma filha como você.
O olhei confusa:
- Nick, o que você pensa sobre mim?
- Além de ser a Rainha do Drama?
- Hipócrita, dissimulada, convencida. – completei.
- Anotou isso em algum lugar? Porque eu não lembro de ter falado isso.
- Anotei na minha mente... Lá no fundo. Para nunca mais esquecer.
- Devo anexar na minha lista “vingativa”?
- Pode deixar isto em primeiro na lista, Nick.
- Devo ter medo?
- Se não fizer nada errado, claro que não. Quando não sou vingativa, hipócrita, convencida ou dissimulada eu posso ser um amor de pessoa.
- Para quando fica o pagamento pelo meu serviço?
- Almoço na sexta-feira... Pode ser? Final de tarde ou noite fica quase inviável para mim esta semana. Tenho várias tarefas da escola para fazer e não quero atrasar tudo. Formo-me este ano e não quero pendência em nenhuma matéria.
- Ok, sexta. – ele me deu um beijo no rosto. – Até lá. – saiu sem olhar para trás.
Val veio até mim perplexa:
- O que foi isso?
- Hum, está com ciúme, Val?
- Eu? Claro que não? Só estou tentando entender a relação de vocês.
- Pedi para ele entregar a carta a Cadu. E no fim, acho que estamos ficando um pouco amigos.
- Um pouco amigos? O que exatamente é isso?
- Eu não sei... Ele me ajuda bastante com Cadu. Ele é legal.
- No sábado você disse que ele era horrível e mentiroso. Quase brigaram dentro do Manhattan. E agora trocam beijos na calçada como se nada tivesse acontecido?
- Val, calma. Eu não tenho nada com ele.
- Sinceramente eu não me importo se vocês tem ou não algo, Juliet. Nicolas não significa nada para mim. Só acho completamente desnecessário toda uma briga como a que tiveram no sábado para depois estarem como se nada tivesse acontecido.
- E você queria o que? Eu tenho outra opção para entregar a carta a Cadu a não ser ele?
- Para começo de história, esta carta nem deveria ter sido escrita.
- Ah, Val, não comece. Dá um tempo. Nicolas já deu todo o sermão antes de entregar a carta. Agora poupe-me de outro discurso.
- Pelo menos ele é inteligente. Qualquer um sabe que esta carta foi um erro.
- Estávamos falando de Nicolas e não da carta.
- Nicolas e a carta é a mesma coisa agora.
- Por que você não dá uma chance a ele, Val?
- Por que mesmo? Porque você quer ficar informada sobre Cadu? – ela perguntou ironicamente.
- Sinceramente, já foi por este motivo. Mas agora que o conheço um pouco melhor... Ele é um cara gente boa pra caralho.
Ele me encarou:
- Eu gosto de Adriano. Você gosta de Cadu. Dá para entender sobre o que é gostar de alguém? Quem sabe você fica com Giovane porque eu acho que você deveria?
- Val... Jamais vou falar sobre você ficar com Nicolas novamente. Eu juro. Entendi você como água cristalina.
- Até que enfim...
Realmente Valquíria tinha toda a razão. Era hora de eu me colocar no lugar dela, por mais difícil que fosse para mim colocar-me no lugar dos outros. Acho que era um exercício que eu precisava fazer ao longo da minha vida: tentar deixar de ser egoísta e praticar a empatia. Empatia? Vou ver no dicionário o que quer dizer isso...
A semana transcorreu normal e não vi Cadu. Esperava o que? Que com a carta ele fosse me procurar no Instituto, pois sabia onde eu estudava? Sim, no fundo tive esperanças de que isso acontecesse. Mas claro que não foi assim. Nadiny não comentou absolutamente nada sobre ele naquela semana também. Então me restava esperar até sexta e ver se Nicolas tinha alguma novidade.
Avisei minha mãe que iria almoçar com um amigo na sexta. Ela me disse:
- Amigo? Homem?
- Sim... Estuda na Escola Técnica. Conheci-o no Manhattan.
- E o considera amigo? – ela riu. – Amizade entre homem e mulher não existe. Ao menos não quando você é solteira e tem 18 anos.
A olhei curiosa:
- Posso saber o motivo de estar me dizendo isso? Por acaso já “pegou” um amigo seu, mãe?
- Eu? Claro que não. Mas também nunca vi casos de amigos que não se “pegaram”.
- Eu vou provar que isso existe, mãe. Nicolas é legal... Eu gosto dele. Mas acho que jamais teria interesse além de amizade.
- Ele é feio?
- Não... Na verdade ele é... Lindo. – me ouvi falando sem querer.
Ela riu:
- Eu não disse?
- Mãe, achar ele bonito não quer dizer que tenho interesse nele!
- Ok...
- Além do mais, ele gosta de Val.
- De Val? – ela ficou impressionada. – Como assim? Coitado, gostar de Val deve ser difícil.
Eu ri:
- Sim... Por isso mesmo nos tornamos amigos. Estou ajudando ele um pouco.
- Boa sorte. Val é bem difícil.
- E eu não sei?
- E o garoto que a trouxe em casa naquela noite? – ela perguntou.
- Bem... A gente não tem se visto muito. – confessei.
Na verdade, mãe, eu corro atrás de um garoto que não quer nada comigo. E eu fico com o homem que me trouxe em casa só quando nos vemos. Tipo: não temos nenhum compromisso, mas nos “pegamos” de vez em quando. E se nenhum dos dois aparece no Manhattan eu ainda fico com desconhecidos aleatórios que nunca mais encontrarei, entende?
No entanto o que eu disse foi:
- Eu tenho focado nos estudos... Não quero compromisso agora.
Dissimulada e hipócrita que Nicolas disse? Acho que ele poderia ter um pouquinho de razão... Só um pouquinho.
- Faz bem, minha filha. Terá tempo para homens, acredite. Sua vida afetiva está apenas começando.
Eu sorri e fui me arrumar. Eu não gostava de ir de vestido para a escola, mas almoçaria com Nicolas antes da aula. Ei, por que mesmo eu queria colocar um vestido? Era só um almoço com Nicolas. Peguei uma calça jeans, uma blusa mais arrumadinha e colorida e uma bota cano curto. Não era o que eu costumava usar para a escola. E também não era um vestido, que eu estava habituada a usar mais à noite. Então eu estava no meio termo. Era estranho. Eu nunca havia marcado de almoçar com alguém... Ao menos não um homem. Mas eu e Nicolas já tínhamos jantado juntos uma vez. Então acho que seria tranquilo. Até porque ele era agradável e uma boa companhia.
Assim que cheguei no shopping vi ele sentado me esperando. Eu ri. Ele também não estava com suas roupas habituais de final de tarde. Usava um jeans escuro e uma camisa e sapatênis. Eu já disse que eu sou muito exigente com a vestimenta dos homens? Sim, eu sou. E Nicolas passou nos meus padrões de qualidade. Assim que me aproximei o observei melhor e vi que a barba dele estava começando a crescer.
Sentei e disse:
- Você está bonito, Nick.
Ele ficou um pouco tímido e demorou a responder:
- Obrigado... Você também.
- E esta barba? Não deu tempo de fazer?
- Achou que ficou ruim?
- Não... Eu gostei. – confessei. – Lhe dá um ar mais sério.
- Hum... Então antes eu não passava seriedade?
- Claro que sim... Mas agora passa mais.
- Devo fazer tatuagens nos braços também?
Eu ri:
- Ele não tem só tatuagem nos braços.
- E você não tem nem vergonha de falar isso?
- Claro que não.
- E Cadu, tem tatuagens?
Eu ri:
- Creio que não... Só se forem bem escondidas.
- Então dele você não viu muito.
- Não... Infelizmente. O que vamos pedir? – perguntei pegando o cardápio. – E eu pago.
Ele retirou o cardápio da minha mão e disse, olhando nos meus olhos:
- Acho que você não vai querer pagar para mim, Juliet.
- Por quê? – perguntei confusa, com o sorriso se desfazendo nos meus lábios. Ele estava bem sério. – Ele não gostou da carta? Odiou?