Capítulo 37
2819palavras
2023-05-05 00:02
"Bom dia a todos... Chegou a hora de passarmos pelo rito final do despertar, o qual o tribunal dos reinos e além conduzirá agora. A audiência de hoje julgará o destino um casal que já foi acasalado, uma família e uma traição. Eu rogo a vocês que, até que sejam chamados, não falem, não façam nenhum comentário desdenhoso ou gritem. Aqueles que interferirem serão severamente punidos. O tribunal dos reinos e além não aceitará ser motivo de piada, portanto, deixem a audiência seguir o seu curso e que a sorte esteja com vocês. E que a justiça seja feita..."
"Para começar, Tricia Bennet, por favor, dê um passo à frente", outro promotor leu um papel em voz alta.
Todos assistimos quando Tricia abriu caminho pela multidão e caminhou corajosamente ao local indicado. No entanto, podíamos sentir o cheiro do seu medo de longe. Eu não a culpava. Meu pai e seus irmãos eram mesmo uma visão intimidadora. Cada um deles formava um par de gêmeos e eram muito parecidos entre si.
Era necessário conhecê-los de perto para ser capaz de diferenciá-los. Mesmo assim, do jeito que estavam sentados um do lado do outro agora, era como olhar para uma fila de homens idênticos.
"Tricia Bennett, antes de prosseguirmos, gostaria de avisá-la que você está sendo convocada diante dos deuses, reis e senhores, portanto, qualquer mentira que diga será vista como um insulto. Garanto que será melhor para você se disser apenas verdade, pois as coisas podem ir de mal a pior muito rápido aqui. Lembre-se de que não adiantará mentir sobre algo que já sabemos. Então, por favor, conte-nos o tipo de relacionamento que você tem com Alfa River."
"N-nós... tínhamos um romance", ela gaguejou.
"Sim, continue", ele a encorajou.
"Nós estávamos realmente apaixonados antes da chegada de sua companheira, mas, mesmo depois, não paramos de nos encontrar. Ele prometeu continuar me amando, apesar da existência dela, e me fazer luna desta alcateia", respondeu ela com um olhar de amor doentio no rosto.
Não pude deixar de me virar para River, que estava com a cabeça baixa de vergonha. Ao que parecia, a verdade havia vindo à tona, porém, isso não me fez me sentir nem um pouco melhor.
"Então, você pensou que isso era motivo o suficiente para que a herdeira do nosso trono fosse brutalmente assassinada."
"O quê? Não... Não, isso não é verdade!" Ela negou veementemente.
Assim que terminou de dizer essas palavras, um raio atingiu o chão a um centímetro de onde ela estava, fazendo-a pular para trás de susto.
"Preciso lembrá-la, Srta. Bennett, as consequências por mentir nesta audiência? Não foi sorte aquele raio não ter te acertado. Foi proposital e posso garantir que da próxima vez, não vamos errar. Entendido?"
"S-Sim..."
"Agora responda a pergunta que lhe fiz, você pensou que isso era motivo o suficiente para que a herdeira do nosso trono fosse assassinada?"
"Eu... bom... sim..."
"Não consigo te ouvir, Srta. Bennett."
"SIM!" Ela gritou com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Os suspiros e respirações bruscas que ressoaram pelo quintal não puderam ser contidos. Era quase cômico ver conforme eles se lembravam do aviso que receberam antes.
Muitos deles pareciam querer fazer mais do que simplesmente suspirar, mas se contiveram. Para o bem deles, era melhor assim. No entanto, o rugido que saiu da garganta de River foi a verdadeira cereja do bolo. Foi necessário algumas pessoas segurá-lo quando ele se levantou para avançar em uma Tricia agora trêmula.
"É mesmo? Uma mera lobisomem como você, sem nenhuma posição hierárquica, pensou que era certo tirar a vida de outra lobisomem por despeito. Você quis matá-la por causa de um companheiro que era dela por direito. Aposto que você não faz ideia do tamanho da besteira que cometeu, mas prometo que até o final da audiência, você entenderá tudo."
"M-mas... Nós estávamos apaixonados! E ela me... me amaldiçoou primeiro! Eu era namorada de River antes de ela chegar", ela gritou.
Ignorando seus protestos, o promotor continuou seu interrogatório.
"Quantas pessoas inocentes você teve que sacrificar para alcançar esse amor doentio? Por que seus pais adotivos não voltaram da misteriosa viagem que foram fazer de repente?"
Ela ficou em silêncio.
"Foi o que pensei. Com isso, faço uma pausa neste interrogatório para chamar Alfa River aqui na frente."
Dava para ouvir os batimentos cardíacos acelerados do meu companheiro por todo o quintal. Era óbvio que ele não esperava ter sua roupa suja lavada em público desse jeito.
Depois que ele se posicionou, o promotor deu início às suas perguntas.
"Corrija-me se eu estiver errado Alfa River, mas você já estava em um relacionamento com a Srta. Bennett quando conheceu sua companheira na alcateia de sua mãe. Certo ou errado?"
Engolindo em seco, River respondeu: "Certo."
"E por acaso ela o forçou a tomá-la como sua companheira ou trazê-la para a sua alcateia?"
"Não."
"Então, diga-me, por que você trouxe a filha de outra pessoa para a sua alcateia, sabendo que já estava em um relacionamento com outra pessoa?"
"Eu... eu... eu..."
"Ah, parece que o gato comeu a sua língua! Não se preocupe, querido alfa, apenas responda com sim ou não as minhas seguintes perguntas... Você terminou seu relacionamento com a Srta. Bennet quando trouxe sua companheira para casa com você e a apresentou à sua alcateia?"
"N-não..."
"Hum... Eu me pergunto o porquê. Vocês ainda estão juntos?"
"Nosso relacionamento só durou até minha companheira descobri-lo. As coisas ficaram tensas entre nós e eu finalmente terminei tudo quando ela foi... assassinada."
"Interessante. Agora, gostaria que você se virasse e olhasse para Chaos enquanto me responde as minhas últimas perguntas: você acha que a Deusa da lua cometeu um erro ao juntar vocês dois? O vínculo de companheiro não significava nada para você? Ela realmente mereceu o que aconteceu com ela? Você sabe que se ela fosse uma lobisomem normal, ela teria morrido junto do seu filho que ela ainda carregava no ventre, certo?"
Nenhuma resposta veio.
"Me responda!" O promotor exigiu, furioso.
"N-não, a Deusa não cometeu nenhum erro e o vínculo significa tudo para mim agora. Chaos também não merecia nada do que lhe aconteceu e eu sei dos riscos em relação à sua morte", ele sussurrou com lágrimas escorrendo pelo rosto.
"Mmm... É tarde demais para chorar, não acha? E você disse que valoriza o vínculo agora... Como você é engraçado! Mas me deixe corrigi-lo a respeito de uma coisa, você não sabe dos riscos que envolveram a morte dela. Você não faz a menor ideia. Com isso, encerro meu caso por ora."
Os ombros de River tremiam conforme ele se afastava de seu lugar. Matthews o encontrou no meio do caminho quando ele quase tropeçou em suas próprias pernas, provavelmente incapaz de enxergar através de tantas lágrimas. Se ele pensava que isso já era o suficiente para fazê-lo desabar desse jeito, então, temia pelo que ele faria ao descobrir a dura verdade que estava prestes a ser revelada.
"Isso foi cansativo, mas vai piorar. Gostaria de chamar Felecia River aqui na frente", o promotor gritou com um misto de raiva e desgosto em seu rosto.
Felecia, então, caminhou a passos vacilantes até a posição indicada enquanto olhava de um rosto para o outro como se isso pudesse lhe dar alguma pista do que se tratava sua convocação.
"Eu iria gostar muito se você nos dissesse seu nome de batismo antes de se acasalar com George Gregory River."
"Meu... nome... é... Felecia Keningston", ela sussurrou.
"Quer dizer que é apenas uma mera coincidência que os registros que possuo em mãos com sua foto tenham um nome diferente? Poderia ser outra pessoa, certo?" O promotor questionou em um tom repleto de sarcasmo.
"Que... Que nome?"
"Felecé Brianna Kingston. Você não o mudou tanto assim, não é? Foi uma ideia muito inteligente. Ninguém pensaria em manter partes de seu verdadeiro nome. Você dever ter feito muita gente perder tempo em uma busca inútil, tentando adivinhar seu pseudônimo para encontrá-la."
Todos vimos quando a tímida e passiva Felecia desapareceu conforme endireitava sua postura desleixada. Pelo sorriso sinistro que se espalhou em seus lábios, dava para dizer que a coisa iria ficar feia.
"Ah... Aí está ela!" O outro promotor gargalhou.
"O que você quer de mim?" Ela disparou.
"Bom, queremos saber o que diabos você está fazendo nesta alcateia e com um companheiro ainda por cima!"
"Bom, acho que a Deusa da lua se apiedou de mim..."
Neste instante, um raio atingiu a mesa ao lado dela, mas a v*dia nem sequer se mexeu.
"Mentira! Monstros como você não possuem um companheiro. Não importa o quão misericordiosa seja a Deusa da lua, ela nunca perdoará pessoas iguais a você."
"Bom, são vocês que saem perdendo..."
"Não, querida... É você quem sai", o promotor comentou em um tom sinistro. Então, ele abriu a caminho a passos largos até Felecia antes de deslizar suas garras em cada lado do rosto dela.
Com um grito, ela ergueu as mãos para se proteger, mas o promotor não parou. Descendo suas garras, ele arranhou seus braços e torço. Apenas quando finalmente terminou, conseguimos ver que as marcas na pele de Felecia seguiam um padrão específico, o qual eu conhecia muito bem. Ela estava ferrada.
Rindo baixinho, ele deu um passo para trás com um sorriso satisfeito no rosto. Então, ele piscou para ela e se virou para voltar ao lugar que ocupava antes enquanto sussurrava algumas palavras. Todavia, quanto mais ele se afastava de Felecia, mais alto ele falava e mais ela gritava. Quando o promotor finalmente se calou, ela também parou de gritar.
"Bom, isso foi divertido... Agora onde estávamos? Ah, lembrei! O que di*bos você está fazendo nesta alcateia e como conseguiu acasalar com Gregory?"
"Eu... comprei minha entrada aqui. Eu vim parar nesta alcateia por acaso alguns anos atrás e decidi ficar depois que Gregory me acolheu e cuidou de mim até eu recuperar minha saúde", ela respondeu em transe.
"O quê? Por que eu te disse isso? O que você fez comigo?" Ela gritou ao sair de seu estupor.
"Eu coloquei um feitiço antigo para te forçar a falar a verdade, Felecia, já que os raios não te assustaram tanto quanto eu gostaria. Achei que alguém como você precisaria do incentivo certo, até porque gente da sua laia não gosta da verdade. Agora, você não poderá mentir sem morrer e, como pode ver, suas feridas não estão exatamente cicatrizando. Você não fez tudo o que fez apenas para morrer por uma mentirinha, não é?"
O promotor provavelmente havia atingido o ponto fraco de Felecia, pois seus olhos quase saltaram para fora do rosto. Pelo pânico que vi transparecer neles, ela não queria que soubéssemos a verdade. Era uma pena que iríamos descobrir tudo de qualquer maneira.
"Agora, voltando para o interrogatório, o que você quis dizer com ter comprado sua entrada? Por favor, seja específica. A propósito, você realmente precisava se tornar companheira de Gregory e luna desta alcateia só porque ele cuidou de você até recuperar sua saúde? Esse é seu problema, Felecé... Você sempre foi muito gananciosa, principalmente por poder. Você adora cobiçar aquilo que não te pertence!"
"E-eu..."
"Não temos o dia todo."
"Eu os sacrifiquei por isso. Eu sacrifiquei os Condenados por isso", Felecia respondeu enquanto ofegava de dor.
"Agora estamos chegando na parte interessante da história. Já que essa nova geração não tem ideia de quem sejam os Condenados, faço questão de contar a eles.
"Os Condenados eram uma alcateia, cuja a população compunha uma pequena cidade no extremo oriente cerca de 700 anos atrás. Eles eram pessoas simples que cultivavam e caçavam para sobreviver. Eles eram tão desconectados do restante do mundo que acabaram por se tornar muito ingênuos. Eles confiavam muito rapidamente nas pessoas, acreditando em qualquer coisa que lhe diziam. Bastava afirmar que você nunca cometeu um crime, mesmo tendo sangue nas mãos, que eles acreditariam.
"Foi assim que a cidade deles se tornou um refúgio para tantos assassinos, ladrões e monstros de todo tipo. O resto do mundo trocou o nome da alcateia deles de Serenidade para Condenados Ingênuos ou só Condenados para abreviar. Lá viviam um total de 10.632 pessoas, fora mulheres e crianças. Então, você está me dizendo que sacrificou todas essas pessoas, Felecia? Acho que chamar alguém como você de monstro é muito pouco."
A primeira pessoa para quem ela olhou neste momento foi Gregory. Era possível ouvir seu coração se partindo de onde ele estava sentado. O olhar de raiva e desgosto em seu rosto era uma visão e tanto enquanto seu filho apenas olhava fixamente para ela.
"Não! Isso... Foi um erro!" Mal ela havia terminado de dizer essas palavras quando um grito deixou seus lábios. A plateia assistiu em silêncio conforme mais marcas surgiam em sua pele, ainda maiores e mais profundas do que as anteriores. Pelo jeito que ela se esgoelava, elas eram tão dolorosas quanto pareciam ser.
"Eu avisei para não mentir, Felecia. Se achou que teria uma morte rápida, você enlouqueceu. Esta foi apenas uma maneira simples que encontramos de fazê-la confessar seus pecados. Nós já sabemos sobre todas as atrocidades que fez e o rastro de destruição que deixou para trás.
"Como vai demorar um pouco para você se recuperar dessas novas marcas, vou contar a todos o que você fez depois de assassinar os Condenados, o que parece que não foi o suficiente para você. Mesmo depois de ter se tornado imortal, você precisou matar mais, Felecia. Em circunstâncias normais, aquelas mortes deveriam saciar qualquer um, mas não você.
"Este monstro costumava caçar mulheres grávidas e só ficava satisfeita quando conseguia um total de 600 mortas. Ela as sacrificava por poder. Felecia não é uma lobisomem... Ela é uma troca-peles, uma metamorfa. Ela podia se transformar em qualquer criatura sobrenatural que desejasse e, ainda assim, isso não era o suficiente para a nossa querida aqui.
"Ela desafiou uma velha maga no reino das fadas e teve um choque de realidade ao perceber que luz e trevas não misturavam, pois a luz prevalecia mesmo diante da morte.
"Sendo assim, Felecia foi espancada quase até morte e por pouco sobreviveu. Na verdade, teria sido uma benção se ela realmente tivesse morrido, mas Gregory teve que colocar os olhos nela e se apaixonar por sua beleza.
"A mesma beleza que ela comprou com a vida e o sangue de cerca de 11.000 almas. Enquanto Gregory se via no dever de salvar uma bela jovem moribunda, Felecia encontrou uma oportunidade de subir na vida. Dessa forma, ela poderia recomeçar e conseguir tudo o que quisesse sem sujar as mãos, mas ela se esqueceu que a verdade sempre aparece. Cedo ou tarde.
"A sorte, que nunca esteve ao lado dela, mais uma vez, provou ser um oponente à altura quando a companheira de Gregory surgiu. Ele não se lembrará de tê-la conhecido, pois a doce Felecia tomou a liberdade de eliminar sua existência da face da Terra. Nenhum mortal sequer se lembra do seu nome, muito menos de sua aparência, e esse foi o começo do fim para Felecia.
"Ela não sabia que a verdadeira companheira de Gregory era uma das bruxas mais puras que já estiveram neste reino, portanto, ao matá-la, ela tirou da natureza uma parte de sua alma. Como punição, Felecia perdeu seus poderes e sua imortalidade, que já não eram suas por direito de qualquer forma.
"Mesmo assim, a natureza permitiu você ter um vínculo com Gregory porque sabia que seu fim estava próximo. Para uma mulher, você é bem insensível. Sua alma é mais escura que a própria noite. Você não pode achar de verdade que a Deusa da lua a perdoaria depois de tudo o que fez.
"Você pode se iludir, pensando que mudou, mas todos vimos a ganância em seus olhos quando Chaos renasceu. Dava para ver refletido neles o seu desejo e a pergunta ecoando em sua mente. Mas acredite, você não terá a chance de tentar algo assim porque a sentença pelos seus crimes é a morte, que garanto que não será tão rápida quanto imagina.
"Você ficará presa por um bom tempo, vendo sua vida se esvair pouco a pouco. Conceder-lhe uma morte rápida seria misericordioso demais e você não merece isso, Felecé Brianna Kingston.
"Seu nome e sua existência serão apagadas da face da Terra até que você se torne apenas uma memória distante, que desaparecerá com o tempo."
"Não!" Ela gritou.
"Greg, por favor! Eu mudei. Não deixe que façam isso comigo. Por favor! Meu filho... Por favor!" Ela berrou desesperadamente, mas ninguém se mobilizou a ajudá-la ou a dizer algo em sua defesa.
River observou sua mãe com lágrimas nos olhos enquanto Gregory chorava copiosamente. Sua companheira era uma impostora, no entanto, ele havia aprendido a amá-la. De todo jeito, ela precisava pagar pelos seus crimes. Com um sorriso triste no rosto, ele se virou e deixou o quintal.
"Adeus, Felecé", ele sussurrou antes de desaparecer pelo portão.