Ponto de vista de Chaos:
Abri meus olhos assim que meu companheiro deixou o quarto. Sabia que ele já tinha sido informado que eu havia despertado do coma e agora estava apenas esperando que eu acordasse de um cochilo.
Com todas essas mudanças repentinas que estão acontecendo no meu corpo, não quis arriscar abrir os olhos.
Quem poderia saber o que teria feito com ele ali?
Deitada, ouvi o que estava acontecendo ao meu redor e, quando tive certeza de que ninguém entraria no quarto tão cedo, levantei da cama.
Era bom poder colocar os pés no chão de novo.
Depois de me certificar que conseguia mesmo andar sozinha, encobri a mim mesma, ficando indetectável, e saí do quarto.
Amei a sensação de poder andar pelas sombras novamente, observando tudo sem que ninguém soubesse que eu estava ali.
Evitei ao máximo esbarrar em alguém porque isso me renderia uma série de confusões que não precisava agora.
Eu tinha acabado de chegar no térreo quando vi Matthews e minha família virem na minha direção.
Felizmente, a atenção deles não estava em mim, então, rapidamente, coloquei uma boa distância entre nós e fui para o outro lado do ambiente.
Eu tinha acabado de dar mais um passo em direção à saída quando escutei um rosnado atrás de mim.
Não me virei, nem fiquei surpresa ao sentir os olhares severos de minha família às minhas costas conforme Matthews e todos os demais no andar térreo os encaravam, confusos.
"Não se atreva!" Minha mãe cuspiu.
Deixei escapar um suspiro exagerado antes de dar mais um passo adiante, sabendo que eles iriam me seguir de qualquer jeito.
Como Kiara e meus irmão tinham o sangue da parte paterna da nossa família correndo em suas veias, eles podiam me detectar sempre que eu me encobria.
Já minha mãe só possuía essa habilidade porque meu pai havia lhe dado como presente em um de seus aniversários. Mas que tipo de presente era esse?
Ao meu ver, era uma traição total comigo e meus irmãos porque se minha mãe já era bisbilhoteira antes de ter essa habilidade, ela ficou bem pior depois de recebê-la.
Nada passava desapercebido por ela, que sempre gostou de se gabar desse fato. Eu e meus irmãos nos encrencamos muito quando éramos mais novos por conta disso.
Então, ela nos contou, ou melhor, mentiu, fazendo com que acreditássemos que sua habilidade era apenas temporária e retornaria para o nosso pai uma semana depois.
Ela nos enganou e nós caímos como uns patinhos. Ficamos de castigo por dois meses e nem mesmo nosso pai conseguiu convencê-la a ser mais flexível.
Ah, bons tempos! Obviamente, estava sendo sarcástica.
Andei devagar para que minha família pudesse me acompanhar, embora fizesse questão de sempre manter um passo à frente deles.
Eu não estava pronta para encará-los. Afinal, minha mãe poderia muito bem me dizer como eu parecia sem rodeios e eu não queria descobrir desse jeito.
Em pouco tempo, encontrei a casa que deveria ser meu lar, meu porto seguro, mas as coisas não aconteceram como o planejado.
Agora, a fachada estava um pouco diferente com uma longa varanda e uma porta no meio dela.
Mas não me deixei enganar e caminhei até lá para abrir a porta.
Então, eu me vi no meio de duas casas separadas. Não era necessário que ninguém apontasse qual era a minha.
Fui em direção à ala oeste e sorri quando vi as palavras escritas acima da porta da frente em nossa língua nativa.
"Cuidado com as sombras que aparecem durante o dia."
Era simples, mas enigmático o suficiente para combinar com nossa família. Todos sabíamos porque essas palavras haviam sido escritas em frente à casa da minha mãe em sua alcateia e no palácio de meu pai.
No entanto, nunca falamos ou explicamos sobre isso a ninguém. Era melhor assim. Ao entrar em minha nova casa, percebi que tio Hefesto havia se superado outra vez.
A casa era um primor. Dava para sentir um enorme poder circulando pelo lugar.
Não fazia ideia de como ele tinha feito isso, mas me senti verdadeiramente em casa. Eu só havia me sentido assim quando visitei meu pai em seu palácio alguns anos atrás.
Ao perceber que as coisas que comprei já estavam todas em seu devido lugar, virei-me e ergui uma sobrancelha para Kiara e Matthews, que ainda não podia me ver.
"Hum, como a gente não tinha nada para fazer, decidimos arrumar tudo para você", Kiara respondeu à minha pergunta silenciosa.
"Com quem você está falando?" Matthews indagou com uma expressão confusa, porém, fofa no rosto.
"Khione Dava Chaos! Pelo amor de Deus, saia das sombras!" Minha mãe gritou sem parar de inspecionar meu novo lar com o olhar.
Revirando os olhos, eu me revelei antes de me sentar no sofá mais próximo e jogar minha cabeça para trás de olhos fechados.
"Vai se f*der!" Matthews xingou assim que me viu.
"Não se preocupe, querido. Vou fazer isso hoje à noite para você", Kiara brincou.
"Isso já foi informação demais para os meus ouvidos", Lucien reclamou.
"Cala a boca, Lucien", vociferou Kiara.
Os dois continuaram implicando um com o outro enquanto eu desfrutava do conforto da minha nova casa.
Pude sentir o assento ao meu lado no sofá afundar conforme alguém se acomodava ali. Pelo jeito que me encarava, soube que era Luke.
Ele estava tentando descobrir o que eu escondia. Ele adorava derrubar as barreiras ao redor das mentes das pessoas que lhe eram próximas e desvendar seus segredos.
Era difícil esconder qualquer coisa com Luke por perto. Ele estava sempre no meu encalço quando éramos crianças.
Ele sabia que eu tinha dificuldades para lidar com emoções humanas normais e costumava tentar esconder minha raiva e frustrações a todo custo.
No entanto, ele sempre estaria lá para me analisar e a me ajudar a descobrir como lidar com minhas questões.
Que a Deusa e o destino o abençoassem por sua paciência infinita, pois sabia que eu era uma pessoa bem difícil de aturar.
Ainda assim, ele nunca desistiu de mim.
Apesar de ser um cara esperto, dessa vez, ele demorou para entender o que estava acontecendo comigo.
Não pude deixar de rir comigo mesma quando ele, enfim, descobriu uma das inúmeras coisas que havia mudado no meu corpo.
"Abra os olhos", exigiu ele.
"Não", respondi.
"Por favor!" Ele implorou, fazendo com que todos na sala ficassem em silêncio.
Luke Chaos nunca implorava. Ele era orgulhoso demais para fazer tal coisa.
Portanto, meu olhos se abriram antes mesmo que eu pudesse impedi-los. Os suspiros que se seguiram me fizeram me arrepender de ter feito isso.
"Mamãe?" Luke a chamou baixinho.
"Também estou vendo, Luke. Quando pus os olhos no cabelo dela, achei que as mudanças teriam sido grandes, mas não a esse ponto", minha mãe comentou seriamente.
"Irmãzinha", Lucien sussurrou com a voz entrecortada.
Pela primeira vez em toda sua vida, o humor jovial do meu irmão havia desaparecido. Ele nunca perdia a chance de colocar um sorriso no meu rosto fosse enquanto ainda éramos crianças ou quando me via de mau humor.
Nem mesmo quando o contei sobre a traição do meu companheiro, ele parou de brincar comigo, mas eu sabia que a situação era diferente agora.
Matthews, por sua vez, ficou parado em estado de choque. Sua boca abria e fechava sem dizer uma palavra.
**********
Matthews ainda estava tentando digerir o pouco que sabia sobre sua companheira e a família de Chaos. Mas quanto mais ele pensava sobre isso, mais sua cabeça girava confusa.
Ao olhar em volta rapidamente, ele localizou a cadeira mais próxima e se sentou trêmulo nela. Kiara foi até ele e esfregou suas costas a fim de confortá-lo.
Ela conseguia entender como ele se sentia por causa do vínculo entre eles.
Ela só não ficou tão surpresa com a nova aparência de Chaos porque teve a amarga honra de vê-la assim que a prima acordou. Na hora, isso havia sido o suficiente para fazer uma mulher adulta como ela ter um colapso nervoso.
Ao observar o restante da sala, ela viu como Alfa Celeste tentava conter as lágrimas que estavam desesperadas para escapar de seus olhos.
Lucien, então, sentou-se no sofá e abraçou Chaos enquanto suas lágrimas escorriam silenciosamente pelo seu rosto. Luke, que estava sentado do outro lado, assistia a cena com um olhar vazio, mas todos sabiam que não era bem assim.
Por dentro, ele estava furioso e sentindo uma dor imensa, assim como o restante deles.
Ele apenas não sabia como demonstrar suas emoções quando elas eram intensas demais ou transformadoras.
Um ar triste pairou no ar até que Matthews amaldiçoou baixinho.
"O que foi, meu bem?" Kiara perguntou suavemente.
"O alfa acabou de convocar uma reunião para daqui a uma hora", Matthews respondeu friamente.
"Isso é simplesmente perfeito porque irei invadir essa reunião. Mas até lá, certifique-se de que Felecia, George e Tricia estejam naquela sala. Minha família e eu estaremos lá assim que nos refrescarmos", Chaos disse em um tom tão assustador que fez todos na casa sentir arrepios.
"Ooh... já era hora." Kiara abriu um sorriso doce, porém, perverso.