Capítulo 60
1171palavras
2023-03-31 22:13
Minha mama era uma pessoa extraordinária. Forte, decidida. Muito a frente de seu tempo. Criada como um Dom, sabia o que queria e como comandar. Mas a máfia tem muitas regras, muita gente ruim, muita trairagem. Meu nono(avô) deixava ela ter as idéias dela, o que hoje é dito como empoderamento feminino.
Ela não era feminista ou militante. Era empoderada, e muitas das famílias de capôs da época não gostavam do jeito que ela era criada.
Mas era uma filha de Dom, então não podiam fazer nada. Meu papa, Giácomo, era seu melhor amigo, por isso a família dele não teve conhecimento de alguns planos que tinham pra ela.

Uma das regras mais básicas da máfia italiana, é que mulher não assume posto de comando. Minha mama, mesmo adolescente, auxiliava meu nono como se fosse o primeiro filho, mais até que os meus tios que eram mais velhos do que ela. Era como se ela ditasse as regras do Dom naquela família. Os Dons de outras famílias estavam preocupados com essa cultura, então planejaram tirar dela o único trunfo que a filha da máfia tem: a virgindade.
Preparam uma emboscada pra ela, que se apaixonou perdidamente, foi ludibriada e acabou se entregando. Aí ficou grávida de mim e o farabutto (filho da püta) que fez isso a ela desapareceu. O plano era simples, depois que a barriga aparecesse, sua família ficaria envergonhada e ela nunca mais poderia casar-se dentro da máfia. Nenhuma família que se prezasse assumiria esse risco...
Mas não contavam que meu papa iria salvar a situação. Ele a pediu em casamento, forjou o sangue no lençol, se casaram com honras. Ele a deixava ser feliz, ajudar o papa dela, me criar com bastante amor e eu era muito feliz. cresci sendo bajulado e paparicado, mas quando tinha 4 anos, minha mama engravidou novamente. Eu torcia que fosse uma menina, não sabia exatamente em que um menino me ameaçaria, mas não queria outro homem roubando a atenção da minha mama.
Durante a gravidez, meu nono adoeceu e antes do parto faleceu. Meu papa assumiu como Dom e colocou o nome do meu nono no menino que chegou. Depois vieram mais três meninas, uma atrás da outra. Minha mama e meu papa se amavam bastante. Não sei se tinha distinção de mim para Maurízzio, mas eu cresci com ciúmes dele. Sempre fazia artes e colocava a culpa nele. Eu sabia que seria o Dom, como primeiro filho. E gostava disso.
Maurízzio era criado com menos rigor por esse detalhe, era mais letrado, conhecia as regras da máfia como todos nós. Na verdade ele era mais estudioso e mais delicado. Eu me dedicava mais as lutas e ao meu treinamento de tiros, ele a conhecer as letras e o mundo.
Ele gostava das viagens que a mamã fazia com todos nós pelo mundo afora. Eu achava um disperdício de tempo que eu poderia estar lutando ou atirando. Na adolescência, ele começou a estudar direito, eliminou matérias e assim, séries, não foi na última viagem antes da maior idade porque estava estudando. Panaca. Com mama e minhas irmãs fora, comecei a aconselhar meu papa a fazer coisas que ela normalmente não permitiria. Meu papa era um Dom muito bonzinho, muito justo. Maurízzio percebeu e aconselhou meu papa a esperar minha mama voltar. Fiquei furioso com ele e armei uma emboscada. Mas tinha que ser bem preparada, bem planejada. Se meu papa descobrisse, iria me matar. Sem contar que eu estaria infringindo as leis da máfia. Quando eu fosse Dom e participasse do conselho, iria sugerir tirar essa lei idiota de não ferir pai, irmão ou filho. Mas então, com a imaturidade dos meus 21 anos, deixei muitas pontas soltas do meu primeiro plano contra meu irmão e alguém contou pra minha mãe, que voltou imediatamente e me chamou para a conversa.

Foi aí que eu descobri que Maurízzio seria o Dom natural e que eu era um bastardo. A intenção da minha mama era boa. Seria a de que eu passasse a ter mais gratidão por meu papa por ele ter nos salvado da humilhação completa, e mais amor por meu irmão que me dava de bom grado o cargo que eu sempre quis ocupar mas que pertencia a ele.
Mas eu o odiava e pensava que ele tinha tudo, enquanto eu não tinha nada. Minha mãe mandou que eu fosse conversar com meu papa, que estava na garagem lustrando aquele carro idiota. Eu amava aquela Ferrari, mas meu papa não me deixava dirigir, era o hobby dele idolatrar aquele carro mais do que a mim.
Eu queria mais atenção, mas até na hora que ele tinha que dar essa atenção, era com o carro presente.
Na conversa, ele disse que eu iria parar de molecagem e começar a agir como o Dom que eu deveria ser. Me informou que tinha feito um acordo de casamento pra mim e que eu iria me casar imediatamente. Fiquei impressionado, acordos de casamento não eram mais uma cultura na máfia. Pensei que ele tinha me arranjado uma garota feia e gorda que ninguém mais queria.

Mas me surpreendi que me casaria com uma das filhas mais desejadas, linda, educada, prendada. Fiquei feliz com isso e só não me casei imediatamente porque meu irmãozinho estava de partida pra França. Adorei que ele sumiu das nossas vidas, mudou de nome e não tinha nada mais a ver conosco.
Me casei e segui auxiliando meu papa, sendo treinado por minha mama para ser seu sucessor. Minha esposa Andrea era uma mulher perfeita. Sempre doce, gentil e obediente. Cuidava da nossa casa e do nosso filho Fabrízio, que tinha acabado de nascer, com tanto zelo e capricho que eu me apaixonava por ela todos os dias. Minha mama e ela se tornaram grandes amigas, meu papa não era menos amoroso. Mas ele sentia falta de Maurízzio, então casou minhas irmãs sucessivamente para ter outros homens a volta dele, para suprir essa ausência.
Não era segredo para ninguém que Maurízzio era seu preferido e que ele queria muito que ele tivesse ficado. Não sei se Maurízzio era realmente apaixonado pela vida fora da máfia, ou eu atribulei tanto a vida dele, que sua melhor opção era se afastar de mim. Eu entendia a preferência do meu papa como rejeição a mim por ser bastardo, embora nunca meu papa sequer mencionou isso ou o fato de eu não ser digno ou merecedor de ser seu sucessor.
Quando Lorenzo nasceu, eu olhava aquele menino, tão mais parecido comigo do que Fabrizio, que comecei a imaginar se a história não se repetia. Será que minha Andrea aceitou casar comigo tão rápido porque já estava grávida de outro? Comecei a não pensar direito. Se raciocinasse só um pouco, me lembraria que eu mesmo colhi os lençóis da virgindade dela e entreguei ao conselho.
Comecei a investigar o passado dela e claro, não encontrei nada. Mas no processo, encontrei o farabutto do homem que plantou a semente na barriga da minha mãe, 25 anos atrás.