Capítulo 14
2539palavras
2023-02-05 08:02
Todos dizem que em momentos onde sua vida está por um fio, ela passa completamente aos seus olhos. Frames onde cada momento especial de sua vida e convivência faz-te lembrar de toda a maravilha que viveu.
E bom, aquilo só acontecia em filmes e em momentos onde alguém estaria morrendo.
Com Lucy, aconteceu. Mesmo que não estivesse morrendo. Seus frames eram de sua infância escondida. De suas primeiras compras em lojas femininas e de sua primeira vez usando uma saia.
A saia que sua mãe agora tinha nas mãos.
ㅡ O que isso significa? ㅡ foi o que a garota ouviu de sua mãe. Seus olhos estavam repletos de dúvidas e raiva, já os de Lucy, enchiam-se de lágrimas precoces.
A garota continuava quieta, assustada e sem saber o que falar?
ㅡ Que merda é essa? ㅡ gritou a mulher. ㅡ que porcaria é essa na sua cama Woojin?!
A garota se encolheu, fechando seus olhos com o medo que a tomou. Ouviu os passos rápidos de sua mãe em sua direção e abriu os olhos quando teve o seu pulso segurado com força.
ㅡ O que é isso?
A saia cujo a mulher segurava, balançava com força bem a frente de seus olhos. Lucy sempre teve cuidado para não estragá-la, pois era rendada e com babados delicados, mas ali, ela estava sendo tratada apenas como um pedaço de pano qualquer.
Um pano imundo e errado.
ㅡ Me responda! ㅡ a mulher exigiu, apertando mais o pulso da garota.
ㅡ Está me machucando mãe... ㅡ falou baixo, tentando soltar-se.
ㅡ Isso é seu? Ande, me conte. Onde arrumou isso?
ㅡ Por favor, me solte. ㅡ pediu olhando-a nos olhos. ㅡ me solte mamãe.
ㅡ Garoto errado! ㅡ soltou-a com força, fazendo suas costas baterem com força na porta. ㅡ me fale, ande! Isso é seu não é? O quê? Anda se vestindo como uma mulher agora?
A garota continuava quieta, e encolhia-se a cada novo grito.
Viu sua mãe andar até a cama e pegar mais de suas roupas.
ㅡ Quanta imundice! Isso foi aquele seu amigo gay, não foi? Tenho certeza que até aquele que não tem pai está te ajudando também.
A garota sofria internamente, pedia silenciosamente para que ela parasse, mas viu sua mãe tremer de raiva, e com suas saias nas mãos, tentou rasgá-las de uma só vez.
Lucy então viu ali sua força, eram suas roupas, então ergueu-se e caminhou com as lágrimas descendo por suas bochechas até ela. Segurou com força as saias nas mãos da sua mãe e implorou:
ㅡ Por favor, mãe, não faça isso.
Seus olhos naquele momento ficaram com o de sua mãe, não sabia como faria, mas implorava para que parasse com tudo.
ㅡ Por que você é assim? ㅡ Sun-ha perguntou enquanto lágrimas desciam por seus olhos também. ㅡ Por quê? ㅡ Gritou.
A garota então caiu em choro. Enquanto gemia com as lágrimas, agarrou ainda mais os tecidos e puxou-os para si.
ㅡ Eu nunca errei com você Woojin, nunca.
ㅡ Mãe, solte as minhas roupas, por favor... Estou te implorando, por favor.
O coração de mãe era frágil, ela sentia a dor da própria filha, mas o seu entender era pequeno quando posto junto de seu ver. Ela via o filho, e achava nojento o modo em como ele queria levar a vida.
Então puxou com mais força, e o som dilacerador do tecido se partindo foi ouvido.
ㅡ Não!
A garota desesperou-se, pondo sua força e juntando as mãos ainda mais as da mãe. A mulher segurou seu pulso a fim de tirá-lo, mas Lucy segurava tão forte suas peças que nada a fazia solta.
ㅡ Para com isso, por favor! ㅡ gritou a garota.
Ambas choravam alto, e gritavam uma com a outra sem largar as roupas. Jungso enfim subiu os degraus estranhando o barulho esquisito, e ao chegar ao cômodo, se deparou com a cena.
ㅡ Ei, parem com isso já. ㅡ Falou caminhando até ambas.
Lucy não soltou por um só segundo suas saias, e foi quando seu pai chegou e segurou sua mãe, que ela viu escapatória para juntar tudo o que era seu e se afastar da mulher cujo deveria apoiá-la.
ㅡ Monstro! ㅡ berrou sem sentindo, chorando aos prantos, enquanto apenas se encolhia no canto.
ㅡ Mas o que foi isso? ㅡ o homem perguntou, enfim, soltando sua mulher.
ㅡ pergunte ao seu filho! ㅡ ela berrou limpando as lágrimas. ㅡ eu não sei onde errei Jungso, mas vestir-se de mulher? Na minha casa?
ㅡ Como assim? ㅡ olhou Lucy e viu a garota agarrada com suas vestimentas, enquanto soluçava. ㅡ Desça, deixe-me aqui com ele.
ㅡ Eu não quero ver mais essas roupas na minha casa! ㅡ apontou a mulher, erguendo o dedo para que Lucy entendesse-a. ㅡ e você irá à igreja comigo. Isso é o demônio apossando-se de você, eu não irei permitir.
ㅡ Desça, por favor. ㅡ pediu o homem. ㅡ deixe que eu resolva.
A mulher saiu a passos pesados, tão furiosa e decepcionada com Woojin que as lágrimas só continuaram a cair, deixando tudo ainda pior.
Jungso então suspirou, passando ambas as mãos por seu rosto antes de fitar a filha no canto outra vez.
A garota estava quieta, apenas chorava e abraçava suas roupas com força, querendo protegê-las e se proteger.
ㅡ Ela já se foi. ㅡ Jungso falou baixo, aproximando-se de Lucy. ㅡ Está tudo bem agora.
A garota não disse sequer uma palavra, apenas olhou o homem e esperou que seu julgamento também começasse.
ㅡ O que é isso em suas mãos? ㅡ ele perguntou no mesmo tom.
Lucy ainda estava assustada, mas sentia que seu pai era diferente da mulher, então, ainda com medo, desfez devagar o nó que estava fazendo com seus braços e olhando-o, permitiu que ele visse o tecido em suas mãos trêmulas.
ㅡ Posso pegar?
O homem percebia e entendia o medo que Lucy sentia. Não queria assustá-la mais, mas precisava entender.
ㅡ E-Ela queria rasgar. ㅡ disse a garota vendo o pai buscar as peças e colocá-las sobre a cama. - ela rasgou, pai...
O homem suspirou, vendo as saias de Lucy sobre a cama e buscou a mesma que sua mulher havia pegado e, infelizmente, rasgado.
ㅡ Desculpe sua mãe, ela... Ela não pensou antes de agir...
A garota sentou na ponta da cama. Suas lágrimas eram tão densas que pingavam sobre seu colo. Ela ergueu a mão e tocou a mesma que seu pai segurava, e sentiu, no mesmo instante, raiva.
Então segurou a saia, tomando-a dele, e rasgou-a por fim, despedaçando os babados delicados.
ㅡ Não faça isso. ㅡ o homem falou segurando sua mão, impedindo-a de continuar. ㅡ você não precisa fazer isso.
ㅡ Eu sou imunda, papai. ㅡ chorou. O homem olhou-a e apenas avançou para segurá-la em seus braços, dando à filha, o colo necessário. ㅡ ela disse, eu sou imunda. Ela me odeia, mas eu não tenho culpa. Eu não sou assim por querer.
O homem apenas a apertou mais, a fim de fazer aquele sofrimento parar, mas era nulo, porque até seus olhos enchiam-se de lágrimas com a dor.
ㅡ Ela não te odeia. ㅡ disse-a. ㅡ ela só não entende.
ㅡ Ninguém entende, pai. ㅡ fungou olhando-o. ㅡ você me entende? Você entende eu querer ser quem eu sou?
ㅡ Eu ainda não entendo, mas... Se você me explicar, eu sei que irei te entender porque eu só quero o seu bem.
A garota sentia tanto ter que fazer seus pais passarem por isso, sentia-se culpada, não adiantava, mas ela era ela, como mudaria?
ㅡ Eu não sou Woojin, papai, nunca fui. ㅡ falou baixo, ainda tenebrosa com as respostas que ouviria. ㅡ Eu sempre vivi presa nesse corpo, mas ele não é meu.
ㅡ Então quem você é? ㅡ Perguntou baixo. Temia piorar o que ela já sentia, mas queria entender, ajudar.
A garota olhou-o ligeiramente, sem saber como fugir da pergunta. Mas no fundo, não queria mais fugir.
Jungso buscou suas mãos, segurando-as firmemente, dando-lhe um aperto necessário para lhe passar segurança.
ㅡ Você me diz que não é garoto gay, e eu acredito em você. Eu só não entendo isso, você é um garoto que gosta de roupas femininas?
Ainda o olhando, Lucy ainda sentia tudo se embaralhar. Não queria decepcionar seu pai também, mas também não queria mais mentir. Estava sufocada ao ponto de preferir morrer a viver mais um dia em seu inferno particular.
Ela não queria se esconder.
Então negou para a pergunta do pai, fitando-o, Lucy queria lhe dizer o que era afinal.
ㅡ Então... O que é? Quem é, meu anjo?
ㅡ Eu sou sua filha.
A voz trêmula evidenciava o medo. Temia por tudo naquele momento. Não saberia se o amor familiar, dito todos os dias pela manhã, sobreviveria aquilo. Poderia ser expulsa de casa no pior dos cenários. Mas já havia dito. Havia posto para fora e se recusava internamente a retroceder. A partir dali, Lucy não queria mais ser uma mentira.
ㅡ Filha? Como uma garota? ㅡ o homem perguntou calmo. O bolo em sua garganta, lhe deixava nervoso, mas Lucy assentiu, sorrindo docemente e ainda um pouco amedrontada, enquanto fitava suas mãos juntas, sentindo que podia falar mais de si com ele. ㅡ Você quer ser uma garota, Woojin?
ㅡ Eu sou uma garota, papai. Eu... sempre fui. Eu nasci assim.
Jungso suspirou. Jamais imaginou ouvir aquilo de Woojin. Sequer entendia, sua mente gritava tantas coisas que sua cabeça parecia querer explodir.
Mas no final o que deveria fazer? Julgar?
ㅡ Eu não entendo isso, mas você pode me explicar mais?
Certamente ele jamais havia visto o que Lucy era. Mas olhando nos olhos dele, Lucy não encontrou ódio como nos de Sun-ha. As íris calmas, típicas do amor, miravam seu rosto e aguardavam por mais. Jungso queria entendê-la.
E a garota assentiu, soltando das mãos do pai para limpar as bochechas molhadas.
ㅡ Eu fui denominada como garoto quando nasci, mas eu não sou um. Eu nunca consegui associar o meu pensamento, desejos ou quem eu realmente sou com o que via no espelho.
ㅡ Então você não gosta do seu corpo?
ㅡ Eu o amo papai. Eu não me odeio, odeio apenas o quem veem. Eu só não... só não quero mais ser assim. Eu quero poder usar minhas roupas e ter um corpo bonito como todas as outras garotas, porque eu não escolhi nascer errada.
ㅡ Você não nasceu errado, seu corpo é lindo, Woojin.
ㅡ Não do jeito em como eu quero.... me desculpa pai, eu sei que sou uma decepção para você e para a mamãe, mas eu sou assim, eu nasci assim e morrerei assim. Se quiser, me julgue, me xingue como ela fez, e até me expulse, porque isso não tem conserto.
ㅡ Ei, ei, calma. ㅡ tornou a tocá-la sobre as mãos. ㅡ eu jamais te colocaria para fora de casa, você é parte minha também, eu te amo. E eu não estou te julgando, meu bem, estou querendo te entender.
ㅡ Você é precioso papai. É um bom homem, só teve uma filha assim...
Jungso sorriu, tocando-a sobre o rosto.
ㅡ Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Acredite. ㅡ acariciou a maçã do rosto. ㅡ Só me diga, se sentia isso, por que nunca nos contou?
ㅡ Por puro medo. Você viu como a mamãe reagiu, eu temia justamente por isso. ㅡ a garota olhou-o outra vez. ㅡ eu sempre quis gritar quem eu era. Gritar que meu nome nunca foi Woojin, que me incomodava, me magoava. Mas eu nunca pude por puro medo...
ㅡ Você nunca gostou do seu nome? ㅡ o homem perguntou confuso. Lucy negou.
ㅡ Não. Eu sempre quis me chamar Lucy, como a Lucy Liu.
O homem sorriu, vendo como Lucy sorriu boba quando falou da mulher cujo gostava de ver em seu filme favorito. Admirava o sorriso que ela tinha, em seu ver, era o mais belo no mundo.
ㅡ Então é assim que eu devo te chamar?
ㅡ Você pode me chamar do modo em como te deixa confortável. Eu sei que é difícil pai, não precisa mentir... Pode continuar a me chamar de Woojin se isso te faz bem.
ㅡ Mas o que importa não sou eu, é você. O seu bem-estar. Então, se te faz bem te chamar por Lucy, eu posso tentar. Será difícil, mas eu tento, por você. Mas você pode confiar em mim, tudo bem? Converse comigo...
A garota suspirou, sorrindo segundos antes de derramar mais lágrimas. O homem negou, desesperando-se quando se aproximou e abraçou-a com força, querendo que as lágrimas parassem, já que em seu coração aquilo era como facas lhe massacrando.
ㅡ Ai. ㅡ reclamou Lucy.
Jungso afastou-se, crente que havia apertando-a demais, mas viu-a com seu pulso esquerdo sendo segurado, e tocou-o, vendo como estava roxo.
ㅡ Não é nada, papai.
ㅡ Ela te machucou assim? ㅡ perguntou. Lucy abaixou a cabeça, massageando o local. ㅡ Está roxo, deve ficar inchado. Venha, vamos ao hospital, algo pode ter sido quebrado.
ㅡ Não, não precisa. A mamãe não me machucou assim.
ㅡ Ande Lucy, obedeça ao seu pai.
Erguendo-se com o semblante sério, Jungso deixou um beijo longo no topo da cabeça da filha, e em seguida, rumou para baixo.
ㅡ Estarei te esperando no carro. ㅡ avisou antes de ir.
A garota outra vez enxugou as lágrimas, desta vez, sentindo o modo em como seu pai proferiu as palavras e agiu logo após ver seu machucado, pesar.
Engoliu em seco com medo de que seus pais brigassem por causa de si, e tratou de retirar o uniforme escolar que ainda vestia.
Pôs uma calça folgada de moletom e uma camisa larga e longa. Lavou o rosto do modo em que não ficou aparente o seu recente choro e penteou os cabelos para trás, prendendo-os em um rabo de cavalo alto, respirando fundo quando se olhou no espelho.
Assim que pronta, Lucy reuniu toda a sua coragem e desceu. A cada degrau que seguia, seu coração acelerava. Ouviu as vozes de seus pais virem da cozinha, mas quando desceu o último degrau, o silêncio foi que reinou.
Era possível ver que ambos estavam de pé perto do balcão. Jungso olhava duro para Sun-ha e a mesma o encarava de volta, com o nariz arrebitado e os olhos vermelhos.
Lucy viu sua mãe encará-la e sem saber como agir, apenas respirou fundo.
Jungso então buscou suas chaves, indo para a garagem, e assim que saiu da cozinha e passou por Lucy, Sun-ha subiu para seu quarto em silêncio.
Ela passou por Lucy e sequer a olhou.
ㅡ Vamos. ㅡ Jungso retornou para chamá-la. Lucy rumou para a garagem também e sorriu quando seu pai abriu a porta do carro para si.
ㅡ Voltamos ao tempo de criança. ㅡ ele disse brincando enquanto prendia o cinto de segurança na filha.
Lucy riu, descontraindo-se um pouco, e esperou para que seu pai adentra-se e senta-se em seu lugar para dizer-lhe:
ㅡ Obrigada papai.
O homem apenas a olhou e riu. Demorou-se alguns segundos no feito, mas logo deu partida em seu carro e rumou para o hospital.