Capítulo 12
2438palavras
2023-02-05 08:01
Parecia rotina para Lucy correr contra o vento com seus cabelos balançando. Vezes aquilo a fazia se sentir livre, solta, mas naquela manhã, tudo o que ela sentia era raiva. Retirava-os de modo ligeiro da frente de seus olhos enquanto corria, e via os mesmos voltarem ao lugar sem o mínimo esforço.
E Park ria, ao longe, enquanto segurava com apenas uma mão a porta do ônibus aberta, a fim de fazer o motorista esperar pela garota.
ㅡ Anda. ㅡ gritou Ryeon.

Lucy segurou com mais firmeza os livros em seus braços e sorriu, aproximando-se completamente desengonçada.
E quando finalmente chegou ao ônibus, a garota subiu sem esperar um segundo a mais.
ㅡ Obrigada. ㅡ disse a Ryeon.
O outro sorriu, retirando seu ticket para a passagem, enquanto ela depositava suas moedas na caixa distinta.
ㅡ Perdeu seu cartão? ㅡ perguntou Ryeon, já a seguindo.
ㅡ Não. ㅡ respondeu-o sentando-se. ㅡ mas esqueci-o sobre a mesa, não dava tempo de voltar, acabei usando o dinheiro para o lanche.

ㅡ E ficará sem comer?
Lucy deu de ombros. ㅡ Eu aguento.
Ryeon franziu o cenho. Não iria permitir aquilo.
Então disse: ㅡ você come comigo hoje.

A garota olhou rápido, mas o park logo foi negando.
ㅡ Não adianta falar nada, está decidido.
ㅡ E desde quando você decide algo por mim? ㅡ provocou Lucy, olhando bem para a face do outro.
ㅡ Desde o dia em que você e eu nos beijamos por minutos.
Lucy abriu os olhos rapidamente, olhando ao redor para ver se alguém ouvia e os olhava.
ㅡ Shh, quer falar baixo?
Ryeon sorriu. ㅡ Estou mentindo?
E como já de costume quando estava com Ryeon, a garota sentiu suas bochechas queimarem como brasa.
Ainda era inacreditável para ela que Ryeon estava tão tranquilo com tudo o que havia contado, e tampouco se importado consigo enquanto os beijos rolavam.
ㅡ Não fale disso assim.
ㅡ Não vejo problema nenhum. Eu gosto de você, e... Eu beijei você. Qual o problema?
ㅡ Você sabe qual é, Ryeon. ㅡ respondeu baixo, desviando o olhar. ㅡ As pessoas repudiam isso.
ㅡ As pessoas são tolas e preconceituosas. E outra, sou eu e você, o que elas têm a ver?
Lucy não respondeu, apenas ficou em silêncio e viu o tempo passar.
Mas Ryeon ainda a olhava, e sentia dentro de si, a curiosidade aflorar a cada segundo.
ㅡ Alguém da sua família... Quer dizer, o seu pai sabe sobre isso?
E desta vez a garota teve que encará-lo, e fez tão rápido e sem delicadezas que Ryeon entendeu a resposta no mesmo segundo.
Porém não se calou.
ㅡ Você não pode esconder quem é.
ㅡ Eu decido isso.
ㅡ Você já decidiu. ㅡ Ryeon a corrigiu. ㅡ Se não, porque teria me contado? Você tem apenas medo de tudo, não é?
ㅡ Os meus pais não são a sua mãe, Ryeon. Eles não entenderiam.
ㅡ O tio Jungso entenderia sim. Aliás, ele sabe sobre nós.
ㅡ Nós? ㅡ E outra vez estava Lucy com seus olhos arregalados. ㅡ Não existe nós, Ryeon.
Não queria ser rude, mas era a verdade.
ㅡ Eu quero dizer sobre o sentimento... ㅡ corrigiu-se. ㅡ ele me disse que nos apoia, e que quer você bem. Apenas bem.
ㅡ Quando ele disse isso?
ㅡ No dia que você me contou quem realmente era. No hospital...
Lucy negou, suspirando, enfadada.
ㅡ Ele acha que sou gay, Ryeon... Mas eu não sou. E eu tenho certeza de que ter um filho gay é diferente de ter uma filha trans. Meu pai idealizou o Woojin sendo gay. E ok, acho que seria mais fácil para ele se fosse aceitar algo, mas minha mãe idolatra o filho e quer vê-lo casado e lhe dando netos... Como eu falo que esse filho que eles pensam ter, não existe? É complicado.
ㅡ Eu imagino que seja, mas, você é você. Viverá para sempre às escondidas? ㅡ olhou-a de modo sério. ㅡ Você precisa entender que não é aceitar, é respeitar. Sua mãe continuará sendo sua mãe mesmo que ela diga o contrário. O mesmo para o seu pai. Você só precisa falar.
ㅡ Você não entende nada Ryeon. ㅡ falou dura. ㅡ não é você na situação...
ㅡ Não, tem razão. Mas é você.
O silêncio pairou, mas Lucy ainda se sentia inquieta. Sentia o peito amassar-se com força, não queria falar sobre aquilo ainda.
Porém, foi inevitável não ouvir Ryeon finalizar o assunto com uma simples frase:
ㅡ E você é perfeita assim.
Erguendo-se para enfim saírem do ônibus, a garota carregou consigo o dito de Ryeon. Sentia o peso da frase porque, de fato, ela era perfeita como era. Não tinha como mudar, mas ainda sentia o frio rotineiro na barriga só de pensar em enfrentar Jeon Sun-ha.
ㅡ Bom dia. ㅡ Ouviu Jaesun exclamar alto, aproximando-se tão alegre às sete da manhã que dava enjoo.
ㅡ Dia porque ainda não está bom. ㅡ respondeu-o amarga.
ㅡ Aigoo. ㅡ Jaesun abraçou-a pelo pescoço, ainda sorrindo demais. ㅡ o que houve?
ㅡ Ela não quer me beijar. ㅡ disse Ryeon.
Outra vez a garota abriu seus olhos, mas apenas viu o sorriso sacana de park Ryeon dançar. Ele acenou já se afastando, e deixou-a completamente sozinha com o ajudante do diabo.
ㅡ Que conversa de beijar é essa?
ㅡ Aish, não me amola a essa hora.
ㅡ Nada disso, anda, conta! ㅡ seguiu-a ligeiro. ㅡ Vocês se beijaram mais?
ㅡ Mais ou menos. ㅡ falou parando em seu armário. ㅡ Digamos que por um filme inteiro.
ㅡ Onde?
ㅡ No quarto dele. Mas, por favor, não me pergunte se teve mão, ou língua, isso é constrangedor.
ㅡ Aigoo, também não te conto a noite maravilhosa que tive ontem.
ㅡ Ontem? ㅡ olhou-o juntando seus livros na mochila. ㅡ o que fez? Maratonou riverdale outra vez ou foi Teen Wolf?
O garoto revirou os olhos, segurando-se para não deixar que sua mão escorregasse sem querer e fosse parar na nuca dela num tapa sutil.
Controlou-se e quando lembrou, sorriu.
ㅡ Eu tive um encontro.
Lucy surpreendeu-se, enfim olhando-o com atenção a fim de saber o que de fato ocorreu.
Jaesun mordiscou o lábio inferior, voltando a caminhar pelos corredores rumo à sala de aula.
ㅡ Eu e o Kim. ㅡ sussurrou. ㅡ Era para estudarmos matemática, mas ele ama a natureza, então marcou no parque. Acabou que sequer abrimos os livros, conversamos por horas e sorrimos de coisas em comum que descobrimos ter.
ㅡ Rolou beijo? ㅡ Perguntou curiosa sentando-se.
Jaesun outra vez mordiscou o lábio, mas negou, suspirando apaixonado.
ㅡ Não, mas... Teve uma hora, sabe, que nós estávamos tão, mas tão próximos um do outro que tocamos nossas mãos sem intenção alguma, e quando eu percebi, ele estava olhando-as.
ㅡ Quem diria Jaesun, você está vivendo um romance clichê!
ㅡ Bem que eu queria. ㅡ suspirou outra vez. ㅡ Mark parece ser tão mais que aparenta. Ele é lindo, sabemos, mas... Ele é profundo. É divertido, inteligente, tem covinhas maravilhosas e uma boca que adoraria beijar.
Lucy jamais havia visto seu amigo tão apaixonado e rendido como estava naquela manhã. Sorria, para cada suspiro perdido que ele liberava, porém a cada vez que Jaesun citava as qualidades de Mark para si, Lucy listava mentalmente as qualidades de Ryeon.
ㅡ E poderíamos sair em casais, imagina!
Piscou saindo de seu transe quando ouviu o melhor amigo exclamar.
ㅡ Que casal? ㅡ indagou.
Viu o amigo entortar o rosto, desdenhando de sua fala.
ㅡ Não seja pessimista, podemos sim namorar algum dia as nossas paixões.
Lucy sorriu negando, era óbvio que aquilo era sonhar alto demais. Não gostava de sonhar demais, bastava às vezes que se via livre.
Ser livre e ter Ryeon parecia algo muito além do que ela merecia conquistar. Com certeza, o destino a faria escolher um se pudesse.
Viu Mark adentrar a sala com seu rotineiro óculos de grau no rosto, mas surpreendeu-se quando viu-o passar direto da carteira cujo sempre sentava, sorrindo tímido para Jaesun e sentando ao lado do garoto.
Viu o melhor amigo desejar bom dia ao outro e rapidamente ser respondido. Ambos sorriam à toa, e Lucy sentiu inveja.
ㅡ A gente pode namorar se você quiser.
Revirando os olhos, Lucy encarou Kuan.
ㅡ 'Tá doidão, Kuan?
O garoto sorriu, sentando atrás da garota e acenando para que seu namorado viesse para junto de si.
ㅡ Só dei uma ideia. Você estava sorrindo e babando no trouxão e o nerd juntos.
ㅡ Aigoo, eu só estava achando bonitinho.
ㅡ Bom dia Woojin. ㅡ ouviu Daniel lhe desejar. Sorriu, ajeitando a postura sobre a cadeira.
ㅡ Você aceita poliamor? ㅡ ouviu Kuan perguntar a Daniel e revirou os olhos.
O garoto não respondeu, apenas riu e levou na brincadeira. Lucy agradeceu, pois haviam se passado apenas dez minutos de sua chegada à escola, e metade de sua paciência já havia se esvaído.
Viu Ryeon adentrar a sala de aula junto ao professor. Conversavam juntos e apenas ficou o apreciando.
Com certeza estava com cara de boba, mas o que mais Lucy era além de boba por Ryeon?
O garoto despediu-se do homem e caminhou até onde ela estava. Sentou-se na frente e virou-se apenas para olhá-la e dizer:
ㅡ Podemos conversar no intervalo?
A garota assentiu, sentindo levemente um medo pela pergunta, mas buscando seu livro para seguir as instruções que eram dadas pelo homem à frente.
Ouviu o professor ditar a página que iriam estudar aquela manhã e abriu-a sem prestar tanta atenção.
Os beijos de Ryeon pareciam ainda pesar em seus lábios, mas a pergunta girava em sua mente.
Provavelmente Ryeon iria pedir para que ela não comentasse sobre o ocorrido com ninguém, já esperava por aquilo mesmo.
Então tentou ao máximo prestar atenção ao assunto, já que era importante para o rumo que daria em seu futuro. Atentou-se a cada palavra e explicação dada pelo professor e não mediu esforço para compreendê-lo e fazer suas anotações necessárias.
Quando enfim o intervalo soou, Lucy viu todos erguerem-se para sair da sala - inclusive Jaesun e Mark - e aguardou para retirar-se junto a Ryeon.
Porém, um a um saiu da sala, e quando somente havia eles ali, a garota viu Ryeon buscar dois sanduíches da bolsa e puxar sua cadeira para o lado de seu corpo.
Ergueu um dos sanduíches, sorrindo quando disse:
ㅡ É de Pasta de amendoim, sei que curte.
Aceitou sentindo rapidamente a boca salivar, de fato era o seu favorito.
Mordeu-o vendo Ryeon fazer o mesmo, e sorriu ao sentir a boca ficar pegajosa com a pasta ali.
ㅡ O que quer falar? ㅡ perguntou a Ryeon.
O garoto mordeu devagar o pedaço que tinha de sanduíche em sua boca, e quando o engoliu, olhou-a por segundos em silêncio.
ㅡ Você quer ir embora, não é? ㅡ perguntou-a. ㅡ Seul?
Lucy demorou alguns segundos assimilando a pergunta, mas assentiu, assim que a compreendeu.
ㅡ Faculdade.
ㅡ O que quer fazer? ㅡ Ryeon repousou sobre a cadeira olhando-a.
A garota deu de ombros. ㅡ Ainda estou pensando...
ㅡ Mas, como quer ir a uma faculdade sem saber o que cursar?
Outra vez ela deu de ombros, encostando-se melhor também.
ㅡ Eu só pensei em ir Ryeon, só isso.
ㅡ Então... Não pretende voltar depois?
ㅡ Acho que depois que terminar o curso, eu volte. Mas espero ter oportunidades boas lá. Uma cidade nova cujo ninguém me conhece deve ter suas vantagens.
Ryeon assentiu, entendendo os pontos da garota.
ㅡ Estive conversando com o professor, ele disse que há um encontro semanal com alunos que pretendem ir à faculdade. Me convidou e então eu falei de você. Você quer ir comigo?
ㅡ Um grupo de estudos?
ㅡ Basicamente.
ㅡ Eu adoraria. ㅡ sorriu. ㅡ Estou estudando tanto que quase estou louca. ㅡ brincou. ㅡ Tudo que preciso é conseguir passar na faculdade de Seul.
ㅡ Também pretendo cursar faculdade no próximo semestre, mas... Aqui, em Busan. Não quero ter de deixar a mamãe sozinha.
ㅡ Eu te entendo. ㅡ Lucy sorriu. ㅡ eu já pensei muito nos meus pais também, mas, eu não posso ficar aqui. Preciso ao menos tentar.
Ryeon mordeu outra vez seu sanduíche, sorrindo, sentindo orgulho da garota à sua frente.
ㅡ Espero que consiga.
ㅡ Eu também. ㅡ sorriu com a boca cheia. ㅡ você também oppa, espero que consiga.
Ryeon sorriu ainda mais ao escutar a garota lhe chamar por um modo tão íntimo e fofo. Aproximou-se sorrateiramente e tocou-lhe sobre uma mecha solta à frente de sua bochecha.
ㅡ Seu cabelo está cada dia mais bonito.
Lucy sorriu tímida, ajeitando uma mecha para trás da orelha.
ㅡ Obrigada.
ㅡ Pretende deixá-lo maior?
Lucy outra vez mexeu nos fios, balançando-os sutilmente e vendo que já batiam em seus ombros.
ㅡ Acho que sim.
ㅡ Você ficará tão linda...
A garota sentiu a sutil mudança no tom de Ryeon, e abaixou os olhos ao morder mais uma vez seu lanche.
ㅡ Vem ao baile comigo.
O pedido inusitado de Ryeon a fez encará-lo. Já haviam tido aquela conversa, não tinha mais cabimento retomá-la.
Mas Lucy sentiu o nervosismo quando ouviu Ryeon completar sua frase.
ㅡ Como meu par. ㅡ disse, aproximando-se mais e fazendo seus joelhos tocarem. ㅡ Eu quero te levar ao baile e quero dançar com você.
Lucy olhava dentro dos olhos de Ryeon, e sorriu quando suspirou mais uma vez.
ㅡ Não podemos.
ㅡ E por que não?
ㅡ Porque eu sou uma garota que não pode usar um vestido. E eu quero usar um vestido.
ㅡ Então use-o. Faça o que quer, só... Me dê essa honra. Por favor...
ㅡ Você é tão louco Ryeon... ㅡ a garota finalizou rindo e mordendo o último pedaço de seu sanduíche. Viu Ryeon ainda olha-lá e morder o último pedaço do seu também. ㅡ Não posso usar o que quero, pois serei chamada de aberração e eu não sou, e isso me machucaria... Prefiro ficar quieta, deixar para ser quem sou dentro de meu quarto sozinha.
Ryeon sentia a dor que cada palavra daquela trazia no ar e sentia a amargura de não poder fazer nada.
ㅡ Eu te chamaria de linda. ㅡ sorriu tocando sutilmente em sua mão. ㅡ De flor. Até mesmo de docinho. ㅡ riu. ㅡ mas nunca te chamaria de aberração.
ㅡ Você é um, contra milhares, oppa. Não dá para impedir.
Ainda tinha o carinho sobre a mão da garota e sentiu quando as mãos se juntaram. Lucy olhava para ambas e sentia o alívio momentâneo que aquilo trazia a si.
Queria poder sentir aquilo todos os dias.