Capítulo 10
2075palavras
2023-03-25 10:00
Antônio
Às vezes eu achava que vivia em uma realidade paralela ao dos meus irmãos, eles sempre tinham algo irritante que poderia ser resolvido facilmente, mas faziam disso uma tempestade tão grande que me irritava.
— André? — chamei a atenção do meu irmão do meio que já veio em minha direção. — Conseguiu conversar com sua esposa sobre ficarem um tempo no norte para novos contatos?

— Bom, sobre isso... — o olhei com raiva, eu sabia o quanto ele postergava isso.
—Você não falou e nem vai — terminei sua frase.
— Você sabe como ela é, sabe que não é tão fácil assim, Margareth também não era. — Era diferente.
— Então vou contratar outra pessoa para ir em seu lugar.
— Não vai não. Eu sou responsável pelo setor de compras, eu sei o que estamos procurando.
— Não vai ficar 6 meses fora do nosso radar e deixar Lana aqui sozinha.

— Ela não se importa. — Seu semblante abatido mexeu comigo.
— O que acontece entre vocês?
— Nada, não acontece nada. Cuide da sua vida, Antônio. Você não manda em tudo como pensa, vou conversar com nosso pai e deixar claro que eu farei essa viagem, você querendo ou não — ele só não gritou porque havia, funcionários perto de nós. O encarei sério para ele entender que eu não estava brincando.
— Vamos ver então — o desafiei e ele se irritou ainda mais.

— Vá arranjar uma mulher para se afundar e deixe minha vida fora das suas frustrações. — Seu olhar mortal era tudo que eu precisava para querer um embate com ele.
— Acho que posso te dizer o mesmo. — Levantei minha sobrancelha.
— Você não sabe do que está falando — seu nariz estava tão perto do meu que eu tinha certeza que mais uma palavra e ele me esmurraria.
— Parem agora com isso — Álvaro se meteu entre nós dois. Ele sendo mais alto conseguiu dificultar que um encarasse o outro. — O que deu em vocês, brigando na frente dos funcionários? — Eu não estava no meu melhor momento — Vamos para o escritório, conversar como pessoas civilizadas que eu sei que vocês são.
— Não tenho tanta certeza disso — bufei — Não tenho mais nada a fazer aqui, vou embora e vocês que resolvam tudo — sai de perto de meus irmãos.
— Você é um covarde, se escondendo atrás da morte de sua esposa e querendo me dar lição de moral — eu parei por um segundo e pensei em responder, mas não o fiz, eu precisava sair dali o quanto antes. Tudo parecia piorar a cada minuto e ao invés de te tentar resolver eu só queria esmurrar e isso era uma coisa que não fazia parte de mim.
Entrei no carro e bati a porta com toda a força que eu tive, meu sangue estava borbulhando e a ira podia ser vista em meus olhos.
— Sergio, me leve ao Bar da Gisele — ele apenas me olhou, mas não questionou meu comando, não seria bom se tivesse feito.
Acho que ouvir André falando de minha falecida esposa me deu uma real noção do que eu estava fazendo com minha vida, focado em apenas ficar em casa com Otávio, sofrendo só Deus sabe por que e evitando sentir falta de Margareth.
Ainda era 16h e eu sabia que não haveria quase ninguém lá, o que era bom, eu não precisava de ninguém me fiscalizando, eu tinha tudo sobre controle.
— O que vai querer hoje, bonitão? — A atendente do bar sorriu sedutoramente para mim.
— Um whisky duplo — falei e ela confirmou. — Obrigado — olhei em volta e os poucos que tinham já estavam em seus próprios mundos.
Assim que ela me serviu, virei o copo, sentindo a queimação tomar conta da minha garganta, me sufocando.
— Mande mais um, na verdade me dê a garrafa toda — falei e ela concordou.
A cada copo eu sentia meu copo se anestesiar, sentia as preocupações me abandonarem, sentia tudo sumir e apenas a bebida se infiltrar em minha pele. Eu precisava disso, desse momento em paz.
Tudo parecia calmo agora, nada mais era urgente ou dependia de mim, nada.
Agora tudo o que eu precisava era da distração final e ela estava bem a minha frente de bandeja.
— Moça, ei moça? — chamei a atendente que continuava me olhando de forma atrevida.
— Deseja mais alguma coisa? — vi ela se inclinar em minha direção.
— O que mais você tem a oferecer? — vi seu sorriso se alargar. Algo dentro de mim queria se rebelar, mas a bebida me entorpeceu a tal ponto de eu não fazer questão de me lembrar de mais nada e nem ninguém.
Ninguém.
Rose
Acordei assustada com os barulhos que ouvi no corredor. Já era tarde e eu sabia que Antônio ainda não tinha chegado em casa quando eu fui dormir. Dei uma olhada em Otávio enquanto vestia o meu roupão e fui até o corredor.
— O que aconteceu? — corri para ajudar Sérgio que tentava subir as escadas carregando Antônio.
— Ele não teve um bom dia — ele se resumiu a isso.
— Mas ele está bem? — eu podia ver sua camisa semiaberta, seu rosto cheio de arranhões.
— Amanhã ele vai se arrepender mortalmente do dia de hoje. — Abri a porta de seu quarto e o colocamos na cama. — Quer que eu chame alguém para te ajudar com ele?
— Eu não sei se pretendo fazer alguma coisa — em um estalo, os momentos de meu pai chegando arrastado voltaram a minha mente. Como ele queria que nós cuidássemos dele após as noites de farra. E isso era uma coisa que eu nunca esperei de Antônio.
— Então tudo bem, amanhã ele estará mais irritado que o normal, nunca o vi nessas condições. — Então porque tinha acontecido justo agora.
— Pode ir Sérgio, meu quarto é aqui do lado, qualquer coisa eu venho socorrê-lo.
— Obrigado, Rose. Já passou muito da minha hora, minha esposa deve estar preocupada. — Confirmei com a cabeça e o vi sair do quarto. Voltei a analisar Antônio que estava desmaiado na cama. Me aproximei e tirei seus sapatos para deixá-lo mais a vontade, não que ele merecesse.
— O que você acha que está fazendo, seu irresponsável? — briguei sabendo que ele não me ouviria. — E eu achando que você estava atolado de serviço. Não, você foi para a farra e pelo visto foi muito boa — eu identificava que as marcas em seu rosto, se espalhavam pelo pescoço e a parte do tórax que aparecia. Alguma mulher selvagem tinha feito um bom serviço.
Eu não sabia o que fazer, mas para mim suas roupas estavam apertadas demais e terminei de abrir os botões de sua camisa e a tirei com dificuldade tendo que empurrá-lo de um lado para o outro para passar os braços.
Eu não queria observá-lo tanto quanto estava, meus olhos pareciam não querer desgrudar dele e mesmo eu sabendo que era pecado e que eu não deveria, eu não conseguia evitar. Minha boca secou quando vi uma marca de batom bem perto do cós de sua calça.
— Eu odeio o que você está se tornando, Antônio — sussurrei e tentei tirar o seu cinto, contudo sua mão agarrou a minha e quando o olhei seus olhos me fitavam.
— Rose... — sua voz estava baixa e embriagada.
— Me solte, estou apenas te ajudando, não farei nada — puxei meu braço, mas ele não soltou, ao contrário, ele me trouxe para mais perto.
— Eu estou sonhando? — seu hálito de bebida estava me deixando tonta. Eu queria sair correndo dali o quanto antes.
— Você está no seu quarto, senhor, me solte, por favor — ele afrouxou o aperto e consegui puxar minha mão.
— Por que ela me pediu isso, Rose, por quê?
— Quem, senhor? — eu não estava entendendo nada do que ele falava.
— Margareth, ela fodeu com a minha vida e ela nem está aqui para assistir — o olhei assustada. — Ela não podia ter me feito aquele pedido, se ela me amava, ela não podia — eu quis me aproximar, mas fiquei com medo dele me agarrar de novo.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor? — ele pareceu me procurar pelo quarto.
— Rose?
— Sim...
— Me diga uma forma de quebrar essa promessa sem me sentir um idiota.
— Eu não sei dizer.. — eu realmente não sabia. Ele amou a esposa como um louco, fez tudo o que pode por ela, mas agora permanecia amarrado por uma promessa que ele não queria quebrar.
— Então nunca haverá paz — ele se virou para o lado dando as costas para mim, em poucos minutos sua respiração ficou mais forte e percebi que ele acabará de voltar para o mundo dos sonhos.
Sai do quarto pensando em tudo o que ele tinha falado, ninguém é tão perfeito quanto a gente acha. Todos temos nossos demônios à espreita, só esperando o momento certo de subirem a superfície e nos arrastarem para a destruição do nosso ser.
Não preguei mais os olhos aquela noite, eu só conseguia repassar a conversa sem sentido que tinha tido com ele. Eu realmente queria que ele me dissesse tudo. Eu sabia da promessa, que ela não queria que existisse mais ninguém na vida dos dois, mas o que isso tinha a ver com o momento presente. O que Antônio estava querendo dizer com não haveria paz?
Levantei-me com o cantar do galo, coloquei minha roupa e fui direto para a cozinha, tudo indicava que Antônio acordaria com uma ressaca das bravas e quando visse o próprio rosto, ficaria louco de ódio. Não sei se gostaria de estar perto quando isso acontecesse.
Separei os ingredientes que eu sempre usava para preparar um antirressaca poderoso quando meu pai chegava no mesmo estado e esperei que não estivesse esquecendo de nada. Fiz a sopa que minha mãe me ensinou e a deixei ferver.
— Bom dia, Rose, cozinhando tão cedo? — Bianca entrou na cozinha amarrando seu avental na cintura.
— O patrão foi para a noitada ontem, prevejo tempestades e tornados para hoje — ela arregalou os olhos.
— Ele nunca foi de noitadas, a senhora Margareth nunca gostou.
— Mas ela não está mais aqui, está? — olhei para ela que negou com a cabeça. — Não comente nada, seu humor vai estar tão sombrio quanto a noite mais fria do inverno. Não subam ao andar superior, qualquer barulho pode desencadear a tormenta.
— Como sabe de tudo isso? — ela me olhou com curiosidade.
— Meu pai é alcoólatra, ou era, não sei que fim teve — dei de ombros — Eu e minhas irmãs sempre evitávamos qualquer contato quando ele chegava assim, era mais fácil não irritar quem já estava fora de controle.
— Sinto muito.
— Não sinta, foi escolha dele, assim como é escolha do sr. Campos, levar essa vida. Não me importo — Luana entrou e viu que nós duas estávamos sérias — Desde que ele não afete Otávio, ele que faça da vida dele o que ele bem entender.
— Você está brava. —Luana falou por fim.
— Não tenho boas lembranças de situações como essa. — As duas concordaram e se calaram. — Preparem um café preto do jeito que ele gosta, sem nada de açúcar, também é um ótimo remédio.
— Sim, senhorita — preparamos tudo e os coloquei em uma bandeja para levar até seu quarto.
Subi as escadas respirando fundo e bati devagar na porta, tudo para evitar que isso o deixasse ainda mais irritado.
— Senhor, posso entrar? — falei audível. Um gemido de dor foi apenas o que escutei, abri a porta devagar. — Sr. Campos, eu estou entrando.
— Sai daqui, Rosely — ele falou colocando um travesseiro no rosto. Fui até a mesinha que ficava em seu quarto e depositei a bandeja.
— Fiz uma sopa que irá ajudar a curar a ressaca e uma café preto que também ajudará com a sensação ruim que está sentindo. — Ele gemeu como se minha voz fosse alta demais. — Se precisar de qualquer coisa é só me chamar. — Sai sem saber o que ele faria a partir dali.