Capítulo 85
981palavras
2023-01-29 08:30
O que eu poderia dizer a ele? Que não concordava? Que aquilo não era da nossa conta? Nós havíamos tomado aquele problema como se fosse nosso, e agora tínhamos que ir até o final.
— Depois, - ele continuou – eu e você precisamos conversar sobre a adoção da Morgana.
Fodeu a tabaca de chola, eu pensei.
— Você sabe que as nossas famílias são totalmente contra isso, não é? – eu perguntei, com o meu coração já aflito com essa possibilidade.
— Eu só quero saber se você será a favor – disse, mas não esperava que eu respondesse, assim tão facilmente – na hora certa vamos decidir isso juntos.
— Tudo bem? – engoli a seco e sorri para ele – e quando você vai ver o Bernardo?
— Hoje à tarde – respondeu – parece que ele vai ser transferido junto com o Fernandinho para o presídio federal de Pernambuco amanhã cedo.
— Mas que diacho! – meu coração se apertou – não há nada que possamos fazer por ele?
— Além de cuidar da Morgana? – falou, como se já tivesse decidido sobre aquilo – torcer para que o juiz concorde com o tratamento do alcoolismo.
Fiquei pensando naquilo e quanto mais eu pensava mais minha cabeça dava um nó. Era uma tragédia pior do que a outra, mas eu queria apenas focar em mim e no Allan. Aproveitar cada minuto da minha vida ao lado dele. Me preocupei apenas com meu vestido de noiva, com os preparativos do meu casamento, mas a todo momento um problema novo aparecia e fisgava o Allan para longe de mim.
— Desculpe interromper os pombinhos – Betânia veio de mansinho que eu nem percebi a presença da tamborete de zona chegando – mas eu posso ter um dedinho de prosa com você, Charlote?
— Claro que pode – Allan respondeu com ironia – quer também que eu lhes traga uma xícara de café?
— Não carece – ela fez cara de deboche – pegando o beco já está de bom tamanho.
— Eu gosto da sua sinceridade, Betânia – Allan, me deu um último beijo e partiu.
Betânia só abriu a boca depois que o Allan desapareceu do raio da nossa visão. Ela parecia nervosa e com pressa de contar tudo que queria.
— Eu fui visitar o Fernandinho – falou.
— Mas isso eu já sei – fiquei confusa.
— Deixe de leseira, Charlote – ela parecia arretada – não me lembro de ter te contado o que conversamos.
— E eu nem sei se quero saber, visse – confessei – Quero esquecer que um dia o Fernandinho existiu.
— Você tinha que ver a frieza daquele cabra safado, quando eu contei sobre a Emília.
— Você não tinha que ter contado nada, Betânia.
— Oxente! – cruzou os braços – por que não? Ele estava seguro de si, que o Allan havia morrido.
— Como ele conseguiu me enganar por tanto tempo? – me culpei e sentir o remorso me corroer por dentro.
— A pois – ela também parecia bem ressentida – não foi só a você que ele enganou. Eu fui lá acreditando que ainda havia salvação para ele, visse. Mas não há.
— Não foi por falta de aviso – eu disse – mas ficou a lição e espero que você se lembre dela pelo resto da sua vida.
— Nessa confusão toda, o Allan nem foi na delegacia denunciar ele como o mandante – ela dizia e eu nem havia me dado conta desse detalhe – então eu aproveitei o momento, e eu mesma fiz a denúncia.
Diacho, Betânia – fiquei assustada – pode haver retaliação. Já que o assassino da Emília continua solto por aí.
— E a gente vai deixar o Fernandinho não pagar pelo que fez? – perguntou, mas não esperou a resposta – a gente não pode viver o resto da vida com medo.
Eu olhava para ela, mas não concordava porque não conseguia raciocinar direito. Parecia um pesadelo que nunca tinha fim. Eu sentia saudades do tempo em que Fernando de Noronha era um paraíso tropical, onde podíamos andar tranquilamente pelas ruas sem medo de levar um tiro a qualquer momento.
— Além do mais – ela continuava tagarelando – Noronha é uma ilha. Não é tão difícil encontrar um assassino por aí.
— Ele, com toda a certeza, pegou o primeiro voo e fugiu.
— Não seja tão inocente, Charlote – ela queria mesmo era me chamar de burra – A polícia sabe quem ele é. Não tem como ele fugir daqui sem ser reconhecido.
— Fodeu a tabaca de chola – fechei os olhos com força tentando afastar qualquer pensamento que tivesse o Allan em perigo – acha que devemos adiar o casamento?
— De jeito maneira – discordou – você vai se casar com o Allan, nem que para isso eu mesma tenha que ir até o quinto dos infernos atrás do infeliz desse assassino.
Betânia não teria coragem. Ele era língua solta, mas não era louca ao ponto de fazer aquilo. Ainda assim, eu fiquei aflita com as possibilidades que rondavam meus pensamentos. Aquele homem podia muito bem querer tentar matar o Allan novamente, e dessa vez não teria a Emília para salvá-lo.
— Seu Chico fez café – ela disse, me chamando de volta à realidade – consigo sentir o cheiro daqui.
— Não comente nada com Mainha, nem com alguém sobre o que conversamos.
Eu alertei Betânia.
— Não sou mexeriqueira, visse – virou as costas e começou a atravessar para o outro lado do corredor que dava acesso a cozinha – eu preciso tomar o café do seu Chico urgentemente.
Vi a Betânia entrar pela porta da cozinha, mas eu não conseguia relaxar. Aquele assunto martelou na minha mente o dia inteiro, não me permitindo participar dos preparativos do meu próprio casamento.