Capítulo 83
552palavras
2023-01-28 08:00
Conseguimos a liberação do corpo e peguei todas as minhas economias para conseguir levar o corpo dela de volta até Noronha. Paguei a funerária, preparei a sala da minha própria casa para recebê-la e ofereci a ela um último adeus.
A família do Bernardo, já sabendo da notícia, nem sequer apareceu por lá. Eu podia entender o ressentimento deles contra ela, por ter quase destruído a vida do Bernardo, mas se Charlote, a qual havia sido a maior vítima das maldades da Emília, estava lá, dando um último adeus, porque eles também não poderiam? Talvez porque Charlote era um ser humano raro, de um coração nobre. Mas esperar o que de pessoas assim, nem o Bernardo eles haviam ido visitar, imagine então chorar pela morte da Emília.
Todos que estavam lá comigo no dia da tragédia estavam abalados, atônitos. Quem imaginaria que um dia nós, que tanto brincávamos pelo arquipélago, felizes e sem preocupações, teríamos uma vida marcada pela mesma tragédia? Não dava para apagar o passado ou mudar o que aconteceu, mas eu podia escrever o futuro e ainda havia pessoas nessa história que precisavam da minha ajuda.

— O Bernardo já sabe? – Betânia se aproximou, sussurrando. Ela também parecia bem triste.
— Ainda não – respondi – eu mesmo vou contar isso a ele.
— Mas que diacho, Allan – ela pareceu não concordar – você até parece a Charlote, querendo resolver a vida de todo mundo.
— Emília morreu, tentando me salvar – falei – e você é a menos indicada para me dar sermões, já que foi lá visitar o treloso do Fernandinho.
— Não me lembre disso, visse – ficou arretada – mas valeu a pena. Eu pude olhar nos olhos daquele infeliz da costa oca e enxergar de vez o cavalo do cão que ele sempre foi.
— Antes tarde do que nunca, não é mesmo?

— A pois – ela sorriu, concordando – mas essa é uma conversa que teremos depois, visse. Se quiser posso ir com você ver o Bernardo.
— Não sei se você me ajudaria muito.
— Oxente – sussurrou, porque parecia que todos na sala observavam a gente – eu tenho uma vaga experiência com tipos iguais a ele. Sei como conduzir a conversa.
— Você é engraçada, Betânia – eu rir – me parece ser bom ter uma companhia.

— Eu gosto de você, Allan – ela confessou – apesar de eu te achar uma cabra frouxa demais, visse.
Eu até pensei em perguntar a ela o porquê de uma percepção tão equivocada sobre mim, mas não tive tempo. O carro da funerária estacionou em frente a casa e levamos o caixão até ele. Logo estávamos no cemitério, colocando o corpo da Emília dentro do caixão em um buraco frio e vazio. Tantos sonhos sendo enterrados, uma vida inteira pela frente. Eu joguei um punhado de terra sobre o caixão antes dela ser enterrada. Todos estavam tristes. Pessoas que nem fizeram parte da vida da Emília estavam lá para se despedir dela, outras que haviam sido tão afetadas pela arrogância da patricinha de Noronha, também estavam lá para dar o último adeus. Porque a vida passa rápido demais para perdemos tempo com brigas desnecessárias e rancor que só nos fazem mal. Sábios de quem aprende essa lição.
Adeus, Emília.