Capítulo 65
1036palavras
2023-01-18 21:57
Eu me arrumava para sair quando Mainha entrou no que era meu antigo quarto. Já era tarde da noite e nós conseguimos fazer toda a mudança a tempo de escurecer.
— Vai para onde, meu filho? – ela sentou-se na cama sem forro.
— Os rapazes prepararam uma festa de despedida para mim – eu terminava de amarrar o cadarço e falava sem olhar para ela – não se aperreie, não vou me demorar.
— Então você está mesmo decidido voltar para São Paulo? – eu lancei o olhar até ela, ajeitei o corpo e vi uma tristeza enorme nos olhos de Mainha.
— Decidir decidido, ainda não – respondi, com o coração acochado – Seu Agenor pediu para eu voltar amanhã mesmo.
— Mas assim, tão depressa?
Ela não queria que eu partisse, ninguém em Noronha queria, nem eu mesmo. Mas eu ainda tinha um emprego em São Paulo, tinha coisas a resolver lá. Era uma decisão difícil de ser tomada. Que diacho, eu não sabia o que dizer nem pra Mainha, imagine para o resto das pessoas.
— São coisas da empresa – me levantei, eu não queria prolongar aquela conversa – prometo não me demorar.
Dei um beijo no rosto dela, me despedindo e encerrando o assunto. Eu já ia caminhando para fora, apressado, descendo as escadas, quando ela voltou a falar:
— Tenha cuidado, Allan – parei e olhei para ela pela última vez – é perigoso andar por Noronha a noite.
— Não se preocupe – virei as costas e partir.
Lá fora o vento uivava. Não tinha uma alma viva na rua naquela hora. Olhei o relógio e iam dar oito e meia da noite. Enquanto caminhava apressado pelas ruas, fiquei pensando no que Mainha havia dito sobre Noronha ser um lugar perigoso. Quem diria que eu viveria para ouvir uma coisa dessas. Eu cresci no arquipélago e meus pais nunca tiveram nenhuma preocupação em me deixar solto por aí. A gente perambulava pelas praias e ficava por lá até tarde da noite, e nossos pais dormiam tranquilos. Avalie só, que agora depois de moço, eu tenha que escutar Mainha dizer, para tomar cuidado. Pois bem, transformaram o paraíso em um inferno. Os próprios turistas vinham para cá, trazendo o caos das grandes cidades. Jacob morreu por causa da ganância, e quem seria o próximo? Eu torcia para que esse cenário mudasse o mais rápido possível, mas não podia deixar de dar razão a Dona Francisca. Ela era uma mulher sábia e eu também seria esperto se escutasse ela.
Apressei o passo, o vento indicava que uma tempestade se aproximava. Estava indo em direção a casa de Charlote, porque Bentinho era um dos meus convidados para a festa. Eu precisava fazer aquele cabra se divertir um pouco, vê se pode um homão simpático como ele ficar enfurnado dentro de casa?
Foi quando eu passei em frente a árvore, onde Jacob foi morto e um calafrio percorreu todo o meu corpo. Imaginar que ele estava tão perto de casa e não teve a chance de se despedir. Não havia nada ali além das lembranças. Seu Chico retirava qualquer objeto que tivesse a intenção de homenagear o seu filho. Ele não queria criar um santuário sagrado para o filho morto. Aquela árvore não tinha nada de bom para se lembrar, apenas uma tragédia.
Abandonei as lembranças e fui em direção ao portão da casa. A janela do quarto de Charlote estava fechada, mas a luz estava acesa. A janela do quarto dela ficava de frente para a rua. Eu lembro das vezes que a gente conversava dali mesmo. Eu de onde estava agora, na rua com o portão fechado, e ela dentro do quarto com a janela aberta. Minha gordinha favorita, minha melhor amiga, o amor da minha vida. Meu coração saiu do compasso quando empurrei o portão e ele rangeu com um som agoniante. Seu Chico precisava urgentemente arrumar aquele portão. Precisava falar com ele sobre isso. Caminhei até a entrada principal da casa. A porta estava aberta, mas eu ouvia vozes vindo dos fundos, onde ficava a cozinha. O cheiro bom de bolo que invadia o ambiente de dona Lúcia me dava água na boca, visse. Era o melhor bolo de Noronha inteirinha, isso eu não podia negar. Fui caminhando devagar, para não fazer muito barulho, quando a porta da frente bateu com a força do vento, eu me virei rapidamente para olhar, e ter certeza de que era apenas o vento. Quando me virei de volta com a intenção de ir para a cozinha, me choquei com alguém: era Charlote.
Sem intenção alguma eu segurei na cintura dela e nossos rostos ficaram tão perto que eu nem me esforcei para beijá-la. Sua respiração estava acelerada. Seus olhos fixados nos meus. Estávamos abraçados sem nem perceber. Eu queria eternizar aquele momento, mas não deu.
— Oxente! – Dona Lúcia saiu da cozinha aperreada obrigando Charlote se afastar de mim – o que faz aqui a essa hora, Allan?
— Oi, Dona Lucia – meus olhos continuavam fixados nos de Charlote – eu vim buscar o Bentinho.
— Vocês não deveriam ficar andando na rua a essa hora – eu nem tinha reparado que havia dado um susto daqueles em dona Lúcia, quando me virei para olhá-la, estava com a mão no peito, segurando o coração para ele não sair correndo por aí.
— Não se preocupe, Dona Lúcia – falei, sorrindo para ela – A casa do Mateus é bem aqui do lado. Prometo não me demorar e trazer seu filho a salvo para casa.
— Eu sei que vai – então ela olhou para mim daquele jeito que ela olhava antigamente – confio em você. Ainda assim, tome cuidado.
A morte de Jacob trouxe um temor gigantes a todos nós. Parecia que todo mundo tinha medo de sair de casa à noite. Como se bandido escolhesse hora para atacar.
Então dona Lúcia voltou para a cozinha, com a mesma pressa que saiu de lá. Ouvi ela contando para o seu Chico que era eu que havia chegado. Eu devia ir lá cumprimentar ele, mas não conseguir, eu estava preso naquele lugar, sem conseguir tirar os meus olhos de Charlote