Capítulo 63
1402palavras
2023-01-18 21:57
Já faz vinte dias que eu estou de volta a Noronha. Aquele era um dia especial, porque painho e mainha voltariam, enfim, para sua casa, que por anos foi alugada. Fizemos a mudança quando recebi uma mensagem de voz do seu Agenor.
“Olá, Allan. Como estão as coisas por aí, filho? Espero que esteja tudo OK. Eu não quero te apressar, mas a inauguração da nova filial foi adiantada para essa semana e preciso de você aqui para tomar conta de tudo. Se puder voltar amanhã mesmo eu agradeço”
Eu tive que sentar no sofá que ainda estava na calçada em frente a nossa casa, para respirar, enfim. Desde quando cheguei em Noronha que eu tenho pensado em ficar. Eu queria ficar. Mas essa decisão acarretaria em uma onda avassaladora de decepções do outro lado da história. Seu Agenor depositou toda a sua confiança em mim ao me tornar sócio dele. Também tinha Roberta. Eu não contava para ninguém, mas ela me ligava quase todos os dias e estar com ela me fazia bem. Era alguém que me impulsionava a voar mais e mais longe. Que acreditava no meu potencial e que me amava. Eu partiria seu coração.
Que diacho, Allan! Deixe de ser frouxo, cabra.
Então o painho saiu de lá de dentro avexado, reclamando que precisávamos apressar as coisas, mas eu não me movi. E como o vento que muda de direção tão inesperadamente o semblante de seu Natalino também mudou. Ele veio, sentou-se no sofá ao meu lado e calmo falou:
— O que diacho está acontecendo, Allan?
Lancei um olhar para ele e sorri.
— Seu Agenor pediu para que eu voltasse para São Paulo, amanhã – o desânimo era evidente na minha voz – Ele resolveu inaugurar a filial antes do tempo combinado, aí, já sabe.
— A pergunta é – cruzou as pernas, e olhou para a árvore que fazia sombra onde estávamos sentados – você quer voltar?
Olhei para ele, depois olhei para a árvore, depois olhei para o pé dele que balançava e demorei para responder.
—Não quero decepcioná-los – sussurrei – Eu quero ficar, mas não posso.
— Oxente! Não pode por que? – Painho perguntou – Você precisa decidir o que é mais importante para você. Seu emprego em São Paulo, ou Charlote.
Ele foi direto e eu me assustei.
— Noronha pode não ser o paraíso empresarial – ele riu – mas passar necessidades aqui, você não passará. Pode trabalhar no turismo, até mesmo na ONG junto a Charlote. Ou seja, não terá um ótimo salário como tem lá, mas terá a mulher que você ama ao seu lado.
— A pois! – Segurei na mão dele e sorri – Eu não conhecia esse seu lado romântico seu Natalino.
— Deixe de leseira, menino – ele se levantou e ficou avexado de novo – e se aprume logo porque temos muito trabalho para fazer, visse.
E saiu andando para dentro da casa e eu tratei logo de me levantar e carregar aquele sofá para dentro. Enquanto eu empurrava sozinho aquele troço pesado, ouvi uma voz familiar que vinha logo atrás de mim:
— Quer ajuda, Allan?
Olhei para Bentinho que sorria, debaixo daquele sol de lascar. Sua aparência ainda era igual à de quando eu havia ido embora de Noronha, só que agora ele tinha barba e uns braços fortes. Bentinho era o mais calado entre os filhos do seu Chico, mas era inteligente e determinado. Pouca gente em Noronha conhecia ele tão bem quanto eu.
— Oxente! – larguei o sofá que eu empurrava, quer dizer, acho que ele não se moveu nem dez centímetros, e voltei a atenção para o rapaz à minha frente – você deveria está trabalhando. O que faz aqui?
— Hoje é meu dia de folga – sem esperar, sentou-se no sofá, como um convite para que eu sentasse também – painho quase me deixa maluco com a teimosia de que eu tinha que vir aqui ajudar vocês na mudança.
— Você não me parece querer ajudar – sentei ao lado dele no sofá – Já se esticou todo aí.
Rimos, como quando éramos crianças.
— Como está a Charlote? – perguntei, porque fazia alguns dias que não a via.
— Avexada – respondeu – ela não para de pensar na possibilidade de você ir embora novamente.
— Eu também não paro de pensar – meu olhar ficou perdido para além da árvore grande que fazia sombra – tudo o que eu mais quero é ficar aqui.
— E o que te impede?
— Minha palavra – respondi – se é que ela vale de alguma coisa, já que não cumpri a promessa que fiz a Charlote quando partir.
— A pois – me obrigou a olhar em seus olhos – nesse caso cometer o mesmo erro duas vezes, vai ser bom para você.
— Foi ela que pediu para vir aqui me convencer?
— Oxente! – achou graça – Charlote é minha melhor amiga. É estranho para um irmão falar isso, mas confiamos um no outro. Não precisaria ela pedir para que eu viesse aqui. E não é por causa de Charlote que estou aqui.
— Ah, não? – dei um leve empurrão nele – e porque seria então?
— Porque painho não parava de me aperrear – então ele imitou seu Chico e eu não me aguentei, cai na gaitada – mas falando sério agora, eu queria mesmo era matar a saudades do meu amigo, Allan.
—Também senti saudades – as lembranças aparecem como chuva repentina – sinto muito não estar aqui quando vocês mais precisaram.
— Não sei se você ajudaria muito, entende? – ele ficou triste de repente – já não havia mais salvação para Jacob.
— Porque diz isso?
— Eu tentei ajudar ele – abaixou a cabeça e ficou olhando para as mãos que agora estavam suadas – eu tentei de todas as formas, mas não consegui.
— A culpa não foi sua – tentei confortá-lo – é impossível ajudar alguém que não quer ajuda.
— Charlote fala a mesma coisa.
— A Charlote entende melhor do que ninguém sobre isso – sorri para ele, mas resolvi mudar o rumo da nossa prosa – Me conta, como estão as coisas lá no seu emprego?
— Bem, - fez cara de quem comeu, mas não gostou – não quero trabalhar ali para sempre. Que diacho! Às vezes me sinto preso em Noronha, parece que nunca vou conseguir sair daqui.
Eu entendia Bentinho. Era um rapaz novo, cheio de sonhos e projetos e por mais que Fernando de Noronha fosse um paraíso para poucos desfrutarem, ali provavelmente não teria oportunidades para um rapaz como ele.
— Quais são os seus planos para o futuro?
Ele me olhou, azuretado, depois olhou para a árvore e pensou.
— Eu quero fazer uma faculdade – concluiu – quero ser professor ou engenheiro. Mas painho diz não ter condições de pagar uma faculdade para mim, e com o salário que eu ganho é quase impossível.
— Você continua o mesmo Bentinho que eu conheci na infância – ele abriu um sorriso – vivia sonhando em ser piloto de avião. Você se lembra disso?
— A pois, e não era mesmo.
Fiz Bentinho se afogar nas recordações, e foi um mergulho reconfortante.
— Eu posso tentar uma vaga de emprego para você na empresa do seu Agenor.
Os olhos dele brilharam em minha direção.
— Jura, Allan?
— Claro que sim – enchi mais um pouco o balde dos seus sonhos – com o salário que você vai receber lá, dá para pagar uma faculdade a distância, facilmente.
Foi como se eu desse vida a ele de novo. Como se eu tivesse arrancando as algemas da mediocridade.
— Oxente – painho saiu de repente de lá de dentro, olhou para mim com uma expressão de impaciência e pousou as duas mãos na cintura – enquanto eu me mato de trabalhar lá dentro, vocês estão aí de prosa, é? Levante logo daí cabra e venha me ajudar.
Eu e Bentinho nos entreolhamos e caímos na gaitada.
— Avalie só o deboche desses meninos – estava feito um pantel – se aprume logo que eu não tenho dia inteiro não, visse.
Seu Natalino só saiu de lá depois que eu e Bentinho nos levantamos para ajudá-lo na mudança. Levamos o sofá até a sala e nos sentamos novamente.