Capítulo 50
1643palavras
2023-01-18 21:53
— Fernandinho está bem aqui do outro lado da rua conversando com o mesmo homem que eu vi conversando com Bernardo hoje pela manhã.
Fiquei meio segundo com a boca aberta. Então Allan fez um gesto para que eu espiasse. Eu observei o homem entregar um embrulho para Fernandinho. Presumir que seria drogas e fiquei mais aperreada ainda. Olhei para o homem e por alguns segundos tive a impressão de conhecê-lo de algum lugar. Usava um boné encardido, estava sem camiseta, com o short caindo. Aquele short. Imediatamente a cena do homem atirando na cabeça do meu irmão invadiu minha mente. Aquele homem que corria na rua, segurando o short que insistia em cair e que olhou para trás uma única vez. Aquele olhar.
— Aquele homem – impulsionei meu corpo contra o muro enquanto meus olhos inundaram – aquele cabra é o assassino do meu irmão.

— Você se lembrou! – Então Allan observou novamente e novamente e de repente ficou nervoso – Que diacho! Eu vou ligar para a polícia.
Eu deixei meu corpo desabar, enquanto Allan falava com alguém no telefone.
— O que diacho Fernandinho faz com esse assassino? – Me questionei e então me lembrei das vezes que Allan disse que Fernandinho não prestava – Será que ele está envolvido no assassinato de Jacob?
— Charlote, venha cá – então ele segurou nas minhas mãos e me tirou do chão me dando um abraço acochado – Eu chamei a polícia, mas duvido que eles cheguem a tempo.
— Oxente! E o que faremos então?
— Eu vou arrebentar a cara do Fernandinho até ele confessar.

— Aí tu vais preso também – escapei dos braços dele mesmo querendo ficar, e então estiquei minha cabeça por detrás do muro e vir o homem se afastar – Ele está indo embora.
— Não se avexe – ele tentou me acalmar – Agora a gente sabe quem ele é e como encontrá-lo. Nossa conversa agora é com o Fernandinho. Precisamos segurá-lo aqui até a polícia chegar.
Eu entendia toda a cautela que Allan estava tomando de não enfrentar o assassino de Jacob logo de cara. A alma sebosa podia estar armado e atirar nele também.
Observei Allan sair de trás do muro quando percebeu que era seguro prosseguir. Fernandinho caminhava na nossa direção e quando percebeu nossa presença ficou encabulado.

— Oxente! O que faz aqui Charlote?
Ficou acuado. Enfiou o embrulho com tanta pressa no bolso da calça que eu me assustei com o gesto. Olhou para trás. Seu rosto encarnou, o meu também. Naquele momento tudo o que eu conseguia sentir por ele era ódio. Allan apressou o passo e quando já estava perto socou com força o rosto dele. Então Fernandinho caiu feito jaca podre.
— Seu infeliz! – Allan subiu em cima dele. O sol estava fervendo – O que tu fazias com o assassino de Jacob? Fale seu cabra ruim.
— Que diacho é isso? – Vi o medo no seu rosto – Avalie só, não sei do que você está falando, visse.
— Você está querendo enganar quem? – Falei, olhando bem nos seus olhos – eu reconheci aquele homem. Ele é o assassino de Jacob e eu quero saber até onde você está envolvido nisso.
Ele se calou. Talvez estivesse reformulando outra mentira.
— Fale logo hômi – Allan continuava em cima dele, agora com os punhos fechados pronto para socar ele novamente.
— Saia de cima de mim, Allan – empurrou ele, mas Allan não saiu – Minha conversa não é contigo, visse. Me deixe falar com Charlote em paz.
Então Allan se levantou puxando Fernandinho pela gola da camisa. Posicionou ele bem em frente a mim, o segurou por trás para não deixá-lo escapar.
— Desembucha de uma vez – falou – e olhe bem nos olhos dela para ela enxergar o cabra mentiroso que tu és.
Eu mal acreditava que aquilo estava acontecendo.
— Eu não tenho nada a ver com a morte de Jacob – falou e eu senti repugnância ao ouvir a voz dele – Eu juro que só fiquei sabendo um dia depois, quem era o assassino dele.
— E você acha pouco? – Gritei – você viu o meu sofrimento por não conseguir lembrar quem era aquele homem. Você viu minha família sofrer e não falou nada. Você pode não ter apertado o gatilho, mas é cúmplice.
— Charlote, por favor me perdoe, eu…
— Te perdoar pelo que? – As lágrimas embaçaram minha visão – Por você ter escondido o assassino do meu irmão? Exatamente por isso não te perdoou.
— Ele me ameaçou – então ele também começou a chorar – disse que se eu contasse para alguém ele me mataria também.
— Mentiroso, fi duma égua – naquele momento eu enxerguei quem era o Fernandinho – Me conte como foi que Jacob conheceu aquele homem.
— Fui eu que os apresentei – abaixou a cabeça como se estivesse envergonhado – Jacob sabia que eu vendia drogas, mas quando ele me procurou eu não tinha nenhum pacote disponível, então apresentei ele ao líder do tráfico aqui em Noronha. O P2 avisou que se ele não pagasse pelas drogas que vinha pegando, ele morreria, e foi o que aconteceu.
Era inacreditável! Eu me perguntava o que teria acontecido em nossas vidas se eu não tivesse deixado Fernandinho entrar para ONG. Será que Jacob ainda estaria vivo? Provavelmente não, mas eu me sentia culpada por ter sido a porta de entrada para o meu irmão se envolver naquilo.
— Por que você não me avisou? – Eu estava inconformada – você podia ter evitado isso, nós podíamos.
— As coisas não são tão simples assim, Charlote – Ele nem lutava mais para que Allan o soltasse – eu sempre fui apaixonado por você, desde o tempo do colégio. Eu não podia simplesmente estragar tudo contado para você que eu vendia drogas, depois que já fazia parte da sua vida.
Fez uma pausa e desabafou:
— Eu desconfiava que você gostava do Allan, então alguém me contou que o Allan também arreava os pneus por você. Fiquei furioso, visse – fez outra pausa – Então lembrei de um amigo meu de São Paulo que tinha um primo gerente das empresas Agenor. Mexi meus pauzinhos e consegui que o pai de Allan fosse trabalhar por lá.
Foi nessa hora que Allan soltou ele. Estava tão arretado que eu senti medo do olhar que ele lançava para Fernandinho.
— Não olhe para mim como se eu tivesse cometido um crime – zombou – eu fiz um favor para vocês. Eu te ajudei a ser quem você é hoje. Ajudei a sua família a crescer. Me agradeça.
Então Allan com toda a sua fúria socou o rosto dele novamente.
— Isso aqui é pelo “favor” que você acha que me fez – fechou o punho novamente e deu outro soco sem dar chance de Fernandinho se defender – e isso é por ter me separado da mulher que eu amo.
Levantou o punho de novo, pronto para mais um round.
— Quer que eu continue? – Me aproximei e rapidamente segurei seu braço – eu posso fazer isso o dia todinho, visse. Começando pela morte de Jacob.
— Para, Allan – pedi, sussurrando no seu ouvido, quando percebi que a polícia se aproximava – não vale a pena.
Então ele se afastou de Fernandinho e eu percebi que ele ia desabar a qualquer momento. O policial se aproximou e eu contei a ele que Fernandinho sabia exatamente onde encontrar o assassino do meu irmão. O policial levantou ele do chão. Seu olho direito estava inchado, sua boca sangrava. Colocou as mãos dele para trás e o algemou, então ele olhou para mim pela última vez e disse:
— O Allan, vai embora, Charlote – sorriu – e você vai ficar sozinha de novo. Porque ele não te ama como eu.
Foi colocado no camburão. Antes de partir, o policial pediu para que eu fosse até a delegacia prestar meu depoimento e reconhecer o assassino de Jacob assim que ele fosse preso. Então sentei no meio-fio ao lado de Allan, que estava cabisbaixo, borocochô.
— Imaginar que eu chamei aquele cabra safado de meu amigo – falou, amargurado – Ele acha mesmo que eu tenho que agradecê-lo por alguma coisa. Só Deus sabe o quanto eu não queria ir, eu pensei até mesmo em fugir para ficar aqui com você.
— Eu sei – outra lágrima riscou meus olhos – ele conseguiu te afastar de mim, mas não conseguiu me fazer esquecer você.
Então ele olhou para mim e eu não pude resistir. Eu não quis resistir.
— Eu te amo, Charlote – aproximou seu rosto do meu – eu te amo muito mais do que antes.
Então ele me beijou e foi como a primeira vez. E me fez esquecer toda a dor, todo o sofrimento. O calor dos seus lábios nos meus aqueceu também o meu coração. Mas o contato foi rompido. Allan então me olhou com tristeza, talvez tivesse se lembrado que voltaria um dia para São Paulo ou porque não sabia mesmo o que fazer.
— Precisamos ir para delegacia – falei, desviando o olhar e me erguendo.
— Charlote – se levantou também, segurou na minha mão – Eu preciso tomar uma decisão, e o fato de não saber o que fazer agora não significa que não te amo o suficiente.
— Está tudo bem, Allan – falei, mas nada estava bem.
E não conseguimos dizer mais nada um para o outro. Liguei para Bentinho e pedi para que ele viesse nos buscar. Fomos para delegacia. Contei ao meu irmão mais novo o que havia acontecido e logo a notícia da prisão de Fernandinho se espalhou por Fernando de Noronha. Era quase inacreditável para um dia só.