Capítulo 46
1093palavras
2023-01-18 21:52
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Apaixonei-me Por Allan
Lembro que os únicos momentos que tinha perto de Allan era no colégio. Não havia contato entre nós dois fora do ambiente escolar. Allan vivia cercado pelos boys do arquipélago, era popular, inteligente e lindo. Todas as meninas do colégio caiam de amores por ele, e eu via muita vantagem naquilo. Quanto mais eu ficasse perto de Allan, mais importante eu seria.

Não foi tão difícil assim, já que ele, por pressão dos amigos, caia de amores por mim. Quer dizer, não que o Allan era apaixonado por mim, mas ele arrastava um caminhão só para poder ficar comigo. Eu, pelo menos, acreditava nisso.
No começo era só uma distração, mas houve um dia que decidimos brincar de “verdade ou consequência”. Juntamos a galera da turma, menos Charlote claro, e fizemos uma roda, sentados no chão. Pegamos uma garrafa velha e íamos rodando ela até parar em um de nós. Quando era “verdade” tínhamos que perguntar algo bem polêmico para a outra pessoa. Quando era consequência, aí você já pode imaginar o que aconteceria. Lembro que a garrafa parou entre Bernardo e Allan na primeira vez e a pergunta que ele fez a Allan me deixou bem desconfiada das intenções de Bernardo em relação a mim:
— Você ama a Emília? - Ele perguntou, e olhou para mim de um jeito bem estranho.
— Avalie só – Fernandinho se meteu na conversa – Allan quer roçar a pitoca em Charlote, isso sim.
Caiu na gaitada, que logo em seguida foi interrompida por uma chapuletada que Allan deu bem no pé do ouvido dele.
— Deixe de ser enxerido, Fernandinho – ele dizia, enquanto Fernandinho tentava amenizar a dor que se apossara da orelha dele – e respondendo sua pergunta, Bernardo, nem uma coisa, nem outra.

E se calou. Eu olhei para ele meio borocochô, sem entender muito o que ele queria dizer com nem uma coisa nem outra. Depois desviei meu olhar para Bernardo que estava com os olhos grudados nos meus. Fiquei até arrepiada só de imaginar se a “consequência” caísse entre ele e eu. Ia ser uma lasqueira só, visse.
Então foi minha vez de rodar a garrafa. Allan estava sentado à minha frente, ora olhava para a garrafa, ora olhava para mim e eu que não sou boba nem nada calculei o movimento para que a garrafa parasse entre ele e eu. Ela foi parando lentamente com a boca virada para ele e por um triz meus movimentos quase falharam. Por muito pouco não deu eu e Bernardo, e fiquei com nojo só de imaginar eu beijando aquela boca.
— Eu escolho consequência.
Allan deu um meio sorriso, enquanto eu me aproximava dele. Os garotos ficaram eufóricos, menos Bernardo. Eu reparei que ele ficou arretado, agitado, como se quisesse sair dali o mais rápido possível.

Lembro do olhar do Allan, da delicadeza, da calma e do respeito que ele teve comigo. Eu aproximei meu rosto do dele e achei aquilo a coisa mais romântica do mundo. Eu observei ele fechar os olhos e aproximar a boca da minha. Foi só um toque, um leve toque, mas o suficiente para fazer meu coração disparar a mil. Naquele dia eu experimentei o primeiro beijo, e provavelmente o primeiro e único amor. Depois daquele beijo eu passei a olhar para ele de outro modo. Parecia uma necessidade ter a presença dele por perto. Eu parecia até uma abestalhada quando vi ele chegando. O ciúmes aflorava quando via Charlote ao lado dele. Mas depois daquele beijo, nenhum outro ficou entre nós dois. Não foi por falta de tentativas, mas Allan sempre se esquivava dos meus chamegos. Às vezes desconversava, às vezes fugia, me deixando arretada que só. Ao contrário de Allan, Bernardo passou a triplicar suas investidas para cima de mim, e eu tive certeza que aquele cabra estava caidinho na minha.
— Preciso fazer alguma coisa, Paulinha – minhas mãos suavam e coisas absurdas se passavam em minha cabeça – O Allan está cada dia mais distante. Eu estou perdendo ele, visse.
— Oxente! - ela parecia pensar, observava alguém do outro lado do pátio e pareceu ter uma ideia – Fique com Bernardo para provocar ciúmes nele.
Ela só podia estar louca, eu pensei.
— Está me saindo uma bela de uma amiga do cão – falei, avexada – isso já é demais pra mim.
— Que diacho, Emília – ela estava decidida que aquilo funcionaria – Não precisa chamegar com o Bernardo, é só para provocar ciúmes no Allan.
Eu fiquei calada pensando naquilo, mas meu estômago se revirava só de pensar eu me agarrando com o treloso do Bernardo. Então ela continuou.
— Painho uma vez me disse que existe um gatilho chamado escassez – fiquei azoretada – ele é usado para despertar o interesse do cliente quase que imediatamente.
— Oxê! – eu bravejei – tá achando que eu sou um produto que pode ser comprado?
— Não é isso – tentou se explicar – estou dizendo que quando o Allan ver você nos braços do Bernardo, vai ficar com ciúmes. Vai acreditar que está te perdendo, aí vai vir correndo para os seus braços, entendeu?
Eu não havia entendido, e nem me esforcei para entender, mas me convenci que talvez, Paulinha estivesse certa e arrisquei tudo naquela tentativa. Chamei Bernardo para dar uma volta, e paramos bem embaixo da árvore florida. Eu sabia que Allan passava todos os dias por ali, porque ficava bem em frente ao restaurante que o padrasto dele trabalhava. Mas ele demorou bem mais do que eu imaginava. Bernardo chegava, conversava umas coisas estranhas que eu nem prestava atenção, mas que estavam me deixando azuretada. Allan precisava aparecer bem rápido, se não as coisas ficariam bem ruins entre eu e Bernardo. Foi quando eu avistei ele de longe. Vinha de cabeça baixa, pensativo. A hora era aquela. Me aproximei de Bernardo, o abracei, quando me dei conta, Allan já estava lá nos questionando o que estava acontecendo. Fiz pouco caso dele e ainda lasquei um belo de um beijo na boca do Bernardo. Allan ficou arretado que só dava para vê na expressão dele. Cara de poucos amigos, como se não tivesse gostado nadinha do que havia visto. Eu saí de lá feliz de verdade, por ter conseguido alcançar o objetivo do plano. Mas conforme os dias foram passando eu percebi que tudo havia sido um fracasso. Allan se afastou cada vez mais, e quando dei por mim ele já estava partindo de Noronha, levando com ele o meu coração.