Capítulo 30
918palavras
2023-01-18 21:46
Acordei com o sol batendo em meu rosto.
Depois da minha conversa com Charlote no cemitério, vim direto para o hotel, me tranquei no quarto e não me lembro de mais nada. Eu sabia que mainha e painho haviam dormido na casa de seu Chico, e mesmo que o convite tivesse sido feito também a mim, eu não aceitei.
Alguém batia à porta e eu demorei a me levantar. Com os olhos ainda semiabertos eu mal acreditei no que vi à minha frente. Lá estava Emília, se abrindo toda e num impulso me abraçou quase que cair.

— Que diacho é isso, Emília? – Dei um jeito dela desagarrar de mim – me largue, muié.
— Que saudades eu estava de tu, visse – foi se aproximando novamente, relando a mão em mim.
— Oxê! Como foi que tu me encontraste?
—Tenho um amigo que trabalha aqui – foi querendo me abraçar de novo – precisava te ver e matar essa vontade que queima aqui dentro de mim, visse.
— Pare com isso, Emília – ela beijou meu pescoço, tentou beijar minha boca – seu marido sabe que você está aqui?
Foi só falar nele que uma forte pancada na porta fez Emília dar um pulo para bem longe de mim e Bernardo entrar feito um pantel, vindo com tudo na minha direção.

— Seu cabra safado – ele fechou o punho e eu esperei só a pancada vir – vou sentar-lhe a mão nessa sua cara pra tu nunca mais mexer com a mulher dos outros, visse.
— Oxente! – Fiquei na defensiva – Não é nada disso que tu estás pensando, Bernardo.
— Apois – Ele tinha um bafo de cachaça de lascar – Além de chifrudo vai me chamar de burro também é?
— Ele não está te chamando de nada, hômi – se meteu Emília entre nós dois – eu é que vim atrás dele, visse.

— Voce é uma desavergonhada, isso sim.
Então ele levantou o braço e bateu com tanta força no rosto de Emília, que a coitada ficou azuretada, visse. A boca dela sangrava e eu virei um pantel com Bernardo.
— Fi duma égua – olhei para ele com muita raiva – Por que você não bate em um homem do teu tamanho, seu cabra frouxo?
— Estou tentando fazer isso desde a hora que cheguei aqui, visse.
Então eu lhe dei um moi de guariba no rosto dele com muita força que ele saiu cambaleando e caiu do outro lado do quarto. E foi uma zona só. Bernardo devolveu o soco umas três vezes, mas ele também apanhou, visse. Só não me lembro quantas vezes bati nele, mas ele apanhou sim. Então apareceu o gerente do hotel com mais dois machos fortões atrás dele e separaram a nossa briga.
— Isso é para você aprender que não se bate em mulher – eu bradei enquanto me levavam para um lado e Bernardo para o outro.
— Oxente! – Ele ria, com os olhos inchados e a boca sangrando – A próxima vez que te pegar com minha muié, me botando gaia, eu te mato, Allan.
Levei um baita de um carão do gerente do hotel que me advertia, dizendo não chamar a polícia por consideração aos meus pais, e eu prometi que pagaria por todos os prejuízos do hotel. Meu sangue fervia. Minhas mãos tremiam. Então, vi Emília atravessar o saguão e sentar-se ao meu lado, com o rosto inchado e a boca ainda sangrando. Ela tentou amenizar a dor dos meus machucados, mas eu não deixei. Também estava furioso com ela.
— Com certeza ele me seguiu – disse – ontem, depois que ele soube que você voltou ficou me vigiando o tempo inteiro.
— Desde quando Bernardo bate em você, Emília?
— Só quando ele bebe.
— Só? – Ironizei – E desde quando Bernardo bebe?
— Desde que eu joguei na cara dele que sempre arriei os pneus por você.
— Fudeu a tabaca de chola.
Me levantei, impaciente, procurando uma saída para essa confusão toda.
— Oxente, Allan – ela se levantou também e voltou a relar a mão em mim. Tentei manter a calma – Sabe que sempre gostei de tu, visse. Nem mesmo durante esse tempo te esqueci.
— Então trate de me esquecer – falei – tu és casada, mulher, apesar de ter certeza que você não pode viver ao lado de um homem que bate em você. E outra, eu amo Charlote, visse. E foi por ela também que eu voltei.
— Você gosta da chupeta de baleia? – Mal acreditou.
— Não fale assim dela – eu recriminei ela – hoje ela está melhor do que nós dois juntos.
— Você vai me trocar por aquela infeliz da costa oca, é? – Estava arretada.
— Deixe de leseira, Emília. Tu tens problemas bem maiores para resolver, visse.
Então eu virei as costas para ela e saí andando.
— Denuncie Bernardo a polícia – falei, enquanto caminhava para fora do hotel e ela atrás de mim – se ele te bater de novo, eu o denunciarei.
Ela ainda ficou falando alguma coisa atrás de mim, mas logo desistiu e me deixou seguir meu caminho. Tinha um corte na minha sobrancelha esquerda. Minha boca sangrava. Minha barriga agora doía de fome e eu andava apressado debaixo de um sol de lascar, em direção a casa de Charlote.
Levantei com o pé esquerdo.
Seja bem-vindo de volta a Fernando de Noronha, Allan Gesser.