Capítulo 11
2281palavras
2023-01-10 21:56
O serviço foi realizado rápido. Duas semanas depois do combinado, Miguel se aproximou sorrateiramente dela enquanto Cristina bebia água na cozinha da cobertura de Teresa. Quando sentiu o hálito quente dele na sua nuca, Cristina quase pulou de susto e... de outra coisa.
- Olá – disse ele numa voz baixa que a fez estremecer, segurando-a firme pelos ombros e virando-a para que o encarasse.
- Oi – falou Cristina, meio atordoada.
Ela gostaria de saber o que mudara na cara dele para que ela se sentisse meio tonta sempre que o via. Ou talvez não fosse ele quem tivesse mudado, talvez só tivesse mostrado uma parte do que era capaz mesmo, naquele dia no sofá de seu apartamento. Neste caso, o que Cristina sentia só podia ser uma coisinha começada com te e terminada com são.
Mas havia uma coisa a mais. Uma coisa que Cristina nunca, jamais, esperava sentir em qualquer universo que fosse. Parecia muito com algo começado com cul e acabado com pa.
- Fiz o que você me pediu – declarou ele.
- Quantas cópias havia?
- Duas. Uma na câmera e outra no computador. Na verdade terminei semana passada, mas você não me honrou com sua ilustre presença.
E fez uma breve reverência, sorrindo, enquanto Cristina tremia nas bases com a perspectiva do seu futuro próximo. Porque agora era a hora do pagamento, e essa era uma coisa que ele certamente não esqueceria.
Miguel nada disse por um longo tempo. Então:
- Que tal agora? – perguntou, como se lesse os pensamentos dela.
Cristina balançou a cabeça. Pelos ruídos, Maurício estava brincando com Yuri em algum lugar, possivelmente fazendo caretas e cócegas no capetinha.
- O que você está falando? – conseguiu perguntar quando recuperou o autocontrole – Maurício está na sala. Por falar nisso, eu vim passar meu dia aqui com ele. O que ele diria se eu sumisse?
- Você poderia se sentir enjoada e querer ir para casa – sugeriu Miguel – Então, nós...
- Ele ia perceber que eu estava mentindo, com certeza – rebateu Cristina, percebendo, não sem certo espanto, que estava tentando se livrar do compromisso que assumira anteriormente com ele. Na hora, não parecera nada mal. Na verdade, parecera bom. Para ser mais sincera, parecera muitíssimo interessante, e só uma grande dose de orgulho pessoal inerente à sua personalidade leonina impedira Cristina de deixar Miguel fazer com ela o que queria naquele sofá, enquanto sua mulher e filho estavam no médico.
Mas agora havia a culpa. Ou o sentimento que Cristina achava que era culpa, porque jamais sentira algo parecido antes. Muito menos relacionado com Maurício.
Cristina sempre o vira como um trabalho. Um trabalho agradável, sim, mas não passava disso. Maurício era um cara bonitinho, mas comum. Se ele não tivesse dinheiro, jamais teria passado de um cara que ela cumprimentava ocasionalmente, pensando com força, mas não conseguindo se lembrar de seu nome.
Essa sensação de que seu namorado era um trabalho a ser executado com competência se intensificara quando ela começara seu romance, caso, sexo ocasional, ou fosse lá o que fosse aquele negócio com James. Porque, desde a primeira vez que tinham ficado juntos, o percentual de culpa de Cristina pela traição havia sido precisamente zero. Ela se sentia certa, de verdade. A vida era muito curta para não ser aproveitada, e definitivamente não era tendo um homem só pelo resto da vida que ela faria isto.
Mas ela não podia incluir Miguel no seu esquema pessoal de felicidade. Não podia incluir Miguel. Cristina sentia que não conseguiria lidar com um quadrado amoroso. Portanto, por mais que ela se sentisse atraída por ele e por mais que, em outras ocasiões, ela já tivesse pulado em sua cama há muito mais tempo – exatamente três anos e alguns meses antes -, no momento que ela podia agarrar sua chance de forma quase literal, ela hesitava.
Porque, mais forte que o desejo, mais forte do que a luxúria, existia a culpa. E nenhum dos possíveis antídotos mentais que Cristina bolava para acabar com aquilo podia combater o pensamento de que ficar com Miguel era errado. Simplesmente errado.
- Se você acha isso – concedeu ele inesperadamente, frustrado – Talvez seja melhor não arriscar.
Ele parou e a estudou com o olhar. Então, sorriu.
- Mas não tente fugir. Você tem uma dívida comigo, e vai pagar. Uma hora ou outra.
E avançou um passo para frente, grudando os lábios nos dela de forma temerária. Cristina primeiro arregalou os olhos de surpresa, depois relaxou, fechando-os. Se ela fosse um pouquinho mais religiosa, podia pensar que Deus sabia direitinho o que fazia quando fez Miguel no útero de sua mãe. Eis um homem que nascera para a coisa.
Quando ele acabou, sorriu para ela e deu meia volta, saindo da cozinha. Cristina ficou lá, recuperando o ar e bebendo mais água enquanto se preparava para poder encarar Maurício decentemente dali a pouco. Respirou fundo antes de sair, relanceando o olhar para o relógio da parede. Inacreditável perceber que toda aquela ação se desenvolvera em apenas três minutos.
Quando Cristina atravessou o portal que separava a cozinha da sala, a primeira coisa que viu foi Maurício, sentado no chão de pernas cruzadas e parecendo um pouco desolado. Yuri Alexei, também conhecido como o capeta em forma de bebê fofo, havia desaparecido. Miguel provavelmente descera para seu apartamento e levara o filho.
Maurício percebeu sua presença com o canto do olho.
- De volta afinal – saudou ele, levantando-se – Se tem algo que sabe fazer é se hidratar, não?
- É – respondeu Cristina, ainda pensando em Miguel – Acho que sim.
Foi então que aconteceu. Maurício sorriu para ela com tanto carinho que Cristina começou a sentir um enjoo peculiar que só depois percebeu que era comoção. Então, ele a beijou, e o beijo foi mais como uma carícia suave do que qualquer outra coisa. Maurício sempre tentava fazê-la se sentir bem.
Maurício era o tipo de cara por quem qualquer garota normal se apaixonaria.
E foi ali, cheia de pena pelo o que Maurício estava passando mesmo sem saber, e cheia de culpa porque era ela, Cristina, que o estava fazendo, além de cheia da consciência que ela gostava de Maurício, realmente gostava, por mais que o considerasse um trabalho; foi ali, bem ali, que Cristina, confusa e perturbada por aquele turbilhão de acontecimentos e sensações recentes, cometeu o que poderia facilmente ter sido chamado de O Pior Erro Da Minha Vida.
- Maurício – começou ela, com uma voz meio embargada – Preciso te contar uma coisa.
Ele a olhou preocupado.
- Pode contar – disse ele, com a aparência calma, mas com um subtom levemente apreensivo na voz.
- Vamos sentar – sugeriu Cristina, mal acreditando no que estava pensando em fazer.
Eles sentaram no sofá. Foi quando a culpa de Cristina começou a estourar.
- Eu te traí, Maurício.
O silêncio que se seguiu pareceu ser eterno.
Maurício fechou os olhos.
- Me diga que não foi com Miguel.
- Não, não foi – disse ela, desviando levemente os olhos. Não deixava de ser uma meia verdade. Com ele, a traição não fora realmente consumada. Além disso, não era aquilo que ela confessaria.
Maurício abriu os olhos, parecendo aliviado. Provavelmente por não ter que matá-la.
- Quem foi então?
Cristina engoliu em seco. Pensando no seu subconsciente, não era estranho que sua culpa de estar louca para transar com o cunhado tivesse explodido em James. Mesmo que Miguel tivesse apagado todas as evidências, Olga ainda a tinha visto tudo. E ela podia falar. E não dava para saber como ela contaria o evento para Maurício. Ela estava aprendendo a arte da maldade muito bem com aquela guerra santa que Cristina travava.
- James Colbert – disse ela devagarinho, com os olhos dele prestando atenção em cada sílaba que sua boca pronunciava – Ele também foi o meu professor de História no colégio.
Maurício respirou fundo, mas Cristina não percebeu nenhum olhar de reconhecimento. Aparentemente, ele não fazia ideia quem era James. O que era, de fato, bem possível. Sendo de uma turma diferente da dela, Maurício devia ter tido outro professor de História.
- Ele que foi atrás de você?
Cristina assentiu imediatamente. Culpe O James, ato 2.
- Sim. Nós estávamos sozinhos, ele se aproximou de mim e... me beijou.
E deu uma fungada que ameaçava um choro. A velha Cristina, que ela mesma perdera de vista havia algumas horas, voltara. A velha e boa Cristina Cínica.
- E você retribuiu.
Cristina confirmou de novo com um aceno com a cabeça. Então, de forma espetacular, desabou em lágrimas. Nem se tivesse esfregado cebola nos olhos teria tido um resultado melhor. Maurício correu até ela e se ajoelhou na sua frente.
- Calma, Cristina – disse ele, apreensivo, enxugando as lágrimas que, para seu espanto, eram de verdade – Calma.
Com a boa e velha Cristina Cínica de volta, ela teve a ideia do próximo movimento. Era arriscado, mas poderia salvá-la.
- Eu traí você, Maurício – disse ela em soluços – Não te mereço mais. É melhor terminarmos.
Ele ficou olhando para ela, meio espantado, meio paralisado. Se realmente levasse aquilo a sério, ela se jogaria a seus pés e imploraria por perdão, dizendo que não poderia viver sem ele. Se ele não levasse... mas, caramba, como não levaria?
Foi quando Maurício segurou seu queixo e levantou o rosto de Cristina, forçando-a a olhar para ele. Ela sentia com muita consciência cada batida de seu coração à medida que os segundos escorriam.
- Me espera um pouco – pediu ele depois do que pareceu a eternidade, e deu as costas. Antes que Cristina tivesse tempo para pensar, ele bateu a porta do quarto.
Silêncio nervoso se seguiu por um minuto. Então, Maurício voltou. Tinha algo espremido na mão direita. Pôs-se na frente dela e se ajoelhou novamente.
- Você foi sincera comigo, Cristina. Podia ter mentido a vida toda sobre esse escorregão, mas você disse a verdade. Essa é a última prova que eu precisava para saber.
Cristina parou de respirar. Não era possível que ele fosse fazer o que ela pensava... ou era?
Maurício a encarava muito solenemente.
- Aqui dentro está a primeira aliança da minha mãe – disse ele, levantando a mão direita e deixando Cristina entrever uma caixinha preta de veludo – Como eu sou o filho mais velho, ela passou para mim para que eu a entregasse para uma mulher que a merecesse. E que eu desejasse como esposa. Eu já te falei em casamento antes, Cristina, mas éramos jovens demais.
- Ainda somos jovens demais – respondeu ela, dando um pequeno soluço no meio da frase, e notou que a emoção em sua voz era verdadeira, muito verdadeira. Aliás, nos últimos minutos, ela não sabia muito bem quem realmente agia em cada frase, a Cristina Cínica ou a Cristina Certinha – Ninguém casa antes dos 30, a não ser em caso de acidente.
Maurício deu uma risadinha, sem dúvida lembrando-se do irmão.
- Não somos mais tão jovens. Podemos fazer isso. E é o que quero. Você é a mulher da minha vida.
Cristina parou de soluçar enquanto ele abria a caixinha. Era um anel de ouro, fino, porém muito delicado. Devia ser caro.
- Cristina Tavares Medeiros – começou ele, retirando o anel da caixinha e segurando sua mão esquerda com muita delicadeza, como quase tudo que fazia – Você quer se casar comigo?
Houve um silêncio, silêncio monumental, no qual as batidas do seu coração pareciam poder ser ouvidas do outro lado da cidade.
- Ah, meu querido – disse ela, abraçando-o, o coração em disparada violenta – Eu quero, eu quero muito!
Ele a afastou, sorrindo, ainda segurando a mão esquerda dela, e colocou o anel no dedo anelar. Ele coube perfeitamente, a despeito dos temores de Cristina que este momento perfeito ficasse manchado por um anel apertado ou largo demais.
Ele a colocou de pé.
- Eu sei que isso não foi um noivado oficial – reconheceu ele, um pouco envergonhado.
Cristina sacudiu a cabeça. Para ela, estava ótimo. Na verdade, mal acreditava. Ela confessava uma traição e ele fazia o quê? Pedia em casamento.
Não que ela estivesse reclamando.
- Quando quer casar? – perguntou ele.
- Maio... se sobrevivermos até lá, claro.
Ele riu, sem acreditar realmente naquela coisa de fim do mundo. Depois fez uma careta.
- Precisa ser tanto tempo? – queixou-se.
- Sim. Maio é o mês das noivas, sabe.
Ele deu de ombros e a puxou para perto.
- Não faz muita diferença, realmente – sussurrou ele ao ouvido de Cristina, e naquele segundo ela estremeceu, porque a voz dele pareceu demais com a de Miguel – Maio é logo ali, afinal.
Com essa frase, toda a confusão de pensamentos que Cristina estivera mergulhada desapareceu, mesmo que por apenas algum tempo. Agora era só Maurício. Seu trabalho árduo finalmente parecia valer a pena.
Num rompante, ela agarrou Maurício, o abraçando com força.
- Maurício, eu te amo tanto.
Ele se retesou todo de surpresa, só para depois abraçá-la de volta. Ela sabia o motivo. Ela raramente dizia que o amava. Falava, na verdade, só para não deixá-lo no vácuo muitas vezes consecutivas quando ele dizia. Na verdade, Cristina duvidava que o amasse na verdadeira forma e na pura acepção da palavra todo o tempo. Mas, naquela hora, era verdade.
- Eu também te amo, Cristina – respondeu ele com ternura.
Oh, Deus. Esse era um dos auges da sua vida. Pelo reflexo da televisão, ela viu o brilho da aliança dourada.
Alguma japinha ia ter que engolir essa.