Capítulo 147
2367palavras
2023-02-07 09:51
Assim que entrei na sala, acompanhado do médico, vi meu pai enrolado num monte de fios que controlavam cada movimento dele. Sabia o quanto ele odiava aquela situação e o motivo pelo qual fugia: tudo se repetia, já tinha acontecido anteriormente.
Me aproximei da cama e peguei a mão dele, que a apertou:
- Estou cansado. – Ele disse, de olhos fechados.

- Então descanse.
- É complicado saber que não vamos mais nos ver... – Os olhos dele seguiam fechados – Vou sentir saudades.
- Não, você não vai sentir saudades. Mas eu vou...
- Sei que não fui um pai perfeito. E por isso peço perdão. Mas entenda, nunca foi com má intenção. Sempre amei você, por mais filho da puta que eu tenha sido.
- Acho que todo mundo tem uma fase filho da puta na vida. O bom é que podemos nos dar conta disso um dia. Você fez o melhor que pôde.
- Faça valer cada gota do meu suor... Mas não ponha a North B. acima da sua família, como eu fiz.

- Não vou fazer isso. Não se preocupe.
- Agora... Me dê um beijo, meu filho. E vá! Eu não quero que você me veja morrer.
Segurei a porra das lágrimas que tentavam escorrer e senti meu peito apertado. Nós dois sabíamos que aquilo aconteceria e ainda assim parecia que eu não estava preparado para aquele momento.
Mas se tinha uma coisa que eu não fazia era contestar meu pai. Dei um beijo nele, talvez o primeiro da minha vida e abracei-o, dizendo no seu ouvido:

- Obrigado por tudo... Vai em paz, Casavelha! Amo você.
Soltei a mão dele e saí, as mãos apertando os olhos para não chorar.
Porra, aquilo doía pra caralho! Me deu vontade de gritar e por um momento pareceu que eu não ia aguentar.
Até que cheguei de novo na recepção, com os olhos lacrimejando. E a vi... Parada, fechando o blazer ainda mais, os cabelos loiros caindo sobre o tecido. Eu não estava perto dela, mas sabia exatamente o cheiro que os fios dourados tinham e o quanto eu gostava deles enrolados no meu corpo durante a noite.
- Fez o teste? – Perguntei, esquecendo tudo que ficou do corredor para trás.
Ela assentiu com a cabeça, antes de dizer:
- Eu fiz os três.
- Fez três xixis?
- Sim... Um pouquinho de cada vez.
- Porra, como conseguiu?
- Meu rim realmente está em bom estado. E ele vale muito, desclassificado.
- Eu não quero saber sobre o seu rim, Bárbara. Quero saber sobre o teste...
- Deu positivo... Três vezes.
Fiquei sem reação, olhando para ela. Foi como se o chão saísse de baixo dos meus pés por alguns segundos e eu ficasse a flutuar. Minha cabeça ficou vazia, o coração bateu dobrado e eu conseguia ouvi-lo no mesmo compasso do meu cérebro.
- Você... Ficou feliz? – Ela perguntou, levantando os ombros, incerta da minha resposta.
- Feliz? – balancei a cabeça – Não existe palavra para o que estou sentindo neste momento, desclassificada – peguei-a com facilidade nos meus braços e a girei, não controlando o carrossel de emoções que passava por mim naquele momento.
- Eu amo você, Heitor... Muito.
- Amo você, sua doida, razão da minha vida!
Recebi a notícia da morte do meu pai minutos depois de descobrir que seria pai de um filho biológico. Foi um misto de emoções, entre a tristeza da perda, amenizada com a vida nova que chegava.
Fiquei incerto de como dar a notícia para Maria Lua. E se ela ficasse chateada? Ela nunca pediu um irmãozinho.
Entramos no estacionamento do show na ala privativa. Anon parecia tão ansioso quanto Bárbara.
- Tire fotos, senhora Bongiove. E mande para Ben ou ele vai enfartar.
- Me dá vontade de não mandar as fotos. Afinal, ele não quis vir junto.
- O momento é da senhora. Ele não quis atrapalhar.
- Nem eu quero atrapalhar. – Falei, entendendo exatamente a situação de Ben.
Descemos do carro e nos encaminhamos para a área vip, de frente para o palco.
- Vou ter que ficar de pé? – Olhei em volta, não vendo cadeiras.
- Sim, meu amor... É exatamente por isso que é a área VIP. A gente vai ficar de frente para ele e podemos dançar o quanto quisermos. Acha que ele vai reconhecer você? E se ele me convidar para subir no palco? Você sabia que ele dá selinho nas fãs que sobem ao palco?
- Primeiro, você não vai subir lá em cima porque está grávida. Segundo, se ele tocar em você, eu o mato.
- Ah, não seja ciumento, desclassificado. – Ela provocou, enlaçando as mãos na minha nuca.
- Se tem uma coisa que eu não consigo é controlar meu ciúme por você. E sei que se aproveita disso.
- Eu acho fofo você sentir ciúme de mim. No caso, eu não sinto de você... Sei lidar bem com a situação. Minha maturidade me surpreende.
Eu gargalhei:
- Caralho, fico pensando como você consegue ser tão dissimulada. Arrancou os cabelos de Cindy... Fez eu a tirar de dentro da Babilônia... Acho que vou enumerar suas ceninhas de ciúme ao longo da nossa relação, meu amor.
- Para de falar... Espera... Silêncio... – ela enrugou a testa – Estou ouvindo o bebê. Ele mandou você me beijar... De língua.
Não sei se haveria pelo menos uma vez que ela não me surpreendesse. E que eu não satisfaria seus desejos, por mais insanos que fossem. Abaixei-me imediatamente na direção dela e devorei seus lábios, como sabia que ela gostava, sentindo seu gosto, seu cheiro, o sabor que só ela tinha.
Não consegui deixar de beijá-la até começar o show. Minha ideia era cansá-la, para caso Jon a chamasse mesmo ao palco ela estar enjoada de tanto beijar.
Eu não curtia as músicas de Bon Jovi, mas conhecia todas, porque Bárbara escutava repetitivamente. Minha vibe era o techno.
A mulher, mesmo grávida, pulou, gritou e não parou um minuto. Tive medo que ela perdesse nosso filho ali, no meio da plateia que parecia ser tão louca quanto ela.
Sim, suportei meu rival por exatos noventa minutos. E quando acabou o show, ainda tive que levá-la até o camarim, onde ele a receberia, por um acordo entre cavalheiros.
- Não devo estar bem da cabeça... Levando minha mulher para a jaula do leão. – Me ouvi reclamando, já no corredor.
- Jura? Quero ficar presa na jaula, amor.
- Com ele? Você só pode estar louca?
- Confessa que está com ciúme...
- Estou morrendo, me corroendo de ciúme. – Confessei.
Ela sorriu e tocou meu rosto carinhosamente. Ajeitei a bandana com o nome da banda na cabeça dela:
- Você está linda! – Me ouvi dizendo.
- Nem brinca. Estou gorda. Olha o tamanho dos meus peitos.
- Perfeitos... – Olhei os seios fartos dentro da camiseta... Adivinha de quem? Bon Jovi.
Assim que chegamos ao final do corredor, pude ver o nome de Jon na porta branca do camarim. Reconheci a assessora dele, que me acenou, chamando na sua direção:
- Casanova... Que prazer revê-lo!
Ela não havia mudado nada. E seguia simpática. Me estendeu a mão, em forma de cumprimento e Bárbara pôs-se entre nós, tocando a mão dela:
- Prazer por que mesmo? – Arqueou a sobrancelha.
A assessora, que eu não lembrava o nome de cor, ficou ruborizada imediatamente:
- Você deve ser Bárbara Casanova.
- Em carne, osso e barriga. Mais carne do que osso. Grávida! – ela pareceu arquear a barriga para frente.
- Nossa, que legal! Parabéns.
- Bem, vamos terminar logo isso. Ele está esperando-a? – Perguntei.
- Sim... Tudo certo. Poderá falar com Jon por... – ela olhou no relógio – Quinze minutos é suficiente para você? – olhou para Bárbara.
- Quinze minutos? Deus... Bastava um – ela disse, ansiosa – Esperei por isso a vida inteira.
- Que bom. Vamos? Tem mais uma fila esperando para vê-lo. – Sorriu.
- Uma fila? Onde?
- Lá fora. Entra um pouco de cada vez.
- Hum... Que desclassificado. – Bárbara disse.
- Des... O quê? – A assessora perguntou, confusa.
- Esquece. Vamos? – Ela olhou na minha direção.
- Não... Eu não vou. Este momento é seu, não meu.
- Como assim não vai entrar comigo?
- Não quero... Vou esperar você.
- Vai esperar aqui? – Ela pareceu confusa.
- Não... Vou beber alguma coisa... Dar uma volta no banheiro... E voltarei daí – olhei no relógio – Quinze minutos passa rápido... Para você.
- Vamos? Está na sua hora... Os ponteiros do relógio de Jon correm mais rápido que o normal. – A mulher disse, andando alguns passos.
- Ok...
- Aproveita! – Dei um beijo na testa da minha mulher.
Virei e a deixei ir. Se aquilo me deixava enciumado? Caralho, demais! Mas era um sonho dela. E eu só queria que ela realizasse todos os sonhos que tivesse.
Pus as mãos nos bolsos da calça e segui meu caminho. Tinha visto um bar próximo do camarim dos outros integrantes da banda. Um uísque cairia bem naquela hora. Talvez uma ligação para Malu, para me certificar de que ela e o gato de gravata passavam bem...
- Ei, desclassificado!
Parei e olhei na direção dela, confuso:
- O que você está fazendo aqui?
- Seguinte... Eu já vivi de migalhas. E sinceramente, eu não gostava.
Fiquei a encará-la, sem saber o que dizer.
- Prefiro exclusividade.
- Do que você está falando?
- Que eu não quero conhecer o Bon Jovi no privado, entendeu? A última vez que eu estive numa área privativa acabei encontrando o homem da minha vida... Então, não sei me entende... Mas... Eu não quero outro.
- Sua louca... Você fez eu gastar uma grana sem tamanho e não vai ver o desgraçado?
- Não... Eu só quero ver o meu marido... Ninguém mais.
- Me diga que tem colherinhas nesta sua bolsa minúscula, Bárbara Casanova!
- Você não precisa de colherinhas... Se eu derreter, você me apara, lembra? – Ela sorriu, correndo para os meus braços.
Eu gostava de festas, mas desde que encontrei uma família, as reuniões comemorativas eram sempre uma loucura.
- Decidiu se dar um novo Maserati então? – Sebastian perguntou, tomando o meu uísque favorito, que eu só pude beber um copo, senão Bárbara me matava.
- Novinho, recém-chegado. Branco com interior branco e vermelho. – Me gabei.
- Tem gosto para tudo... – Ele deu de ombros, debochadamente.
- Quem não gosta de branco e vermelho? Eu e Babi fizemos a dupla branco e vermelho no meu casamento... Digo, a tragédia quase foi o meu casamento. – Ben reclamou.
- Que tragédia? Você casou e não separou. Então não houve tragédia. – Falei.
- Pai, podemos comprar um cachorro maior que o gato da Malu? – O filho de Sebastian perguntou.
- Claro... Vamos comprar um cachorro maior que o gato. – Ele concordou.
- Por que não dá um gato para o seu filho? – Perguntei.
- Sebastian não gosta de gatos... Você não sabia? – Milena arqueou a sobrancelha, me encarando debochadamente.
- Como assim não gosta de gatos? Ele deu um gato para Malu... – Falei, confuso.
- Pura provocação, Thor. – Ela começou a rir.
- Sebastian, vou dar um gato para o seu filho. – Olhei para ele, seriamente.
- Nem pensar.
- Dê um gato branco para ele... Já que ele não gosta de branco também. – Ben sugeriu.
Bárbara veio até mim e sentou no meu colo. Enlaçou os braços em volta do meu pescoço e não resisti em lhe dar um beijo.
- Vocês não enjoam disso? – Ben perguntou.
- Você enjoa de Anon? – Ela questionou ele.
- Claro que não enjoo de Anonzinho.
- Papai, papai! – Malu entrou correndo na sala, junto com Theo, que tentava acompanha-la.
Antes que Bárbara levantasse do meu colo, Theo se jogou sobre nós. Malu seguiu de pé, ofegante.
- Acalme-se, filha! – Bárbara pediu.
- É importante. Fiz um presente pro papai de aniversário... Eu mesma.
Bárbara levantou, com Theo no colo:
- Hum, isso é bem importante mesmo.
- E o Theo ajudou. – Malu disse sorrindo, orgulhosa.
- Onde está o presente? – Pus as mãos na direção dela, vazias.
- Está lá na rua. – Ela avisou.
- Então vamos lá ver o meu presente de aniversário. – Falei, curioso.
- Venham todos. Vamos ver o presente que Malu fez sozinha para o papai.
- Theo ajudou. – Ela disse novamente, fazendo questão de incluir o irmão no presente.
Fiquei curioso. Eu amava a forma como ela e Theo se tratavam.
Fomos para o pátio da frente. Ela ia liderando o grupo, o peito chegava a estar inflado de tanta felicidade. Nos levou até o meu Maserati, zero bala, que tinha vindo da concessionária há menos de 24 horas.
Quase enfartei quando vi escrito na porta, na lataria: “Feliz aniversário, pai. Eu te amo”.
Ficamos em silêncio, imóveis. Eu nem sei se ainda estava vivo.
- Usei esta pedra preciosa e brilhante. Eu mesma arrumei a ponta. – Ela disse sorrindo. – Avise a minha professora que eu já sei escrever.
Balancei a cabeça, incrédulo.
- Vem ver do outro lado... Tem um desenho do Théo. – Ela pegou minha mão.
- Ah, que fofo, tem mais do outro lado! – Sebastian disse.
Na outra porta, um círculo, com dois riscos para baixo e mais dois saindo da parte de cima. Dentro do círculo grande, dois pequenos círculos. Virei a cabeça, tentando entender do que se tratava a obra de arte do meu filho, que parecia abstrata.
- Papai! – Théo disse, apontando para mim.
- Os seus olhos fui eu que fiz, porque ele não sabia. – Malu falou orgulhosa.
Abri os braços e peguei-a no colo, apertando com força:
- Amei o presente... Mesmo! – olhei para Bárbara – Eu não preciso de nada... Sou um homem que tem tudo.
Bárbara começou a rir, apertando as bochechas de Théo. Nossos olhos se encararam e ela falou baixinho:
- Eu te amo, desclassificado.