Capítulo 140
1959palavras
2023-02-07 09:48
A propriedade dos Perrone não era muito longe do aeroporto. Em menos de trinta minutos chegávamos na vinícola, onde também ficava a casa onde meu irmão nasceu e se criou.
Embora não sentíssemos, por estarmos abrigados dentro do carro, era visível o frio intenso que fazia na rua, mesmo com o sol nascendo timidamente entre as montanhas.
Sim, me surpreendi ao ver a extensão das terras que pertenceram e ainda pertenciam à minha família.

Assim que Anon acessou o portão principal, começamos a fazer o caminho íngreme pela estrada onde tudo que se via dos dois lados eram videiras, enfileiradas milimetricamente, parecendo sem vida, com os caules acinzentados e sem nenhuma folha sequer.
- Meu Deus! Está tudo morto! Coitado de Sebastian quando souber disso. – Observei, sentindo meu coração apertado.
Heitor gargalhou antes de explicar:
- Não estudou sobre as uvas, mesmo trabalhando em uma produtora de vinhos, senhora Perrone?
- Na verdade, nesta época, eu não estava muito focada nisto, senhor Desclassificado.
- Lembro bem... Sua única preocupação era incomodar o CEO da empresa rival, não é mesmo?

Suspirei antes de confirmar:
- Sim... Acabei por ter que dividir o mesmo teto que ele. E se não bastasse, a mesma cama.
Nicolete riu:
- Vocês são muito estranhos... Que se completam. Falam de si mesmos como se falassem de outras pessoas.

- Querida esposa, o inverno é a estação silenciosa e discreta de um vinhedo. E não se engane, pois videiras não são plantas nada frágeis e suportam baixas temperaturas.
- Sebastian disse que neva com frequência aqui. – Observei.
- E a previsão para os próximos dias é de neve, senhora Bongiove. – Anon me olhou pelo retrovisor, avisando.
- Jura, Anon? Eu... Iria amar conhecer a neve.
- Posso levá-la para ver a neve em qualquer lugar do mundo que quiser, meu amor. – Heitor me encarou.
- Quero conhecer a neve em Piemonte, na terra dos Perrone... Junto com você e Maria... – Falei empolgada.
- Seu irmão deveria ter lhe explicado melhor sobre a propriedade, as videiras e a temperatura deste lugar. Mas como ele não tem capacidade para tanto, eu posso fazer. – Heitor se gabou, aproveitando para criticar Sebastian.
- Não seja mal-agradecido. Meu irmão foi muito bondoso em nos ceder tudo isso... E fez pelo nosso bem-estar, para que nos sentíssemos em casa e não no ambiente frio e insensível de um Hotel.
- Eu gosto muito de Hotéis. – Heitor deu de ombros.
- Seu bobo! – Dei um tapa no braço dele, de brincadeira.
Malu olhou para mim e depois para ele e deu-lhe um tapa também.
- Ei, você não pode fazer isso! – Critiquei a atitude dela.
- Bobo! – Ela olhou para o pai, repetindo minhas palavras.
Arqueei a sobrancelha, confusa:
- O que é isso, Malu?
- Isso é reproduzir a atitude dos adultos – Nicolete explicou – É hora de serem exemplo para ela. É assim que ela aprenderá o que é correto ou não fazer.
- Olhe para mamãe – levantei o queixo dela, que se remexeu inquieta no meu colo – Não podemos chamar o papai de bobo. Desculpe, papai... Eu amo você. – Alisei o braço dele.
- Amo... – Ela sorriu, repetindo a última palavra.
- Nos desculpe, papai? Prometemos nunca mais fazer assim. – Olhei para Heitor, pegando a mão dele.
- Desculpo. – Ele disse, sendo amassado por ela, que se jogou imediatamente no seu colo.
Heitor ajeitou-a e ela abraçou-o, em seguida dando-lhe um beijo lambuzado no rosto.
- Papai ama você. – Ele disse ao afastá-la um pouco, olhando em seus olhos verdes.
- Be... – Ela falou, rindo divertidamente.
- Eu não consigo traduzir tudo, mas creio que ela esteja debochando da sua alergia a gatos. – Comecei a rir.
- Creio que a menina esteja se referindo a Ben e a saudade que sente dele, senhora Bongiove. – Anon contestou.
Heitor arqueou a sobrancelha e disse, olhando o motorista pelo espelho retrovisor:
- Acho que você pode estar levemente apaixonado, Anon. Ninguém aqui lembrou de Ben.
- Senhor, só fiz uma observação.
Comecei a rir e Nicolete gargalhou, não conseguindo ser tão discreta. Malu, como começava a imitar tudo que fazíamos, fingiu estar a gargalhar, colocando a mãozinha na boca.
- Este lugar é enorme! – Olhei para as planícies que pareciam não ter fim, com as videiras que pareciam estar mortas, mas segundo Heitor, não estavam.
- Creio que a Perrone não faliu tanto assim, como seu irmão descreveu. – Heitor disse.
- Sebastian nunca me disse que a Perrone faliu. Ficou muito claro que isso houve só com a filial de Noriah Norte. Sempre falou que eu tinha algo a receber.
- Estou brincando com você, desclassificada.
Fiquei séria, fingindo estar brava. Malu apontou o dedo para mim e começou a rir novamente.
- O que está achando engraçado, hein? – Toquei o nariz dela com meu dedo.
- Mamãe... – Ela pulou para o meu colo de volta.
- Ela não para nunca. – Nicolete observou.
- Filha de quem mesmo? – Heitor ironizou.
Quando pensei que nunca acabaria a extensão de terras que pertencia aos Perrone, enfim, chegamos à casa.
O caminho que abrigava a casa principal era de minúsculas pedrinhas claras, rosadas. Ouvíamos o som dos pneus do carro até que Anon estacionou, próximo da porta principal.
A casa tinha dois pavimentos e era feita de pedras rústicas. Nenhuma delas tinha a mesma forma, pareciam lapidadas à mão. As janelas venezianas eram cor de madeira, com vidros que abriam para dentro, inteiros. O telhado era com telhas individuais, foscas, quase da cor da casa, que eu não conseguia me decidir entre o rosa, salmão ou bege rosado, já que a cor era natural da pedra.
Ao fundo, havia uma casa menor, mas do mesmo estilo, como se fosse uma miniatura da principal.
Um casal saiu de dentro da casa, assim que descemos do carro. Estavam uniformizados e vieram imediatamente até nós.
- Sejam bem-vindos. Somos os cuidadores da casa. O senhor Sebastian nos avisou da chegada de vocês. Que bom que não se atrasaram. Esperamos que goste muito daqui, senhora Perrone.
- Casanova! – Heitor corrigiu.
- Perrone Casanova – confirmei – Obrigada por nos receberem.
- Como bem sabe, a casa é da senhora – falou o homem, curvando-se educadamente – Deixe-me levar as bagagens de vocês, por favor.
Anon a abriu o porta-malas do carro e foi retirando a bagagem enquanto o homem foi pegando as malas. A governanta nos conduziu para dentro da casa:
- Vamos entrar, pois está muito frio na rua. A previsão é de neve ainda hoje. – Ela avisou.
- Jura? – fiquei empolgada – Seria muita sorte.
- Certamente pegarão dias de frio e neve. Está bem na época. – Ela sorriu.
Adentramos no imóvel. O interior não tinha as pedras rústicas da parte externa. Tinha um reboco liso e pintado num tom de amarelo envelhecido, fraquinho. A sala tinha vários sofás claros, simples, adornados com mantas coloridas e almofadas. A mesa de centro era em madeira de lei, ao mesmo tempo ostentando um brilho que chegava a ofuscar os olhos. Sobre ela tinha algumas revistas e uma bandeja em cerâmica com duas espécies de ovos artesanais pintados à mão.
O chão era em cerâmica antiga avermelhada, parecendo ter sido passado cera a pouco tempo. O teto lembrava a mesma pedra da área externa, porém mais escurecida. Tinha calefação e ar condicionado.
Os móveis, uma estante, uma cristaleira, todos antigos e rústicos, combinavam com o ambiente.
O cômodo não era grande, e muito aconchegante.
- Esta é a sala principal. – A governanta avisou.
Seguimos por uma antessala simples, acompanhando-a pela escadaria em madeira grossa, corrimões perfeitamente entalhados e desenhados, como uma obra de arte, até acessarmos um corredor estreito, cheio de portas.
Outra empregada veio na nossa direção:
- Sejam bem-vindos. É um prazer conhecê-la, senhora Perrone – olhou na minha direção – Arrumei os quartos para recebê-los e desfarei suas malas. Espero que estejam a contento.
- Obrigada.
- Se importariam se Malu dormisse comigo? – Nicolete perguntou, enquanto pegava a menina dos meus braços.
Olhei na direção de Heitor, que disse:
- Por mim, tudo bem. Quer dormir com Nic, querida? – Perguntou para Maria Lua, que assentiu com a cabeça.
Percebi Malu querendo descer do colo de Nic e disse:
- Precisamos ficar atentas à ela na escada. Não vi nenhuma proteção... – Falei.
- Ficaremos todos de olhos, senhora – a empregada recém-chegada avisou, tentando me tranquilizar – Venha, vou mostrar seu quarto. – Chamou Nic e Malu.
- Vocês ficarão com o quarto principal. – Falou a governanta.
Seguimos elas. Assim que ela abriu a porta, deparei-me com o dormitório verde, que fiquei em dúvida se era claro, escuro ou meio termo. O ambiente era amplo e o as paredes altas, sendo que a parte mais para cima, junto do teto, era pintada de branco.
O teto era de madeira à vista, como se fossem eucaliptos inteiros, arredondados e finos, com um forro que não os escondia, como se brincassem com o design rústico do lugar.
A cama era grande e parecia bem confortável. Tinha lençóis brancos com uma manta branca com detalhes geométricos verdes chamativos, que brigavam com os vários tons de verde das almofadas. A cabeceira era de ferro, como se fosse uma árvore da vida, onde os galhos iam montando um mosaico, grande, que ocupava um espaço considerável da parede.
A porta branca, fechada, anunciava um banheiro. O armário era pequeno, com apenas três portas, em madeira, retrô, e com um espelho grande, que ocupava duas das portas. Ao lado dele, uma cômoda alta e com gavetas com puxadores iguais aos do roupeiro, de ferro.
Mesas pequenas e sem gavetas, muito parecidas com banquetas, ficavam ao lado das camas, servindo de descanso para dois abajures de ferro com copa em vidro fosco, imitando uma flor.
- Roupas de cama limpas, toalhas recém trocadas. Sintam-se em casa, por favor. E qualquer coisa que precisarem, estarei à disposição dos senhores. – Ela avisou.
- Obrigada. Mas me responda uma pergunta, por favor.
- Claro.
- Disse que é o quarto principal... Não me diga que era o de... Francesco e Soraia. – Não me contive.
- Não, senhora – ela sorriu gentilmente – Depois da morte da senhora Soraia Perrone, o senhor Sebastian reformou quase toda a casa, iniciando pelos dormitórios. Ele procurou manter o estilo que a casa já tinha, mas tudo aqui é novo e reformado.
- Obrigada... Vou dormir bem mais tranquila com esta resposta. – Confessei.
- Podem descansar um pouco da viagem. O almoço será servido pontualmente ao meio dia, na sala de jantar, próxima da cozinha.
- Tem adega? – Heitor perguntou.
- Uma adega enorme, senhor Casanova. Afinal, vocês estão numa das maiores vinícolas da Itália e certamente a maior de Piemonte.
- Grata pela atenção. – Falei, deixando-a sair.
Fechei a porta e Heitor olhou para tudo:
- Pitoresco? Humilde? Bizarro?
- Diferente. – Analisei ao redor.
- Espero que a cama seja box, pelo menos. Se for de ferro estamos fodidos.
- Por quê?
- Faz um som infernal.
Comecei a rir:
- Você só pensa nisso, desclassificado.
Ele jogou-se na cama, deitando sobre as almofadas:
- Confortável... Box e não faz barulho. Mas parece não estar engatada na cabeceira. Que coisa esquisita esta árvore.
Deitei ao lado dele, aprovando a maciez do colchão:
- Gostei.
- Não é ruim... – Heitor olhou para os lados – Mas por que tanto verde? Na verdade... Por que verde?
- Como vou saber... É questão de gosto, meu amor.
- Eu já mencionei que detesto verde?